BC sabe que juros são chave para inflação baixa e será cauteloso, diz estrategista da BlackRock

Maior gestora de recursos do mundo tem a dívida brasileira entre suas preferências de investimento; para Axel Christensen, risco do País começa a cair por causa de uma situação estrutural mais forte

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:
Foto: Divulgação/BlackRock
Entrevista comAxel ChristensenEstrategista-chefe da BlackRock para a América Latina

Maior gestora de recursos do mundo, a BlackRock tem na dívida brasileira em moeda local uma de suas preferências para investimento, como destacou em seu relatório de meio de ano. A aposta no ativo brasileiro é consequência, sobretudo, da estabilidade do real e da elevada taxa de juros, segundo o estrategista-chefe da empresa para a América Latina, Axel Christensen.

Ainda que afirme acreditar que o Banco Central começará a cortar a Selic, a taxa básica de juros do Brasil, nesta semana, Christensen diz que a redução deverá ocorrer cautelosamente, o que manterá os títulos do País atraentes. “Mesmo em um cenário de juros reduzidos, achamos que bancos centrais como o do Brasil, do México ou do Chile serão muitíssimo cautelosos, porque entendem que a taxa de juros é chave para manter a inflação baixa.”

Christensen destaca que a dívida brasileira já estava entre as preferências da BlackRock desde o ano passado, mas, agora, a empresa está tornando essa opção mais explícita. Isso ocorre porque a gestora percebe que mudanças no mercado estão obrigando o investidor a ter um olhar mais específico. Não é o momento, por exemplo, de apostar em mercados emergentes latinos, mas analisar a situação de cada país.

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Christensen: 'Nossa atração na renda fixa brasileira é menos dependente de ações específicas do governo' Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Por trás dessa mudança, estão a inflação em um patamar mais elevado e a maior volatilidade macroeconômica e de mercado. Além de ser mais específico, o investidor precisa estar atento às grandes alterações estruturais que estão ocorrendo, como a adoção da inteligência artificial e a fragmentação do mundo.

Confira, abaixo, trechos da entrevista.

No relatório de meio de ano, vocês afirmam que as dívidas brasileira e mexicana em moeda local estão entre as preferências de investimento da BlackRock. Por quê?

Quando tínhamos ciclos de elevação de taxa de juros nos EUA no passado, isso resultava em crise nos mercados emergentes. Desta vez, temos visto que os mercados emergentes, incluindo o Brasil, estão mais bem preparados. Os bancos centrais dos emergentes entenderam a inflação melhor do que os dos mercados desenvolvidos. Eles começaram a elevar a taxa de juros em resposta ao aumento da inflação até um ano antes dos bancos centrais dos mercados desenvolvidos. Então, não é surpresa que não tenham enfrentado crise. Ao contrário. Suas moedas estão estáveis. Ao mesmo tempo em que os bancos centrais dos emergentes se anteciparam, também foram mais agressivos. Essas taxas de juros mais altas, no caso do Brasil, próxima de 14%, permitem que o investidor obtenha um ganho muito bom.

Mas as taxas de juros devem começar a cair.

Sabemos que as taxas de juros vão começar a cair. Isso é o que a maioria do mercado, incluindo nós, espera para a próxima reunião do Copom na quarta-feira. Mas, mesmo em um cenário de juros reduzidos, achamos que bancos centrais como o do Brasil, do México ou do Chile serão muitíssimo cautelosos, porque entendem que a taxa de juros é chave para manter a inflação baixa. Então, apesar de vermos a taxa de juros começando a cair, ela continuará sendo relativamente atraente, com o adicional de haver uma moeda estável. Além disso, há economias hoje que estão recebendo ventos favoráveis. Muitos emergentes, incluindo o Brasil, ainda estão se beneficiando de um crescimento da população. Eles também estão expostos aos benefícios da transição energética, porque têm materiais chaves para a mobilidade elétrica. E a cereja do bolo é o fato de que o risco brasileiro começa a cair por causa de uma situação estrutural mais forte.

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A preferência da Blackrock pela dívida brasileira então não está muito relacionada à agenda governamental?

Quando se investe em mercados emergentes, os aspectos políticos estão sempre na análise. Esses aspectos determinam variáveis como situação fiscal, nível de juros, inflação. Mas focamos mais nas consequências das decisões políticas.

A cereja do bolo é o fato de que o risco brasileiro começa a cair, por causa de uma situação estrutural mais forte

Mas as decisões do atual governo estão tornando a dívida brasileira mais atraente?

Diria que nossa atração na renda fixa brasileira, como disse anteriormente, tem a ver mais com a estabilidade da moeda, com o rendimento por causa da taxa de juros mais alta e com a perspectiva de como o Brasil pode se beneficiar de mudanças estruturais que estão acontecendo no mundo. Diria, portanto, que é menos dependente de ações específicas do governo.

Quando foi a última vez que a dívida brasileira apareceu entre as preferências da Blackrock?

De modo geral, sempre esteve. Estamos positivos em dívida de mercados emergentes desde o ano passado. Podemos não ter mencionado o Brasil especificamente, mas o País é um componente importante do espaço global da dívida de mercado emergente. O que acreditamos é que, daqui para frente, é preciso ser mais específico nos investimentos. Por isso, mencionamos México e Brasil. Também estamos mais cautelosos com outros países que estão enfrentando maiores dificuldades com o ambiente estrutural. Seja porque a inflação deles não foi controlada, seja porque serão mais desafiados pela transição energética. Então, estamos apenas deixando mais explícita nossa preferência na dívida brasileira.

A evolução da dívida/PIB brasileira não preocupa?

Olhamos para o risco e para quanto o preço do ativo incorpora esse risco. Se eu comparar México e Brasil, a nota de crédito do México é mais alta. O país tem grau de investimento. O Brasil, não. Mas o preço dos instrumentos é diferente. No caso do Brasil, pensamos que as oportunidades em termos de retorno mais do que refletem o risco.

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O mercado acionário brasileiro também pode ser uma boa opção de investimento?

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Não mencionamos o mercado acionário no relatório de meio de ano como fizemos com a renda fixa, mas também vemos oportunidades. Aqui, fazemos uma diferenciação por causa da taxa de juros. Enquanto nos mercados emergentes começaremos a ver corte nos juros muito em breve, até nos próximos dias, nos EUA, Jerome Powell (presidente do Fed, o banco central do país) disse que eles não esperam que haja corte até o ano que vem. Assim, companhias no Brasil que são mais sensíveis à queda de taxa de juros vão se beneficiar dessa tendência que está apenas começando. Isso é diferente quando se compara com mercados desenvolvidos.

Que empresas, por exemplo?

Uma das grandes forças que identificamos é o que chamamos de fragmentação geopolítica. Isso tem a ver com um novo desenho da produção industrial. O México é um exemplo de país que se beneficiará do ‘nearshoring’ (tendência de empresas levarem suas fábricas para perto das sedes ou dos mercados consumidores). Pensando no Brasil, há sua capacidade de aumentar a participação nos mercados de alimentos e de produtos agrícolas. Por causa do que pode acontecer com a oferta de grãos na Ucrânia, países estão buscando uma base mais diversificada de alimentos, certamente empresas brasileiras se destacarão. Há várias razões para as empresas brasileiras serem atraentes: taxa de juros, essas grandes tendências, o fato de o preço também estar interessante.

O País deu um primeiro passo na direção certa. Até então, a nota de crédito do Brasil estava só caindo

Há economistas que dizem que o Brasil é um dos emergentes que menos se beneficiará do ‘nearshoring’. O sr. concorda?

É difícil ser conclusivo. Tem empresas que podem se beneficiar. Por exemplo, se eu olhar o espaço tecnológico na América Latina, certamente o Brasil tem mais empresas relacionadas ao setor de TI do que outros. Acho que é difícil não identificar oportunidades específicas. E nós acreditamos que os investidores terão de ser mais específicos. Isso nos obriga a não olhar o Brasil como um mercado uniforme, mas reconhecer que há diferenças entre indústrias. Algumas podem se beneficiar mais dessas oportunidades do ‘nearshoring’, não necessariamente todas. Outras podem se beneficiar da transição energética. Para outras, pode ser mais desafiador. Há empresas no mercado acionário brasileiro que trabalham com óleo e gás. Para elas, por exemplo, a transição energética é um desafio. O que achamos que será importante é ser mais específico, mais focado em que tipo de empresa você quer estar mais exposto.

É mais difícil para o investidor?

É mais trabalhoso. Talvez para um investidor individual, seja mais complicado.

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A mudança recente da nota de crédito brasileiro pode trazer algum impacto real, como mais investimentos?

Tipicamente, os mercados antecipam mudanças da nota de crédito. É muito raro uma mudança ser surpresa. As agências de classificação de risco olham ângulos que são bem conhecidos. Assim, a maior parte dessa mudança pode já estar refletida nos preços. Essa mudança provavelmente não terá um grande impacto, porque o universo de investidores que podem investir nos títulos brasileiros não vai mudar por causa disso. Se o Brasil for capaz de recuperar o grau de investimento, aí o País se abrirá para uma base de investidores muito significativa, como fundos de pensão e empresas de seguro, que só podem investir em países com grau de investimento. Mas o País deu um primeiro passo na direção certa. Até então, a nota do Brasil estava só caindo.

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