Ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman avalia que o ritmo de crescimento da economia brasileira — o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,9% no terceiro trimestre — não é sustentável, dado que os bons números da economia têm sido impulsionados pelo consumo.
“E de onde vem o crescimento do consumo? Vem, principalmente, do aumento das transferências do governo federal para as famílias”, afirma Schwartsman, consultor da Pinotti & Schwartsman Associados e colunista do Estadão. “A política fiscal tem estimulado o consumo. Consome-se mais, e a economia reage, mas reage de uma maneira desigual.”
Em entrevista concedida ao Estadão, Schwartsman avalia que o governo Lula não tem a intenção de promover um ajuste fiscal, uma vez que isso evitaria medidas “politicamente custosas”. No entanto, essa postura abre um cenário mais difícil para a economia brasileira, com uma combinação de endividamento crescente, aumento dos juros e alta da inflação.
“O meu comentário sobre o pacote é que não fizeram mais porque têm receio de derrota eleitoral. Entre a derrota eleitoral e o populismo, eles escolheram o populismo. E vão colher uma derrota eleitoral”, afirma. “Tem muito o que piorar. Esse é o problema”
A seguir os principais trechos da entrevista.
Como o sr. avalia o quadro da economia?
O ritmo de crescimento está forte. Você pode dizer que é um resultado positivo. Seria positivo se fosse sustentável, mas ele tem dado todas as indicações de que não é um crescimento que vamos conseguir manter indefinidamente. Primeiro, é um crescimento, do ponto de vista de demanda, liderado pela expansão do consumo. Se analisarmos o que aconteceu ao longo do ano ou no último trimestre, o consumo responde por mais ou menos uns dois terços do aumento da demanda doméstica. É o que está empurrando o PIB. É muito uma história sobre crescimento do consumo. E de onde vem o crescimento do consumo? Vem principalmente do aumento das transferências do governo federal para as famílias, como as da Previdência, do Bolsa Família, do BPC (Benefício de Prestação Continuada), do abono, do seguro-desemprego. A política fiscal tem estimulado o consumo. Consome-se mais, e a economia reage, mas reage de uma maneira desigual.
O que seria essa maneira desigual?
O lado dos serviços está crescendo bem mais do que o lado da indústria. Se a gente for analisar nos últimos 12 meses ou ao longo do ano, quem está crescendo de maneira mais vigorosa é o segmento de serviços. As diferenças de ritmo nem são tão grandes, mas, como o setor de serviços é muito maior do que a indústria, ele representa 80% do crescimento do valor adicionado no País nos três primeiros trimestres do ano sobre o final de 2023. Então, basicamente, esse crescimento se traduz em expansão do setor de serviços. Por uma razão muito simples: serviços não podem ser importados. Se você está consumindo mais serviço, tem de produzir mais serviços. Tudo bem, se há mão de obra disponível, uma taxa de desemprego super alta, você pode aumentar tanto a produção de serviço quanto a industrial.
Mas não é o caso…
Estamos com uma taxa de desemprego apertada. Obviamente, então, há um crescimento maior de serviços e um crescimento menor na indústria. Como a gente faz a diferença? Essa diferença vira um aumento da importação, que também aparece nas contas nacionais. Basicamente, esse crescimento da demanda tem pressionado as importações, por um lado, e tem pressionado o hiato do produto (diferença entre PIB potencial e efetivo que, quando é positiva, gera inflação). A taxa de desemprego vem caindo, e a inflação acelera. O que falei no começo do ano continua valendo. Crescer mais do que 3% vai dar problema, e estamos vendo os problemas agora. Não é por outro motivo que o Banco Central está subindo os juros.
E até qual patamar o BC pode subir os juros num cenário que se agravou nas últimas semanas, com desvalorização adicional do câmbio e a incerteza fiscal?
A nossa cabeça é que vai até 13 e pouco, 13,25%, o que provavelmente não vai ser suficiente para fazer a inflação convergir para a meta. Nesse momento, o objetivo do Banco Central é não deixar a inflação escapar muito dos 4,5%. Ela vai estourar o limite agora em dezembro. Provavelmente, ao longo da primeira metade do ano que vem, ela permanecerá acima disso. A briga do Banco Central é, essencialmente, não deixar esse negócio escorregar ainda mais.
E qual a avaliação do pacote fiscal apresentado pelo governo? Um avanço apenas das medidas de contenção de gastos não pode ajudar a melhorar o humor?
São várias coisas. O pacote é nitidamente aquém do que a gente precisa. A gente precisaria melhorar o resultado primário em cerca de R$ 300 bilhões. Mas o pacote não corta R$ 70 bilhões? Não, ele não corta. Em 2025, você gastaria R$ 30 bilhões a menos do que está previsto na lei orçamentária; em 2026, seriam R$ 40 bilhões a menos do que está previsto. Dado que há um aumento de gastos no meio do caminho, não estamos cortando gasto nenhum. Estamos só limitando o ritmo de aumento. Concretamente, não temos maiores progressos no que diz respeito a produzir uma trajetória de resultados primários que evitassem que a dívida continuasse a crescer. A dívida vai continuar a crescer. Nesse aspecto, o pacote é ruim. E isso dando de barato que as medidas que foram divulgadas passarão todas, o que dificilmente vai ser verdade, porque, dentre elas, têm, por exemplo, as emendas parlamentares. Estão propondo cortar em torno de R$ 6 bilhões, R$ 7 bilhões por ano. Não sou diplomado em ciência política, mas algo me diz que isso não vai voar. Provavelmente, o pacote vai sair ainda menor do que foi proposto.
O País, então, caminha para um endividamento crescente. Vamos ver mais uma rodada de desvalorização dos ativos?
Essa pressão acaba se materializando principalmente em câmbio e inflação. Acho que aí é que a coisa vai acabar pegando. Vamos ter de conviver com um dólar caro e isso repercute sobre inflação. Tem um pedaço da desvalorização que ainda não teve tempo de impactar preços. E não era muito clara para os formadores de preços, de maneira geral, quanto da desvalorização era permanente e quanto era temporária. Acho que a maior parte disso é, de fato, permanente. E aí o repasse é bem maior.
Vamos ver números piores de inflação?
Acho que vamos. Vão ter ali alguns acidentes no meio do caminho. Janeiro vai ter um número bom porque entra o bônus de Itaipu (R$ 1,3 bilhão do bônus deverá ser utilizado com objetivo de reduzir a tarifa de energia). Mas, se for olhar os núcleos de inflação, eles já vão estar carregados ainda um pouco mais. Então, é mais inflação, mais juro. Vamos ter que conviver com isso.
E como o governo entrega a economia em 2026, ano eleitoral?
Já vai entrar numa situação bem delicada. É isso que eles não se deram conta. O meu comentário sobre o pacote é que não fizeram mais porque têm receio de derrota eleitoral. Entre a derrota eleitoral e o populismo, eles escolheram o populismo. E vão colher uma derrota eleitoral - para parafrasear o Churchill. Está longe ainda. Tem muito o que piorar. Esse é o problema.
Reverter essa dinâmica de piora é possível ou o governo perdeu uma janela de oportunidade?
A janela está aí. Se quiserem fazer, sim, há como. A minha dúvida maior é: eles querem fazer? A minha impressão é que não. Qual é a minha leitura daquela maluquice do Imposto de Renda? De uma forma ou de outra, não teria um impacto no curto prazo ou, pelo menos, no ano que vem, mas por que ficamos preocupados com isso? Porque, basicamente, sinaliza o desconforto que esse governo tem para fazer qualquer espécie de ajuste fiscal. Claramente, eles não querem fazer isso. Não querem porque têm medo que as medidas que teriam de fazer, como mexer no reajuste do mínimo, nos pisos de saúde e educação, são politicamente custosas. Eles não querem fazer isso. Está mais do que claro.
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