A empresa de bioenergia Atvos finalizou há pouco mais de um ano, em setembro de 2023, o seu processo de recuperação judicial, o que tem permitido à empresa investir e se posicionar como uma das principais representantes do setor no Brasil. Controlada pelo fundo soberano Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, ela assumiu um papel importante na produção de etanol e na busca pela descarbonização da economia.
À frente deste projeto está o engenheiro e executivo Bruno Serapião, CEO da empresa, que antes de mudar de dono se chamava Odebrecht Agroindustrial. Egresso do mercado financeiro e do setor industrial, ele assumiu o comando da Atvos em 2023, depois de passagens pelo Pátria Investimentos, GE, Hidrovias do Brasil e ALL.
A um ano da realização da 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), em Belém, ele cita propostas que o Brasil pode fazer para o mundo. Entre elas, está levar a experiência e a tecnologia desenvolvida para o etanol para outras partes do planeta. Também advoga pelo uso do Combustível Sustentável de Aviação (SAF, da sigla em inglês). Em relação a este último tema, Serapião defende que o Brasil deve buscar desenvolver uma indústria de produção de SAF local, para evitar o que aconteceu com a soja, plantada aqui e que depois é exportada antes de passar para o processo industrial.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por ele ao Estadão.
Temos cerca de um ano até a COP-30, em Belém. O que ainda falta ser resolvido aqui no Brasil para o País organizar um bom evento e dar um bom exemplo em sustentabilidade?
Temos uma grande oportunidade. As últimas duas COPs aconteceram em países que são muito fortes em petróleo. Eu acho que vai ser a primeira COP num país que tem uma matriz limpa, que fez o dever de casa na matriz energética, que está fazendo o dever de casa na matriz de transporte, e que está mostrando que não tem isso de sustentabilidade ou economia, uma coisa ou outra. Sustentabilidade e economia podem andar juntas. Podemos pegar essas práticas que a gente tem no Brasil e, em vez de ficar discutindo quem vai pagar conta da descarbonização na África, mostrar que a gente tem uma solução. Por que a gente não empacota essa estrutura de etanol que a gente tem aqui e leva para os outros países uma maneira de fazer a agricultura sustentável mecanizada, com formação das pessoas e segurança energética. A gente começa ajudando esses países exportando etanol para lá e, depois, a gente transfere essa tecnologia. Temos soluções que o Brasil desenvolveu que são passíveis de ajudar na “financiabilidade” desse projeto.
A questão financeira ainda é o maior entrave para a descarbonização global?
A COP-29 foi muito tímida no ponto de vista da viabilidade financeira. Acho que os países desenvolvidos não assumiram a sua responsabilidade pelas emissões do passado. A gente não pode esquecer esse passado. Mas, agora, daqui para frente a gente também não pode pedir para todo mundo parar de emitir carbono. Tem gente em lugares do mundo que ainda passam fome. Tem gente que não tem nem gás de cozinha ainda. Precisa queimar madeira dentro de casa para poder esquentar comida. Então, nós temos uma responsabilidade de ajudar virar essa página, de trazer a “financiabilidade” para países que não conseguem fazer isso sozinho. Mas também levar tecnologias desenvolvidas aqui e em outros lugares do mundo, e derrubar barreiras. Nós temos a grande oportunidade hoje de sermos antagônicos às barreiras que estão sendo criadas. A gente poderia abrir mais o mercado, mostrar que estamos abertos e que queremos ajudar outras pessoas fora do Brasil.
O que seria um resultado ideal da COP-30?
Um resultado ótimo seria um acordo entre os países do Sul Global para a adoção de uma mistura de etanol, por exemplo, para os próximos 30 anos. E países que são produtores como nós, e como os Estados Unidos, a gente vai ajudar eles para que não tenham problemas energéticos, e que a gente ajude eles a terem essa tecnologia lá. Até por que não existe uma escolha entre comida ou combustível. Com a produção de etanol e milho, fazemos comida e combustível. Essa história de que, ao gerar biocombustível, você está tirando comida do prato das pessoas, não é verdade. Você melhora a economia, ao fazer um melhor uso da terra, e inclui mais as pessoas. Na Atvos, a gente tem 11 mil pessoas trabalhando em 23 cidades diferentes, no interior do Brasil, e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dessas cidades é muito melhor do que das grandes cidades.
Uma aposta importante para o futuro é o combustível sustentável de aviação (SAF). Quando ele se tornará uma realidade de mercado?
A tecnologia já existe, e consegue ter escala industrial, da transformação de álcool para combustível de jatos. Mas tem a questão financeira. Um projeto que a gente quer produzir perto de 1 milhão de metros cúbicos, e isso vai exigir entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões (R$ 9,1 bilhões e R$ 12,1 bilhões). E o SAF vai custar entre 2,5 vezes e 3 vezes o preço do combustível tradicional de aviação. Diferentemente do etanol, que é mais barato que a gasolina, e que traz um sentido econômico para a descarbonização juntos, com o SAF você não consegue fazer isso. Então, vai precisar de alguma regra, como a dos Estados Unidos, em que se concede um estímulo financeiro, de isenção de impostos e crédito de impostos para quem fizer SAF e para as plantas de produção. Esse é um jeito de fazer. Ou podemos seguir o jeito europeu, que obriga as empresas aéreas a adotar SAF, e quem não tiver não vai operar no futuro. O Brasil está indo por um caminho de obrigação da mistura. Mas também deve acontecer com muito cuidado, por que se houver produção de SAF vai ter a mistura. Se não tiver, eu não posso parar a economia como um todo. É preciso de um pouco de razoabilidade nessas legislações. A gente precisa achar a equação de financiamento do SAF.
Como seria a sua proposta?
A nossa hipótese dentro da Atvos é o desacoplamento da molécula de SAF, que é igualzinha à molécula de aviação, do carbono evitado. Para conseguirmos negociar a molécula e o carbono evitado de maneira separada. Esse é o caminho de viabilizar a SAF. Aqui no Brasil, se a gente conseguir colocar isso de uma maneira estruturada, com segurança jurídica, porque é um projeto de 15 a 20 anos, com impostos idênticos ao exterior, vai funcionar. Ou seja, tem de se estimular instalar a produção aqui, por que senão elas estarão em qualquer outro lugar do mundo. O segundo ponto é que, se conseguir ter uma estrutura de negociação desse carbono que, em 15 anos, eu tenho a garantia como dono do projeto que eu vou receber esse fluxo de recursos e que não vai ter nenhuma mudança drástica, a gente fica numa posição muito importante de estimular o mercado. Com esse estímulo, tenho absoluta certeza que o Brasil vai ser um dos países onde a produção vai ser instalada.
Então, essa discussão já deveria acontecer?
Se a gente deixar isso andar, sem definições, o meu medo é que ocorra o que aconteceu com a soja, em que a gente não trouxe as indústrias de soja para processar no Brasil. A Argentina tem uma superindústria de processamento. A gente ficou preocupado com que imposto vai se pagar, quem fica com o imposto e, no final das contas, ninguém ficou com imposto nenhum, por que, no final das contas, a soja é exportada sem imposto. E temos as estruturas fabris na China. A gente precisa aprender com esse nosso passado e acho que o SAF é uma oportunidade de a gente mostrar que aprendeu.
Essa isenção deve ser aplicada tanto no consumo quanto na produção?
Eu acho que o governo tem achado caminhos. Hoje, já tem uma legislação que diz que o etanol precisa ter menos impostos que a gasolina. O biometano já tem imposto diferenciado. O SAF, como produto, deve ter um regime de imposto diferenciado. Essa parte a gente já equacionou. O que a gente precisa equacionar é na parte da construção da indústria. Se eu tenho de importar equipamento, como o Brasil é um país de Imposto de Renda alto, se eu faço muito investimento num projeto de infraestrutura, eu fico cinco anos sem lucro. Para pagar esse investimento, eu tenho de fazer lucro lá na frente. E como lucrar se ele é taxado a 34%? Alguns países acharam a solução. O Paraguai, por exemplo, tem a lei de maquila, que, enquanto você não depreciou o investimento como um todo, não paga imposto de renda. Isso estimula a instalação da indústria. Depois que ela está instalada, depois de 15 anos, a fábrica não vai embora. Então, haverá uma base de imposto, só que em vez de ganhar hoje, será daqui a 15 anos. Não há perda, por que não existe esse imposto agora. Isso é uma das coisas que a gente pode, como sociedade, estimular. Ninguém perde e todo mundo ganha. Tem mais emprego, mais tecnologia. Você agrega mais valor ao produto. Na nossa visão, o etanol é um novo petróleo.
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De que forma?
Ele vai ser a base para várias coisas. Vai ser a base para plásticos de bioetileno. Vai ser a base para SAF. Já é a base para a substituição da gasolina. Também vai ser a base para a substituição de diesel em máquinas pesadas.
Como a Atvos está agora, depois de sair da recuperação judicial?
Depois de um ano, a Atvos saiu da recuperação judicial. Saímos com uma empresa que vai faturar perto de R$ 8 bilhões anuais, com Ebitda perto de R$ 3,5 bilhões. Temos 11 mil funcionários em 23 cidades diferentes, e investindo mais de R$ 1,6 bilhão por ano, nos últimos dois anos. Conseguimos recuperar o canavial e hoje a nossa produtividade média já é de 80 toneladas de cana-de-açúcar por hectare. Vamos buscar atingir 100 toneladas com sustentabilidade. Temos um plano para buscar carbono zero no nosso etanol.
Que novos investimentos devem acontecer?
Tem muita perspectiva de coisas pela frente. Existe um projeto de biometano grande acontecendo. Temos um projeto de etanol de milho que a gente vai botar para funcionar, e estamos tentando advogar pelo SAF como um futuro para a nossa nossa indústria. A Atvos tem sido protagonista nessa saga dos biocombustíveis e, usando a potência do Brasil, como base para isso.
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