SÃO PAULO - Dentro do Comitê de Política Monetária (Copom) sempre houve e sempre haverá divergências, e é bom que existam visões diferentes entre os membros do colegiado. A avaliação é do ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC) Aldo Mendes.
Alinhado com o discurso do atual titular da diretoria de política monetária, Gabriel Galípolo, Mendes reforça que o mais importante na última reunião do Copom foi a convergência em torno da visão futura, a de que a Selic precisará ser mantida no campo restritivo para levar a inflação ao centro da meta.
Ele diz entender também que o cenário mudou após o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) sinalizar que não cortará juro agora e com a alteração da meta fiscal no Brasil, mas que caberia mais um corte de 0,50 ponto na Selic porque assim não se teria perdido o “forward guidance” e a transição teria sido mais suave.
Sobre o fim do mandato de Roberto Campos Neto, Mendes afirma que substituições no comando de qualquer autoridade monetária sempre causam volatilidade, mas que vê a nova diretoria do BC se pautando por critérios técnicos, sem cavalo de pau na política monetária.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
No último Copom a diretoria votou dividida num placar apertado e deixou de lado a orientação para corte de 0,50 ponto porcentual. O que o sr. achou?
Acho que caberia ainda um corte de meio ponto, tanto que tiveram quatro diretores votando nesta magnitude. Mas é verdade que o cenário mudou nos Estados Unidos com o Fed indicando que não cortará juro agora e, internamente, com a mudança das metas fiscais. Isso fez com que as expectativas mudassem em direção a uma inflação maior no fim do ano.
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Alguns participantes do mercado ficaram apreensivos com a divisão dos votos. Há motivo para essa apreensão?
Acho que divisão no Copom é sempre uma coisa boa. Sempre houve, continuará havendo e é bom que haja visões diferentes entre seus membros. Sempre há divisões especialmente em momentos de transição como o de agora. Só acho que talvez fosse melhor se a divisão no último Copom tivesse terminado com o corte de 0,50 ponto porcentual saindo vencedor.
Por quê?
Porque apesar de o cenário ter mudado - o que sem dúvida justifica uma mudança no ritmo do afrouxamento que vinha sendo feito na Selic -, se fosse cortado 0,50 ponto não se teria aberto mão do forward guidance e indicaria uma transição mais suave.
O atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, entende que, a despeito da divisão, o mais importante foi o consenso em torno da visão de futuro.
Concordo com Galípolo, porque ficou claro que todos os diretores têm a compreensão de que a taxa de juro precisa se manter no campo restritivo para trazer a inflação para o centro da meta.
Ficou no ar a impressão de que o racha se deu em função da fala do presidente Campos Neto na reunião do FMI em Washington e que o discurso não teria sido alinhado com os diretores.
Quando um presidente de BC fala alguma coisa em público é possível que ele tenha conversado com pelo menos alguns de seus diretores. Há uma coordenação para se evitar comunicações erráticas. Antes das reuniões o presidente vai tomando pulso do comitê para que a comunicação seja consensual ou a menos errática possível.
Alguns participantes do mercado financeiro acharam que os comunicados do BC foram duros e que não dialogam com a votação. Concorda com isso?
Independentemente de como foi a votação, se dividida ou não, comunicados e atas passam pelas mãos de todos os membros do comitê, é aprovado em colegiado. Neste Copom, os diretores dividiram-se, o que é normal em momentos de transição de um cenário para outro, mas comunicado e ata deixam claro o entendimento deles de que a inflação tem de caminhar para o centro da meta.
Há também no mercado quem ache que uma diretoria composta por indicados por Lula será leniente com a inflação. O sr. acredita nisso?
Não, porque as decisões dentro do BC são sempre técnicas. É claro que substituição de comando no BC sempre causa alguma volatilidade, mas não creio que a próxima diretoria vá dar um cavalo de pau na política monetária. Não acredito em leniência com inflação pelo fato de os diretores terem sido indicados por Lula. Claro que haverá divergências, porque até entre os técnicos há visões diferentes sobre um mesmo tema, mas não tenho dúvida de que o BC continuará se pautando por critérios técnicos e não políticos.
De fora, qual é o maior risco para a nossa política monetária?
Os Estados Unidos, mais que qualquer outra coisa. Apesar de alguns dados recentes estarem apontando para um esfriamento, a inflação acumulada permanece acima de 2%. O Fed está comprando tempo, está esperando para ver se este esfriamento dos indicadores agora vai se manter lá na frente e levar a economia americana a um pouso suave.
O que o sr. espera para as próximas reuniões do Copom?
Acho que devem vir mais uns dois cortes de 0,25 ponto da Selic.
Os recursos que o governo está enviando para ajudar o Rio Grande do Sul podem levar a algum impacto na inflação?
O impacto que poderá acontecer será mais pelo choque de oferta do que por uma expansão fiscal. Haverá um choque de oferta por conta de produtos que o Rio Grande do Sul deixará de produzir. Mas não será significativo a ponto de mudar o plano de voo do BC. Mesmo porque as importações que estão sendo anunciadas poderão minimizar o impacto na inflação.
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