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‘O mercado estava certo ao suspeitar que as metas fiscais não eram críveis’, diz diretor do Goldman

Segundo ele, governo considera o gasto público como um instrumento essencial para o crescimento econômico

Foto do author Cicero Cotrim
Atualização:
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comAlberto Ramos Diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs

A mudança das metas fiscais na semana passada prova que o governo deseja gastar mais para aquecer a economia e que o mercado estava certo ao duvidar da trajetória de resultados primários apresentada pelo Ministério da Fazenda, afirma o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do banco americano Goldman Sachs, Alberto Ramos.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele alerta que ainda há o risco de uma mudança na meta de 2024, de déficit zero, e até na de 2025, alterada de um superávit de 0,5% do PIB para resultado nulo. E essa incerteza na seara fiscal, segundo o economista, pesa sobre o rating soberano do País.

“O tema fiscal e o baixo crescimento potencial da economia, o baixo crescimento da produtividade na economia, são os dois fatores que provavelmente atrasam um pouco a obtenção do grau de investimento”, afirma.

Leia os principais trechos da entrevista.

A mudança das metas fiscais mostra uma menor disposição do governo para fazer um ajuste fiscal?

Esse compromisso nunca existiu de maneira séria. O mercado nunca acreditou, nunca deu valor a esse arcabouço como âncora fiscal. Se o objetivo era que funcionasse como âncora, falhou, porque a percepção do mercado é que vamos ter déficits primários a perder de vista. Essas revisões da meta provam que o mercado estava certo ao suspeitar que as metas não eram críveis. Elas já não eram ambiciosas, não estabilizavam a dinâmica da dívida e requeriam aumento muito forte da carga tributária. Isso mostra duas coisas: o governo quer, através de todos os instrumentos à sua disposição, manter a economia robusta; e considera o gasto público como um instrumento essencial. Não estou dizendo que é fácil entregar superávits primários e que o governo não quer, mas o que tem valor é fazermos coisas que não são fáceis. E a urgência disso é óbvia e ululante.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto tem dito que o mercado pode começar a se debruçar mais sobre o problema fiscal, devido ao aumento da dívida global. Isso pode afastar o investidor estrangeiro do Brasil, que tem endividamento alto para os padrões de países emergentes?

Até pode ser que não afaste, mas é um ponto de vulnerabilidade. Se muda o cenário externo e, de repente, há uma preocupação maior com a dinâmica fiscal a nível global, e os juros globais começam a subir por causa de prêmio de risco, isso vai bater no Brasil. E o Brasil, nesse quesito, começa em uma posição de debilidade: tem déficits primários, dívida alta e que continua a crescer e uma carga tributária que já é muito alta. Desde a PEC da transição, a carga tributária tem aumentado significativamente e não para gerar primário, mas para suportar gastos. Isso é complicado porque não resolve o problema e, à medida em que você aumenta a carga tributária, fica com menos margem para lidar com um problema no futuro.

Isso afasta a chance de o Brasil atingir o grau de investimento?

Sem dúvida. O tema fiscal e o baixo crescimento potencial da economia, o baixo crescimento da produtividade na economia, são os dois fatores que provavelmente atrasam um pouco a obtenção do grau de investimento.

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Alberto Ramos diz que há possibilidade de novas revisões nas metas fiscais Foto: Felipe Rau/Estadão

O governo antecipou o debate sobre a meta fiscal de 2025 em um momento no qual o mercado ainda debatia a possibilidade de mudança da meta de 2024, de déficit zero. Na sua avaliação, existe chance de o alvo deste ano ainda ser alterado?

Existe. Algumas avaliações mostram que talvez a receita ainda esteja superestimada e o gasto, subestimado. O mesmo se aplica a 2025. Claro que existem as receitas extraordinárias, os dividendos da Petrobras, e isso ajudaria, talvez, a mitigar o buraco. Mas acho que é bem possível que antes do fim do ano a meta de 2024 venha ser revisada para baixo, e também a de 2025. O mercado espera um déficit entre 0,6% e 0,7% do PIB e, se estiver certo, ainda vai haver mais revisões.

Isso vai erodindo a credibilidade fiscal do País?

Isso começou em 2023. Mesmo tirando o pagamento dos precatórios, em 2023 o governo já entregou um resultado fiscal bem pior do que era a meta indicativa da Fazenda. Em 2024, vamos pelo mesmo caminho. Em 2025, já reconheceram e, em 2026, já estão achando que não conseguem entregar. Isso não exime o governo de responsabilidade: quem controla o gasto é o governo e, se não tem receita, tem de ajustar o gasto. A não ser que você não ache que as metas fiscais são importantes. Tudo é mais importante do que controlar o gasto. Temos de respeitar um pouco mais que o Brasil já está muito endividado e não dá para gastar em tudo que a gente quer.

Declarações recentes do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, puseram fim no consenso de que o Copom cumpriria o forward guidance e cortaria a Selic em 0,5 ponto porcentual na reunião de maio. O cenário do Goldman Sachs mudou?

Não. Sempre tivemos um corte de 0,25 ponto em junho. O que está em risco agora é a decisão de maio. O presidente Campos Neto está comunicando de forma muito clara para o mercado que o forward guidance sempre foi uma prescrição condicional. Agora, aumentou muito a incerteza global: tem uma guerra no Oriente Médio que parece estar se intensificando, uma maior preocupação com a dinâmica de inflação nos Estados Unidos, com o Fed parecendo que quer puxar cada vez mais para o fim do ano o início de uma normalização da política monetária. O cenário básico está mudando. As expectativas de inflação de 2025 começaram a subir um pouco, o câmbio se movimentou bastante. Há uma reprecificação de ativos financeiros que provavelmente até muda o balanço de riscos. E há a questão fiscal. O gato subiu no telhado.

Existe o risco de o BC ter de interromper o ciclo de cortes com a taxa Selic ainda em dois dígitos?

Certamente que sim. Antes desses eventos, já havia uma minoria de analistas que tinha uma taxa terminal de dois dígitos. Eu tinha 9,5% desde meados de 2023, mas o mercado tinha 9%, algumas casas com 8,75%. E eu até diria que, entre o fim de 2023 e o início de 2024, eu achava que, se tivesse de mudar minha projeção, seria para menor. Hoje, estou muito confortável com esse número e até diria que o risco está bem distribuído e que, possivelmente, é para mais.

Por quê?

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O BC está lidando com projeções de inflação bem acima da meta este ano e ligeiramente acima da meta em 2025, com expectativas de inflação desancoradas, com o hiato do produto já bem fechado, com o mercado de trabalho bastante pressionado, com uma dinâmica de salários incompatível com o ganho de produtividade. E, por último, mas não menos importante, com uma política fiscal e parafiscal que, todo dia, tem um anúncio de estímulo. A economia pode ir até melhor do que o esperado, porque tem uma avalanche de estímulo fiscal. Isso significa que o BC tem de ir devagar, que existe a possibilidade de ter de encerrar o ciclo em um nível mais alto, potencialmente em dois dígitos. E, agora, o externo parece estar mandando nessa direção.

O que pesa mais para o BC, a reprecificação global dos ativos ou a incerteza fiscal, depois da mudança das metas?

O BC não é o psicólogo da Fazenda, não é uma agência de classificação de risco, que dá nota à política fiscal. A política fiscal afeta as expectativas de inflação, afeta a dinâmica do câmbio e, sendo mais ou menos expansionista, afeta o hiato do produto. Esses são inputs do modelo de projeção da inflação. Tanto o externo como o fiscal entram no modelo indiretamente, através do impacto que têm no preço de ativos, no prêmio de risco e na avaliação subjetiva no balanço de riscos. Qual é o mais importante? É difícil de dizer, e eu diria que nem interessa muito, porque os dois estão caminhando no mesmo sentido.

O debate sobre quem será o próximo presidente do BC ainda não ganhou tração. Ele pode ter novos impactos nas expectativas do mercado para a taxa Selic no segundo semestre?

Não gosto de pré-avaliar potenciais candidatos, gosto de dar o benefício da dúvida. O risco existe, claro. Mas diria o seguinte: vamos imaginar que esse risco se materializa, que você faz uma transição para um BC muito mais dovish, que toma algum risco de inflação e corta o juro abaixo do que seria prudente. Esse experimento estaria fadado ao fracasso, porque não iria gerar crescimento e levaria a um aumento muito significativo do prêmio de risco na parte intermediária e longa da curva e a uma desvalorização muito significativa do câmbio. Vimos isso lá atrás, durante o mandato da presidente Dilma Rousseff, em que o BC tomou algum risco e as condições financeiras acabaram ficando mais apertadas, e não menos. O risco é esse: menos crescimento, não mais. Se alguém tentar, rapidamente vai ser forçado a corrigir.

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