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Governo Lula não tem competência para as questões ambientais, diz Candido Bracher

Na avaliação do ex-presidente do Itaú Unibanco, governo até tem demonstrado boa vontade para promover iniciativas verdes, mas falta capacidade de gestão

Foto do author Luciana Dyniewicz
Foto: Taba Benedicto/Estadão
Entrevista comCandido BracherMembro do conselho de administração do Itaú Unibanco

Ex-presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher tem se aprofundado nas discussões sobre meio ambiente desde que deixou o comando da instituição financeira, em 2021. Dono de fazendas no Pantanal e casado com a ambientalista Teresa Bracher, o executivo, além de estudar o assunto, tem se envolvido na promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia, financiando iniciativas e participando de projetos que incentivam a tecnologia e a inovação na região.

Bracher afirma que o aquecimento global é um dos problemas mais “opressivos” da atualidade e que líderes globais não têm trabalhado para contornar a crise climática. Para ele, a principal medida para lidar com o problema é implementar o mercado de crédito de carbono.

“As pessoas fingem que não veem. Os países desenvolvidos fingem que não veem. China, EUA, Rússia e empresas de petróleo continuam ocupando a atmosfera com seu gás carbônico sem pagar nada. Esses países se recusam a entrar na discussão. Como são fortes e poderosos, fica por isso mesmo. É revoltante”, diz ele, que investe, por meio de fundos, em empresas que se dedicam à restauração e preservação de florestas e que, portanto, comercializam créditos.

Em relação à atuação do governo Lula para promover a preservação ambiental e a bioeconomia, Bracher afirma que há boa vontade, mas falta capacidade. “Estou achando que o governo não tem competência. (...) Seria uma injustiça dizer que (o governo) está parado. Vejo pessoas se esforçando muitíssimo. O que não vejo é capacidade de gestão.”

A seguir, trechos da entrevista.

O sr. afirmou recentemente que não dá para as pessoas permanecerem passivas diante da urgência do aquecimento global. O que o sr. tem feito?

Fui executivo do setor financeiro por 40 anos e, aos 62 anos, quando atingi a idade limite para ser CEO do Itaú, resolvi que ia passar de executivo para reflexivo. Minha ideia é dedicar o meu tempo para refletir sobre os problemas que acho mais opressivos, e, para mim, o que emerge como mais sério globalmente é o aquecimento. Isso também está muito ligado ao fato de a minha mulher (a ambientalista Teresa Bracher) já estar envolvida na preservação do Pantanal. Mas agora posso fazer isso mais na prática. Então, o que eu fiz basicamente foi estudar a questão, refletir sobre ela e me indignar. Dessa indignação, procurar estruturar alguma forma de ação, mas sempre em um papel de conselheiro, de motivar iniciativas.

Em quais iniciativas tem se envolvido?

As minhas iniciativas são escrever sobre o assunto, estar envolvido na CT&I da Amazônia (agenda de promoção de Ciência, Tecnologia & Inovação na região), na Concertação pela Amazônia (rede que busca conservar e promover o desenvolvimento sustentável do território). Mas mão na massa mesmo é no Pantanal e, mesmo aí, é indireto, porque é a Teresa quem executa. Também apoio iniciativas financeiramente.

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A partir de seus estudos, qual avaliação faz da situação ambiental global?

O aquecimento global decorre de um crime continuado. São pessoas e países se apropriando de um bem que é de todos. Esse bem é a capacidade da atmosfera de absorver carbono. Essa capacidade é ocupada por alguns países ou pessoas. Você tem países com grandes emissões que ocuparam esse espaço a ponto de provocar o aquecimento que prejudica o mundo. Precisamos reduzir as emissões a zero até 2050 para evitar que a Terra se aqueça mais do que 1,5ºC. Estamos longe de conseguir isso. Uma receita é: se as pessoas estão usando algo que não é delas, põe um preço. É a forma de desestimular isso. Vamos ver quanto é esse preço, e quem emite paga. Quem absorve recebe. Grandes teóricos escreveram propostas muito boas nesse sentido. As pessoas fingem que não veem. Os países desenvolvidos fingem que não veem. China, EUA, Rússia e empresas de petróleo continuam ocupando a atmosfera com seu gás carbônico sem pagar nada. Tem uma discussão também se paga ou não pelo (emitido no) passado. Mas faz 20 anos que a gente sabe que isso existe e esses países se recusam a entrar na discussão. Como são fortes e poderosos, fica por isso mesmo. É revoltante. Você pode ver isso como os países mais ricos, mas pode ver como pessoas também. Nós, as pessoas mais ricas, emitimos mais do que os consumidores mais pobres. Cobrar pelo carbono resolveria esse problema. Quem tem de tomar essa decisão são os responsáveis pelos países. São o Legislativo e o Executivo de cada país que têm de impor esse custo no carbono.

Bracher: 'Tenho impressão de que, daqui a 50 anos, quando forem escrever sobre isso, vão dizer: ‘Mas o que fizeram aquelas pessoas que estavam vendo o que estava acontecendo e não estavam se movendo?’'  Foto: Taba Benedicto/Estadão

E da situação brasileira, qual sua avaliação?

Nós, brasileiros, temos uma situação onde, como país, não somos dos maiores emissores. Se resolvermos o problema de desmatamento, nos tornamos um emissor muito pequeno. Para resolver o problema de emissão aqui, uma ferramenta imprescindível é o crédito de carbono. É você receber por capturar carbono da atmosfera, seja porque você planta e o crescimento da floresta captura carbono, seja porque você preserva suas florestas e deixa de emitir carbono. Os créditos são uma ferramenta indispensável para a preservação das florestas. É evidente que a floresta em pé vale mais do que a derrubada, mas como é que você faz isso ser verdadeiro para a pessoa que mora na floresta ou ali do lado? Se não há remuneração pela floresta em pé, o que que ela está recebendo por isso? Para o Brasil, é fundamental que se regule o mercado de crédito de carbono. Para o Brasil poder discutir o estabelecimento de um preço global para o carbono, nosso tíquete de entrada nesse jogo é reduzir o desmatamento. Para reduzir o desmatamento no ano que vem, podemos contar com a polícia. Para reduzir o desmatamento por 50 anos, precisamos de meios econômicos, vamos precisar dos créditos. A gente vai precisar também desenvolver uma indústria ligada à bioeconomia.

Como vê as iniciativas políticas para promover a bioeconomia e a discussão em torno da regulação do mercado de carbono?

Não estamos fazendo isso. Vamos chegar à COP-29 (em novembro deste ano, no Azerbaijão) sem ter aprovado o nosso mercado. Será que teremos aprovado até a COP-30 (30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que será realizada em Belém)? Acho que tem muita boa vontade no governo, mas estou achando que o governo não tem competência. E, na sociedade civil, você tem uma parte dos setores com uma postura imediatista, pensando: “A polícia vai chegar, mas a festa está boa, então deixa eu aproveitar o máximo”. Tem vários setores, como o de óleo e gás, procurando se aproveitar disso. Estou muito impactado com isso agora. No Pantanal, vejo a região todo ano mais seca, com menos aves, com carcaças de jacaré. Não é jacaré que foi pego pelo fogo, é jacaré que vivia em uma baía onde a água acabou. Tenho impressão que, daqui a 50 anos, quando forem escrever sobre isso, vão dizer: “Mas o que fizeram aquelas pessoas que estavam vendo o que estava acontecendo e não estavam se movendo?”

Qual a função dos empresários nesse cenário?

A posição dos empresários deve ser a de auxiliar o governo. Agora, os empresários precisam perceber que estão jogando contra o seu patrimônio e que têm uma alternativa muito melhor, que estão em um País que tem recursos de bioeconomia. Mas a impressão que dá é a de que, enquanto você não tiver um alinhamento, fica muito fácil o “free rider”, aquele cara que, no trabalho de grupos da universidade, não faz nada porque os colegas vão fazer. Só que, se todo mundo não faz nada, a situação vai se deteriorando, como a gente está vendo acontecer.

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Com uma matriz energética limpa, o Brasil tem potencial de assumir uma posição de liderança em um mundo que busca reduzir as emissões de gases poluentes. A COP-30 é uma chance de o Brasil mostrar para mundo esse potencial. O País está se preparando para aproveitar a oportunidade?

Temo que não. Primeiro, o Long-Term Strategy (LTS, na sigla em inglês, a estratégia de longo prazo, como é chamado o plano de descarbonização dos países): onde é que está o nosso documento (que mostra como as metas até 2050 serão atingidas)? Nós, que somos o grande potencial produtor de crédito de carbono do mundo, como é que a gente não regulamenta o mercado? Começa por regulamentar o mercado interno. Aí você cria uma marca, uma imagem de que o produto brasileiro é sério, certificado, regulamentado. Estamos deixando lugares que são supervisíveis, como o Pantanal, serem destruídos. Isso é visto pelo mundo. Vamos ter uma vitrine muito grande em 2025, na COP-30, vitrine que pode ser para o bem ou para o mal. Qual discurso a gente vai fazer na COP? Dizer: “Eu entreguei isso aqui”.

'Para reduzir o desmatamento no ano que vem, a gente pode contar com a polícia. Para reduzir o desmatamento por 50 anos, a gente precisa de meios econômicos, a gente vai precisar dos créditos de carbono', diz o ex-presidente do Itaú  Foto: Taba Benedicto/Estadão

O governo está parado?

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Seria uma injustiça dizer que está parado. Vejo pessoas se esforçando muitíssimo. O que não vejo é capacidade de gestão. A capacidade de gestão tem de vir de cima. Nós poderíamos, por exemplo, ter uma pessoa que centralizasse todas as questões ambientais no Brasil, que essa pessoa tivesse uma autoridade sobre agricultura, meio ambiente... Não tem. O governo não tem essa pessoa. Então tem 11 ministérios envolvidos com essa tarefa. Fica um diálogo em que as pessoas não se entendem, com uns buscando protagonismo, buscando aparecer. Um tem um interesse, outro tem outro. Nessa hora, cabe ao chefe dizer qual é a meta e quem faz o quê. Isso não está acontecendo.

Acha que tem risco de o Brasil vai passar vergonha na COP?

Estamos correndo esse risco. Espero estar errado. Espero que a gente reaja, que a gente faça alguma coisa, porque está opressiva a situação.