‘Podemos ter no Orçamento um calendário de pagamento de emendas parlamentares’, diz relator da LDO

Para Danilo Forte (União-CE), a liberação dos recursos a deputados e senadores hoje fica condicionada ao ‘humor’ e à ‘vontade’ de quem está no governo

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Entrevista comDanilo Forte (União Brasil-CE)relator da LDO de 2024

BRASÍLIA - O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), afirmou que pode ser discutida na proposta, que lança as bases para elaboração do Orçamento federal, a fixação de um calendário para o pagamento de emendas parlamentares.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o deputado também avaliou que será difícil zerar o rombo das contas públicas no ano que vem apenas com o pacote de medidas arrecadatórias que está sendo elaborado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O cumprimento da nova meta fiscal, segundo ele, também dependerá do crescimento econômico, já que o Congresso é resistente a aumento de impostos.

Danilo Forte, deputado federal pelo União Brasil do Ceará e relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024. Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Emendas parlamentares são recursos no Orçamento do governo federal que podem ser direcionados aos redutos eleitorais de deputados e senadores para, por exemplo, realizar obras e implementar políticas públicas.

Para Forte, a liberação dos recursos de emendas hoje fica condicionada ao “humor” e à “vontade” de quem está no governo. O período de liberação das emendas individuais (de autoria de cada deputado ou senador), por exemplo, mesmo que impositivas (obrigatórias), fica a cargo do Executivo. Segundo Forte, a criação de um calendário para essas verbas evitaria a “manipulação política do Orçamento”.

Atualmente, o presidente da República edita decretos que fixam limites mensais de empenho e pagamento dos recursos públicos. Na prática, se a LDO definir um calendário “mais apertado” de liberação de emendas, esse montante teria de estar dentro do limite mensal, ocupando o espaço, por exemplo, de outras despesas prioritárias ao governo.

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O relator disse ainda que a tendência, no Brasil, é de que o Orçamento se torne cada vez mais impositivo, ou seja, com execução obrigatória dos recursos. “As grandes democracias do mundo têm Orçamento impositivo. O Brasil não pode ser tão diferente”, declarou Forte. O parlamentar também relatou a LDO de 2014, que tramitou há exatos dez anos. Na ocasião, tornou obrigatórias as emendas individuais. Foi o primeiro passo para o aumento da autonomia do Congresso sobre a execução orçamentária.

Nos bastidores, o Palácio do Planalto já teme que o deputado aumente ainda mais o poder do Legislativo sobre o Orçamento. O governo Lula avalia que o pagamento dos recursos do antigo orçamento secreto se torne obrigatório. O esquema, revelado pelo Estadão, foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas parte dessa verba está hoje alocada nos ministérios. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Congresso tem tido um protagonismo crescente sobre a destinação dos recursos do Orçamento. A tendência é que esse poder aumente? De que forma?

Muito se criminaliza o “toma lá da cá”, mas a governabilidade de coalizão teve seu ápice, em termos de “toma lá da cá”, exatamente no pós-mensalão. Quando eu tive a oportunidade de ser relator da LDO pela primeira vez, o que mais se reclamava era da falta de equidade entre os parlamentares. Só recebiam emendas os que eram da base, com o compromisso do voto, de forma condicional. Naquele momento, conseguimos construir um novo consenso na Casa, de que não poderia haver essa discriminação.

Foi o início do Orçamento impositivo (obrigatório)…

Essa foi a primeira versão do Orçamento impositivo. De lá para cá, o que se percebeu é que a autonomia política do Congresso aumentou. E teve evolução no que diz respeito às emendas. Vieram, por exemplo, as emendas de bancada (coletivas, de autoria de bancadas estaduais ou regionais) impositivas.

O sr. então defende que o Congresso tenha cada vez mais poder sobre o Orçamento?

Não é poder só do Orçamento. É a construção e a fiscalização. É para isso que o Poder Legislativo foi constituído. O Executivo executa e, quando tem desvio de conduta ou usurpação do papel de um dos poderes, o Judiciário julga. É assim que foi pensado na República. Então, quanto mais autonomia, independência e capacidade de harmonia os poderes tiverem, com foco no País, mais a gente avança. Está aí a aprovação da reforma tributária.

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Como o sr. avalia as críticas ao maior protagonismo do Congresso no Orçamento? Ocupando um espaço que, tradicionalmente, é exercido pelo Executivo.

Condenar a construção do Orçamento pelo Parlamento, mas como? Ele foi constituído para isso. Os ingleses criaram o Parlamento exatamente para fazer o Orçamento do rei e da rainha. O principal papel do Congresso é elaborar a lei orçamentária e fiscalizar a aplicação do Orçamento. Então, eu acho que é o retorno ao princípio.

Há críticas recorrentes à forma como os recursos das emendas parlamentares são alocados, principalmente na área da saúde, que exige critérios técnicos, e não políticos. E que isso, inclusive, ampliaria as desigualdades regionais, com cidades recebendo muito e outras, pouco. Como o sr. avalia?

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Aí o problema não está no Parlamento; está no Executivo, que tem que ter uma amostragem, porque cada cidade tem limites de custeio e investimento numa proporcionalidade em relação às suas populações. O que está faltando é um olhar mais impositivo, do ponto de vista do Executivo, para poder identificar essas aberrações e denunciar. Porque o erro não está na emenda, não está no Parlamento. O erro está, muitas vezes, no direcionamento dessas emendas. Por isso que a Lei de Diretrizes Orçamentárias é tão importante.

Os recursos do antigo orçamento secreto, que estão hoje a cargo dos ministérios, poderiam virar obrigatórios?

Isso não vai ser eu, vai ser a Câmara que vai decidir. É o movimento, o debate, as emendas dos parlamentares, é isso que vai ser construído. Eu não vou entrar na armadilha do Orçamento fictício, deixar o Orçamento para poder jogar emenda dentro. Agora, dentro dos parâmetros legais, que os parlamentares construíram com relação à execução orçamentária, o meu papel é cumprir.

Mas o sr. é favorável a essa mudança?

A mudança já está existindo. Agora, o que a gente precisa dar é transparência a essas mudanças. Essa é uma tendência (ser cada vez mais impositivo), tanto do ponto de vista de emendas quanto do ponto de vista programático.

O sr. pretende colocar na LDO algum calendário para a execução de emendas?

É uma discussão que pode ser feita, não acho ruim. Por que não tem um cronograma de execução do Orçamento? Poderia ter, sem nenhum problema. É evitar a postergação e a manipulação política do Orçamento. Quando você posterga a execução orçamentária, quando troca isso por voto, está maculando o papel do Legislativo. Se tiver a concordância do todo [para o calendário], não tem dificuldade nenhuma.

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Seria um calendário para quais emendas?

Para a execução orçamentária. Não pode distinguir o que é emenda individual, emenda de bancada. A gente já tem uma prioridade muito forte na Saúde, só que muitas vezes tem uma demanda, por exemplo, na questão climática. É melhor não ficar tudo isso centralizado no Palácio [do Planalto], que tem outras obrigações. Hoje fica uma coisa solta, aleatória, dependendo do humor e da vontade de quem está governando.

Esse calendário para execução do Orçamento é uma demanda do Congresso para não depender da vontade do Executivo?

A vontade de celeridade é unânime no processo da execução orçamentária.

Faz sentido iniciar a análise da LDO sem que o novo arcabouço fiscal esteja aprovado?

Nós fizemos recesso branco esperando o arcabouço. Só que, agora, eu já estou preocupado, porque nós só temos agora esse semestre. Temos que terminar o ano com a LDO e a LOA (Lei Orçamentária Anual) aprovadas. O atraso não foi nosso na LDO, foi no arcabouço, que precisa ser concluído. No relatório final da LDO, precisa ter os parâmetros do que o arcabouço vai definir, no preliminar não, é só o apito inicial do jogo.

Quem acompanha contas públicas tem colocado algumas cifras de que seria necessário levantar no segundo semestre R$ 100 bilhões em medidas arrecadatórias para zerar o déficit no ano que vem. É possível?

O que vai ser determinante para zerar o déficit não é medida para aumentar imposto, porque todo mundo é refratário a aumentar imposto. Por isso, o governo está fazendo por Medida Provisória; sabe que, se mandar projeto de lei para o Congresso, vai ser muito difícil votar. Se a gente conseguir garantir crescimento econômico, a gente tem condição de avançar na diminuição ou até zerar o déficit.

Pelo lado do gasto, há a pressão dos pisos constitucionais de educação e saúde. O Tesouro tinha sinalizado intenção de fazer PEC e modificar pisos. Isso está sendo conversado?

O governo que precisa ditar o que quer fazer. E o PT não gosta de cortar gastos; PT gosta de gastar.

Muitos parlamentares defendem que o caminho é o Orçamento se tornar cada vez mais impositivo. Parece ser uma vontade do Congresso.

As grandes democracias do mundo têm orçamento impositivo. Quando tem um problema inflacionário, como nos EUA agora, quando tem uma pandemia, eles vão ao Parlamento e pedem autorização para suplementar. Dentro desse contexto, o Brasil não pode ser tão diferente dos outros. A gente precisa sair da ficção e vir para o mundo real. Fica mais fácil e mais transparente.

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Lira defende que o semipresidencialismo seja adotado no País a partir de 2030 ou 2034. O senhor acha que esse é o caminho?

O sistema de governo de coalizão fracassou e o presidencialismo, na figura antológica daquele presidente que tudo pode, também não cabe mais numa democracia com a dinâmica que o mundo vive hoje. No Parlamento é mais fácil construir consenso do que na polarização do poder monolítico de um presidente. Se quebra isso, tem mais facilidade. Agora, essas balizas precisam ser construídas. Eu sou parlamentarista.

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