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‘Equipe econômica ainda não entendeu o gerenciamento das expectativas’, diz ex-secretário da Fazenda

Para o economista-chefe da Az Quest, Alexandre Manoel, Haddad cometeu erro político ao apresentar as MPs da reoneração da folha, no final do ano passado, e da compensação do PIS/Cofins, na última semana

Foto do author Alvaro Gribel
Atualização:
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Entrevista comAlexandre Manoel Economista-chefe da Az Quest

BRASÍLIA – O economista-chefe da Az Quest, Alexandre Manoel, avalia que a equipe econômica ainda não entendeu o funcionamento e a importância do gerenciamento das expectativas, não só do mercado financeiro, mas também de empresários da economia real. Esse é o pano de fundo, para ele, dos ruídos provocados na última semana pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelos diretores do Banco Central Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti na reunião do Copom de maio.

Segundo Manoel, que tem experiência no setor público como secretário nos ministérios da Fazenda e da Economia e também como secretário na prefeitura de Maceió, Haddad também cometeu duas falhas políticas nos últimos meses. Primeiro, ao enviar a MP da reoneração da folha de pagamentos; e agora, com a MP do PIS/Cofins.

“Foi tudo feito da mesma maneira: sem combinar com os líderes partidários, sem falar com os empresários, com o próprio governo, gerando uma imprevisibilidade gigantesca”, diz o economista.

Desde o anúncio do arcabouço fiscal, Manoel é uma das vozes que vêm alertando sobre os problemas de certas rubricas, como os pisos de saúde, educação, e a indexação do salário mínimo, que crescem acima do teto de 2,5% da nova regra para controle das contas públicas. “O ajuste fiscal pelo lado da despesa precisa iniciar”, diz.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O ex-secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria, Alexandre Manoel Foto: Gustavo Raniere/Ministério da Economia

O dólar subiu ontem novamente. Ainda é rescaldo do ruído da sexta, após a reunião do ministro Haddad com investidores?

A meu ver, a equipe econômica ainda não entendeu bem a questão do gerenciamento das expectativas. Isso é fundamental para as coisas darem certo. Essa minha visão vale tanto para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quanto para os diretores do Banco Central Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti (indicados por Lula).

Por que exatamente?

Embora o ministro Fernando Haddad tenha boa intenção, e o mercado reconheça o esforço que ele vem fazendo para conseguir o reequilíbrio fiscal, no contexto atual, ele não poderia ter aberto um processo político de decisão (sobre cortes de gastos depender do presidente Lula). Isso acontece porque ele não acredita no gerenciamento das expectativas ou não entende como isso funciona. Esses indicadores que vão piorando, em algum momento vão bater no mundo real. Esse entendimento me parece que não está claro. Para eles, é algo abstrato, de mercado; não entendem como isso se transmite ao setor real. Eles precisam primeiro entender para depois passar para o Lula. Acho que o Lula não vai para o suicídio político e econômico.

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A MP do Pis/Cofins também provocou bastante insatisfação...

Isso se enquadra no que considero ser uma falha política, que entendo que aconteceu no final do ano passado, com a MP da reoneração da folha de pagamentos, e também agora, com essa nova MP para compensar a desoneração via créditos tributários de PIS/Cofins. Foi tudo feito da mesma maneira: sem combinar com os líderes partidários, sem falar com os empresários, com o próprio governo, gerando uma imprevisibilidade gigantesca. E num contexto ainda pior do que havia em dezembro (por conta do cenário externo).

O que poderia ter sido feito?

Se ele tivesse plena compreensão desse processo de gerenciamento de expectativas, que creio que não está tendo, ele não teria apresentado a MP do jeito que apresentou. Isso também aconteceu no Banco Central. O cenário externo mudou, houve uma mudança do guidance pelo presidente Campos Neto no evento a investidores em Nova York, e o mercado entendeu. Mas aí chegaram os outros diretores e falaram que iam seguir o guidance da ata. Para o mercado, porém, isso já tinha mudado, não era mais a ata. E aí o que acontece depois? Os diretores Galípolo e Pichetti entenderam o que aconteceu e mudaram o discurso. Ainda bem, embora o estrago já tenha sido feito.

Na entrevista ao Estadão, o presidente Campos Neto disse que isso foi discutido na reunião do Copom.

Exatamente. E ainda assim votaram dessa forma. Hoje, como eles são muito inteligentes, já entenderam os efeitos e agora não vão fazer mais isso. Se o Haddad também tivesse entendido isso, ele não teria mandado essa MP do PIS/Cofins. Ele diria ao presidente Lula: “presidente, essa agenda foi muito boa, o senhor conseguiu recuperar a arrecadação estrutural em cerca de 1% do PIB, o mercado gostou. Mas para a gente continuar com essa agenda de receita, o senhor precisa encaminhar uma agenda de despesa; porque, se não, vai passar o sinal para o mercado e para o setor real de que o governo está aprovando receita para gastar mais, e não para contribuir para o equilíbrio fiscal”.

A viagem de Haddad para a Europa também parece não ter ajudado...

A vitória da Fazenda neste assunto da reoneração da folha de pagamentos já está clara, inclusive com uma provável vitória no STF. É um avanço institucional importante (obrigar o Congresso a sempre apontar a fonte de custeio para aumento de gastos). Mas não é esse o ponto. Eles precisam é gerenciar a economia política. O momento não é apropriado para fazer esse tipo de medida, como a MP do PIS Cofins, e o pior: para fazer da forma como foi feita.

O que o governo precisa fazer para recuperar a confiança?

Precisam ajustar alguma despesa obrigatória; precisam, no mínimo, compatibilizar o crescimento das despesas com salário mínimo, saúde e educação com o crescimento proposto pelo limite de despesa do arcabouço fiscal. O ajuste fiscal pelo lado da despesa precisa iniciar.

Existe uma pressão maior agora por corte de gastos?

A grande novidade do arcabouço fiscal foi a imposição de limite de despesa num governo do PT. O mercado gostou. Mas, em 2024, até o presente momento, nenhum sinal foi dado que esse arcabouço é crível, é para valer mesmo.

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