‘Mensagem da S&P é de que o Brasil precisa progredir na agenda de reformas’, diz Ana Paula Vescovi

Para economista-chefe do Santander, se o País se tornar uma ‘nação reformista’, avança no caminho da credibilidade, da redução de percepção de risco e da redução de custos de financiamento

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Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comAna Paula VescoviEconomista-chefe do Santander

São Paulo - A economista-chefe do Santander e ex-secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, avalia como muito positiva a melhora da nota de crédito do Brasil, de BB- para BB, anunciada nesta terça-feira, 20, pela agência de classificação de risco S&P. Segundo Vescovi, a mensagem é que, se o País optar pela rota de progresso via reformas, será bem-sucedido. “Temos de persistir nas reformas”, defende, pontuando que a tributária provocou a ação da S&P.

Já uma mudança da meta fiscal de déficit zero em 2024 será inexorável a partir de avaliação de receitas e despesas, em março, na avaliação dela. A volta do grau de investimento é um cenário provável para os próximos cinco anos caso o Brasil mostre uma consolidação das contas públicas e que a transição da tributária será bem feita.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Que avaliação a sra. faz sobre a elevação da nota brasileira pela S&P?

É condizente com o outlook (perspectiva) positivo dado algum tempo atrás. Foi provocada pela reforma tributária. A sinalização foi que reformas têm sido um caminho para upgrade, não só dessa agência. É uma sinalização superimportante, muito positiva. Se nos tornarmos um país que entendeu a importância de fazer reformas, na medida em que a sociedade é dinâmica e elas se tornam necessárias, é um reforço para essa estratégia.

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O momento surpreendeu?

Surpreendeu porque ficamos focados nos assuntos correntes, mas não deveria porque a indicação lá atrás foi essa. Progredir na agenda de reformas resultaria em avaliações mais positivas. A mensagem da S&P, que agora se situa no mesmo patamar de notas de risco das demais (Fitch e Moody’s): se tomarmos uma rota de progresso para o País, seremos bem-sucedidos. Só não dá para acreditar que essa é a última reforma. Temos de persistir nesse caminho. Se for uma nação reformista, no sentido de aperfeiçoar instituições, o Brasil avança no caminho da credibilidade, da redução de percepção de risco e da redução de custos de financiamento.

Para Ana Paula Vescovi, em breve ficaremos com a sensação de que poderíamos ter ousado mais na reforma tributária Foto: Werther Santana/Estadão

A perspectiva da nota de crédito, mantida estável, poderia ser positiva se houvesse clareza sobre a execução do arcabouço fiscal?

Sim. Os próximos progressos têm de vir da execução. O marco fiscal foi aprovado e bem recebido pela média do mercado, mas sabemos das dificuldades que ele traz junto. Dilemas como, por exemplo, conseguir cumprir a banda de despesas com uma regra pró-cíclica para os gastos com saúde e educação, além da própria liberação de emendas parlamentares.

E a reforma tributária?

É positiva no médio e longo prazo, para a melhoria da produtividade do País, redução do gap de conformidade, muito alto, redução do grau de litígios, e a simplificação do sistema. Fazer uma transição o mais segura possível é um grande desafio, mas o Brasil tem capacidade técnica entre os agentes que tocam esses processos, e agora é uma questão de execução. Em breve, ficaremos com a sensação de que poderíamos ter ousado mais na reforma tributária. Mas tudo bem. Foi a possível neste momento. Não tenho dúvida que será muito positiva.

O avanço da agenda de reformas está na velocidade correta?

Está na velocidade do Brasil. A tributária vai ser um legado do atual governo. Mas são processos que a sociedade acumula na discussão e na experiência coletiva. Ainda temos um apontamento para a segunda parte dessa reforma - a parte da renda - para ser iniciada no ano que vem. E alguma chance de rediscutirmos uma reforma administrativa, ou a modernização do setor público brasileiro. O Brasil está percorrendo, sim, o caminho das reformas, e temos uma conjunção institucional capaz de impedir também que haja retrocessos.

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O grau de investimento pode voltar nos próximos anos?

Se a partir do marco fiscal o Brasil demonstrar que está promovendo uma consolidação das contas públicas e que a transição da reforma tributária, embora bastante desafiadora, será bem executada, é um cenário provável para os próximos cinco anos.

A aprovação da MP da Subvenção melhora o cenário fiscal?

Talvez seja objeto de contestações judiciais que podem levar a uma frustração parcial da arrecadação baseada nessa medida. Isso tem que ser considerado também no âmbito de um ciclo de desaceleração da atividade esperada em função do próprio ciclo monetário, que pode por algum tempo ofuscar o resultado das medidas do governo para avançar em arrecadação. Há um certo grau de conservadorismo sobre o resultado dessas medidas.

Qual sua avaliação sobre a atividade, após o Santander elevar as projeções de PIB do Brasil, para 2,8% em 2023 e 1,2% em 2024?

A economia está desacelerando, mas de forma mais gradual. É uma desaceleração esperada, após o Banco Central elevar juros visando a um controle inflacionário, que está bem-sucedido. Em 2024, teremos a segunda melhor safra da história. Um nível extremamente elevado de produção de grãos, com uma ligeira quebra em função do El Niño.

O Brasil está bem posicionado para a demanda global?

Muito bem posicionado. Não só por causa de alimentos, mas por outros fatores, como os relacionados à transição energética e até à produção de petróleo. A área da cessão onerosa entra em operação em 2026 e a produção de petróleo deve alcançar 5,4 milhões de barris em 2028. A demanda global crescente nos aspectos associados a commodities vai ser um fator de favorecimento ao Brasil, se soubermos colher as oportunidades.

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Como tirar melhor proveito desse bom posicionamento?

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Precisamos reorganizar as contas públicas e dar condições de redução de risco sobre os nossos mercados para atrair poupança externa. O PIB do terceiro trimestre trouxe um recado muito importante. Estamos num ciclo contracionista que reduz o investimento. Mas a queda na taxa do investimento veio acompanhada de uma queda muito importante na taxa de poupança. O Brasil tem uma baixíssima poupança. Temos de empreender medidas capazes de aumentar a poupança no Brasil - e o ajuste fiscal é inexorável para isso - e de ganhar confiança para elevar o nível de investimento. Como fazer? Fomentando um bom ambiente de negócios.

No cenário fiscal, o Santander projeta déficit primário de 0,8% do PIB no ano que vem, enquanto o governo tem uma meta zero. A meta vai mudar?

A mudança da meta fiscal está implícita no cenário de mercado. No nosso também. Se a meta é zero, com banda de 0,25 ponto porcentual, e o nosso cenário ajustado pelo número maior do PIB está em 0,8% de déficit em 2024, está implícita a mudança de meta. A antecipação do assunto gerou ruídos e acreditamos que essa mudança de meta será inexorável a partir da primeira avaliação bimestral de receitas e despesas, em março. O governo pode voltar a tentar aprovar medidas para aumentar a arrecadação, mas a experiência deste ano nos diz tudo: as medidas estão sendo aprovadas com ganhos menores que o governo previa. As dificuldades começam a ser crescentes. Se agora a discussão mais quente é a da mudança de meta, no ano que vem será de como cumprir a banda de despesas já em 2025, dado que a nova regra de indexação à receita corrente líquida das despesas de saúde e educação e emendas parlamentares é uma restrição grande para o cumprimento do marco fiscal já em 2025.

E quanto à inflação e à Selic em 2024?

A desinflação tem uma dinâmica positiva e pode surpreender mais. Vamos começar a ver um leve aumento da taxa de desemprego, reflexo da política monetária, que pode ser um driver para a desinflação. Estamos com 9,5% de Selic para o ano que vem. Vemos manutenção do passo de 0,5 ponto porcentual na redução da taxa, que permite ao Banco Central ficar numa posição confortável, observando a evolução da conjuntura. Ainda estamos numa zona de incertezas: normalização pós-choques de inflação, efeito defasado da política monetária, comportamento do Federal Reserve. Já o impulso fiscal deve diminuir em consonância com toda a conjuntura do governo de tentar o esforço de arrecadar mais.

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