‘Minha posição contribui para a BYD errar menos no Brasil’, diz ex-ministro Baldy, chairman do grupo

Executivo diz que empresa de carros elétricos não teme perda de benefícios com a reforma tributária e que maior desafio hoje é tornar a marca conhecida, para impulsionar a rede de concessionárias

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Cristiane Barbieri
Atualização:
Foto: ALEX SILVA/ESTADAO
Entrevista comAlexandre BaldyPresidente do conselho de administração da BYD Brasil

Apesar de ser um empreendedor bem-sucedido, foram as credenciais políticas de Alexandre Baldy que chamaram a atenção quando ele assumiu o cargo de chairman (presidente do conselho de administração) da BYD no Brasil há um ano. Goiano de 43 anos de idade, ele presidiu a Linea Alimentos e fundou a Allbox, uma das principais fabricantes de caixas para remédios do País, que vendeu em junho por R$ 500 milhões.

Mas o ex-ministro das Cidades do governo Temer, ex-secretário de Transportes de Doria e ex-deputado federal (PP-GO), entre outros cargos públicos de destaque, continua tendo ampla articulação política e é bastante próximo de Arthur Lira (PP-AL), para quem fez campanha para a reeleição à presidência da Câmara.

Maior montadora de carros elétricos do mundo, a BYD anunciou que destinará R$ 3 bilhões para produzir veículos na antiga fábrica da Ford, na Bahia. É o segundo maior investimento da empresa fora da China (atrás apenas da Tailândia) e pretende criar uma plataforma de exportações para a América Latina.

Porém, a questão das isenções de impostos às montadoras do Nordeste e Centro-oeste, que está dentro da reforma tributária, enfrenta uma intensa guerra de idas e vindas nos bastidores. “Seja junto ao governo do Estado ou no governo federal, tudo tem sido completamente encaminhado, não tememos (mudanças)”, diz. “(O benefício) está garantido.” Para ele, hoje o maior desafio da companhia é tornar a marca conhecida para impulsionar a abertura de concessionárias.

Em outra frente de negócios, a BYD também está fabricando os trens e equipamentos de manobra para o monotrilho da linha 17-ouro de São Paulo, que deveria ter sido finalizada para a Copa de 2014. A fabricante que havia sido contratada anteriormente faliu - um problema que afetou Baldy e outros secretários de Transporte do Estado de lá para cá. “Foi um produto desenvolvido especificamente para ser acomodado dentro daquilo que já existia”, diz ele. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Publicidade

Alexandre Baldy assumiu a presidência do Conselho da BYD Brasil há um ano Foto: Alex Silva / Estadão

Qual está sendo o principal aprendizado como chairman da BYD?

Venho do meio empresarial, comecei na indústria com 19 anos de idade e, até três meses atrás, de cada duas embalagens de medicamentos produzidas no Brasil, eu fazia uma. Tive várias experiências empreendedoras, como a empresa de adoçantes Linea, que peguei pequenininha e deslanchou. Mas o segmento automotivo é muito regulamentado, com suas particularidades e, nisso, posso dizer que é um aprendizado. Volto a trabalhar com a área de consumo, mas de bem durável, na qual há particularidades completamente diferentes. Vai desde estar diretamente envolvido com o consumidor até a produção de um automóvel e à propaganda, tudo em larga escala.

Como está a fábrica da BYD?

A fábrica está sendo readequada e será completamente remodelada, com a construção de um anexo. Hoje, estamos no estágio de aprovação de projetos para, no primeiro trimestre, começar a obra efetiva e no início de 2025 produzir lá. Serão 5 mil vagas, sendo que já trabalharam 15 mil pessoas naquele complexo industrial.

Os srs. temem mudanças no benefício fiscal dessa fábrica trazidas pela reforma tributária?

Hoje, a gente tem um benefício que é o regular, por parte do governo do Estado e do Governo Federal. Não tememos (mudanças). (O benefício) está garantido, a partir do momento em que foi assinado pelo governo. Seja no Estado ou seja no governo federal, tudo tem sido completamente encaminhado.

Qual tem sido então o maior desafio?

Fazer com que a marca seja reconhecida e trazer a confiança do concessionário para que ele invista. A partir do momento em que ele decide montar uma loja e toda a rede que dê suporte à vazão desse produto, nos dá respaldo para ter uma fábrica. Em dezembro, chegaremos a quase 50 lojas e a ideia é avançar simultaneamente em todo o País. Em novembro, a gente conseguiu emplacar mais de 3 mil veículos.

Como os srs. estão fazendo para tornar a marca conhecida?

Patrocinamos a principal programação da TV aberta brasileira, os programas de palco de maior audiência, veiculamos anúncios nos principais jornais do País, realizamos mídias regionais por meio dos nossos concessionários. Temos um programa agressivo de construção de marca para torná-la conhecida e gerar essa confiança para ajudar o concessionário a vender.

Publicidade

Outra chinesa, a JAC Motors, também teve um programa agressivo de construção de marca e rede de concessionárias, mas acabou tendo de encarar um aumento de 30 pontos de imposto quando ela começou a ganhar mercado, fruto da pressão dos concorrentes. Sua posição é estratégica para evitar que algo parecido ocorra com a BYD, por ser um político próximo a lideranças importantes do País?

Minha posição contribui para que a empresa possa errar menos e evite algumas políticas públicas. Porém, a gente está falando da maior montadora de carros elétricos do mundo, com todo respeito à JAC, que naquele momento não era uma grande empresa. A maior empresa do mundo no segmento decide vir para o País, dedicar investimento e empenho para conquistar a liderança em poucos anos. Obviamente, quanto mais profissionais a gente consiga ter dentro da empresa para construir uma rede de distribuição, uma rede de concessionárias, uma marca forte de maneira assertiva e ajudando em sua estratégia num setor amplamente regulado, certamente isso contribui para que a empresa possa ter sustentabilidade.

A mudança de governo ajudou a trazer os investimentos da BYD ao Brasil?

PUBLICIDADE

Foi fundamental. O Brasil, dada a posição política do governo nesse momento, se reaproximou na relação diplomática com a conversa do presidente Lula em abril na China com o dono da BYD, uma empresa exclusivamente privada, demonstrando sua política pública de proteção ao meio ambiente e voltada à descarbonização. Isso convenceu a BYD de que o Brasil é o país certo, dentro das maiores economias no mercado automotivo, para investir. Nós estamos ampliando a bilateralidade da relação comercial entre os dois países.

Em que medida o movimento da BYD de vir à América Latina faz parte das disputas globais traçadas entre EUA e China no cenário geopolítico?

Não acredito que seja um movimento geopolítico, mas o movimento de criação de novo segmento. O impacto ambiental do aquecimento global provou ao mundo a importância da descarbonização por meio de políticas públicas globais promovidas pela ONU e dentro de cada país, sendo que a solução do setor automobilístico certamente é uma das de maior impacto nesse movimento. É estar no lugar certo, no momento certo, com o produto adequado.

Não tem nada a ver com o fato de os BRICs terem aceitado a entrada de mais países do Oriente ou com o nearshoring (trazer a produção para países vizinhos) promovido pelos EUA?

Não, porque são dois mercados gigantescos de consumo do setor automotivo. Eles (os EUA) não têm como evitar o crescimento das empresas em seus mercados locais porque a Tesla (que é americana) cresce na China e nada é feito para impedir esse crescimento. Obviamente, em dado momento, os Estados Unidos vão ter de abrir as portas para que as empresas (chinesas) também possam tentar operar no seu mercado.

Quantos carros a BYD pretende oferecer no Brasil?

A BYD tem uma linha de produtos muito extensa, com quase 60 modelos. Por enquanto, temos oito aqui, mas a ideia é dar a nosso concessionário um cardápio extenso de opções.

Publicidade

A BYD tem desde carros mais acessíveis até os ultra premium e vamos trabalhar por região. Os produtos ultra premium terão lojas específicas, porque requerem atendimentos exclusivos.

A BYD está desenvolvendo um carro híbrido elétrico com etanol. Faz sentido em termos de custo para a empresa, já que o carro a combustão tem muito mais peças do que o carro elétrico?

É uma transição que precisa existir e é um avanço na indústria. Ele cria um novo segmento e envolve questões de proteção ao meio ambiente e de descarbonização. No fim de 2024, teremos esse modelo flex, o BYD Song, sendo fabricado em Camaçari (BA). Além dele, serão produzidos ali o BYD Dolphin e um terceiro modelo a ser definido, com a mesma base de plataforma. Queremos ter mais de 12 modelos comercializados no Brasil, em 12 meses.

As outras frentes alavancam os negócios da BYD como um todo?

Na verdade, não. São empresas independentes e sem relação administrativa entre si. Mas, a partir do momento em que a marca de bem de consumo, com investimento tão expressivo como a BYD Auto, se torna mais conhecida, certamente ela alavanca as demais. Então, se a BYD Energy se tornar mais conhecida é porque a BYD Auto passa a ser uma marca popular e com mais confiança por parte do consumidor. Mas hoje, com a tarifa zero de importação, 96% dos painéis solares vendidos no Brasil são importados.

Entre as frentes de negócios, quais são as mais promissoras?

Certamente, pela sua envergadura, a BYD Auto. Mas a BYD Ônibus tem boas perspectivas com a renovação da frota que a prefeitura de São Paulo está fazendo. Eles serão essenciais para a transição energética e a visão do governo é de fortalecer a indústria local (os ônibus são fabricados em Campinas). Hoje, o Chile tem a maior operação de ônibus elétricos da América Latina, mas São Paulo deve ultrapassá-lo daqui a poucos meses. Já os painéis solares também devem ser fortalecidos quando a questão tributária for reavaliada.

E em relação à fabricação de trens?

É algo difícil de se avaliar, porque são projetos feitos de acordo com cada governo. O monotrilho, por exemplo, foi um produto desenvolvido especificamente para ser acomodado dentro daquilo que já existia. Com 90 mil engenheiros, temos capacidade de desenvolver qualquer projeto.

Publicidade

A cidade chinesa de Changsha abriu uma investigação em 2022 por suspeitas de emissões excessivas de uma das fábricas da BYD. Como a empresa garante que isso não vai acontecer aqui no Brasil?

Hoje, a BYD não permite que nenhuma das suas etapas de produção possa emitir poluentes ao meio ambiente. A BYD é uma greentech comprometida com o meio ambiente e tem de fazer essa validação de que seu processo produtivo, assim como de sua cadeia verticalizada, seja de proteção ao meio ambiente e estejam completamente de convergência com as legislações ambientais.

A empresa também já foi acusada de explorar uma etnia minoritária na China, entre outros problemas com seus trabalhadores nos quais há processos correndo...

Muitas notícias não têm fundamento. A BYD é uma empresa de capital aberto e não tem como aceitar nada que possa desrespeitar (a legislação). As políticas salariais hoje da China são muito semelhantes às do Brasil, mas aqui o custo final do trabalhador, pelos encargos e custos indiretos, é quase o dobro.

A Ford fechou a fábrica na Bahia falando exatamente que a conta, do ponto de vista tributário, não fechava. Qual é a mágica que a BYD vai fazer?

Cada empresa tem sua avaliação para se tornar viável. Mas eu, sinceramente, não acredito nos argumentos, até porque, como relator de uma lei para tratar da convalidação dos incentivos fiscais, recebi a Ford e várias outras montadoras que nos trouxeram o retorno de que a convalidação permitiria que fossem viáveis no Brasil. Até por razões de experiências pretéritas minhas, esses argumentos foram infundados. O que difere a BYD de muitas empresas é que ela traz para dentro a fabricação de insumos, partes e peças para ter regularidade de fornecimento, principalmente de semicondutores e partes eletrônicas. Em alguns modelos, mais de 70% dos componentes são produzidos internamente e a empresa tem controle maior dos custos.

Além das concessionárias, montar uma rede de abastecimento é um desafio?

Essa é uma transformação cultural. A BYD dá de presente o carregador ao consumidor. Em alguns carros elétricos, ele chega a representar 4%, 5% do valor total do carro. Queremos transformar a cultura da pessoa que não vai mais precisar parar num posto de combustível, vai sair de casa com o carro abastecido com uma autonomia de 400 km gastando em torno de R$ 35, sem rodízio, com cinco anos de manutenção gratuita ou 100 mil km rodados. Ainda com o ápice de colaborar com a proteção ao meio ambiente.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.