BRASÍLIA – O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, número 2 da pasta comandada por Fernando Haddad, afirma que a proposta de limitar o crescimento de todas as despesas públicas pelo teto do novo arcabouço fiscal está “em debate” e “amadurecendo dentro do governo”.
Se a ideia prosperar e ganhar o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, despesas como Previdência e pisos com saúde e educação teriam de se sujeitar ao limite geral da regra fiscal, que trava o crescimento das despesas em 2,5% ao ano acima da inflação.
Hoje, esses gastos crescem num ritmo bem superior a esse teto, “espremendo” o espaço para outras despesas, como investimentos – o que vem sendo apontado por especialistas em contas públicas como a principal inconsistência da nova regra.
“Temos feito esse debate, ele está se amadurecendo no governo e na hora correta vamos anunciar. Vamos fazer esse ajuste necessário”, afirmou em entrevista ao Estadão. Em junho, o jornal revelou que a proposta seria levada a Lula.
Durigan diz que a revisão de despesas obrigatórias é uma necessidade para que o governo não fique “o tempo todo nas cordas”, tendo de adotar medidas de congelamento de gastos no Orçamento ao longo do ano. “O grande desafio é rever obrigatória – e, necessariamente, a revisão de despesa obrigatória precisa ser feita com o Congresso”, diz.
Questionado sobre o risco de o arcabouço implodir nos próximos anos, ele afirmou que a manutenção da regra fiscal está pactuada dentro do governo e que Lula está sendo convencido dos cortes, porque a estratégia da equipe econômica não é focalizar o ajuste sobre os mais pobres. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O governo chega quase à metade do mandato sem conseguir encaminhar uma agenda estrutural de corte de gastos. Como está essa discussão? O que pode ser apresentado e qual o apoio político?
Estruturalmente, a gente vem avançando. Acho que a gente não tem feito pouco. O arcabouço fiscal é uma primeira importante trava em relação às despesas. Tanto que estamos vendo as consequências agora: o bloqueio e contingenciamento (de despesas no Orçamento) já é uma consequência do arcabouço, que nos ajuda a conter o gasto público. Do lado da receita e do gasto tributário, a gente tem feito muita coisa – este ano, em menor intensidade, mas também. Limitamos a compensação judicial, conseguimos impor travas importantes no Perse (programa de incentivos ao setor de turismo) e na desoneração da folha, e a gente começa uma agenda de revisão de gastos com o que é mais simples e o que é maduro – que foram os R$ 25,9 bilhões (em corte de despesas obrigatórias) para o ano que vem. E estamos avançando mais nessas medidas, que foram totalmente pacificadas dentro do governo.
Qual o próximo passo?
É um próximo passo contínuo: seguir a agenda de revisão, seja para atender ao arcabouço, e não ficar todo tempo nas cordas, tendo que fazer bloqueios, que vão ser necessários, para fazê-los em menor medida e acomodar a (despesa) obrigatória, porque hoje a gente tem espaço muito pequeno para rever despesa discricionária (não obrigatória, como investimentos e custeio). O grande desafio é rever obrigatória – e necessariamente, a revisão de despesa obrigatória precisa ser feita com o Congresso.
Leia mais
Economistas apontam que o arcabouço tem um problema interno: gastos como Previdência, saúde e educação crescendo acima do teto de 2,5% acima da inflação. Existe a possibilidade de colocar todas as despesas dentro desse limite?
Temos feito esse debate, ele está amadurecendo no governo e na hora correta vamos anunciar. Vamos fazer esse ajuste necessário, como a gente tem feito. Não pensem que o PIB está crescendo acima das expectativas no vazio. Tem um motivo para isso estar acontecendo, a consolidação fiscal está sendo feita – muitas vezes não da forma como muita gente gostaria, que é fazendo revisão em cima dos mais pobres. Estamos fazendo geral – em especial, em cima de quem pode pagar. A gente entende que é preciso fazer mais na linha da revisão de gastos, mas vamos fazer isso à medida que isso estiver maduro, pactuado dentro do governo – e tem de ser feito com o Congresso.
O que o sr. pode adiantar de direções?
O que está pactuado no governo é que a gente vai manter o arcabouço. Se, de fato, há pressão de (despesa) obrigatória, vamos ter de fazer com que as obrigatórias pressionem menos o limite de despesas do arcabouço.
A revisão de gastos ajuda, mas é uma espécie de corte de cabelo…
A revisão de gastos – seja pontual, de média força ou mais estrutural – a gente tem de fazer a todo tempo. Não é um tabu a revisão de gastos. A gente tem trazido normalidade do Orçamento, que é sempre um momento de discutir conflitos de interesse. Vai discutir quem tem benefícios, quem é destinatário de gastos do Estado. A revisão de gastos precisa ser feita de forma contínua, nas três medidas: mais pontual, médio e longo prazos.
A ideia do teto de 2,5% está em discussão?
Sim, está em debate.
Qual a fila das análises na sequência?
Estamos revisando as grandes despesas obrigatórias. O Atestmed tem dado bons resultados na Previdência, com a redução da fila que o Bolsonaro deixou.
Mas tem muita gente falando o contrário: que o Atestmed está acelerando as concessões e permitindo fraudes…
Foi a própria Previdência que identificou problemas e pediu a intervenção da Polícia Federal. Então, fraude pode existir, ninguém nega; mas o combate à fraude neste governo é prioritário. A própria Previdência indica para o governo federal onde tem problema. O que acontece é que estamos pagando benefícios talvez em número maior, mas por um lapso de tempo menor, porque a fila está sendo bem tratada. Você paga o benefício por um período menor. Não é um ano atrasado. Esse tipo de racionalidade que é preciso ter – e cumprindo o arcabouço com as revisões.
As medidas arrecadatórias têm muitas receitas pontuais, que vão acontecer em 2024, mas podem não se repetir…
Isso não é verdade. As receitas não estão se recuperando apenas com receitas pontuais. A gente quer chegar (com as receitas) um pouco abaixo de 19% (do PIB; hoje, está em 18,2%), dentro da média do que sempre se arrecadou no Brasil – e trazendo a despesa também para abaixo de 19%. Não estou negando que há dificuldade, mas esse é o objetivo. Vamos perseguir esse objetivo.
Objetivo para quando?
Para agora.
Mas, sem as medidas estruturais, a despesa não vai parar nesse patamar…
O arcabouço fiscal é que nos dá o estímulo para fazer essa revisão de gastos. E essa gestão orçamentária e financeira, de modo que a gente limite o crescimento da despesa.
Qual a sequência que a Fazenda planeja para fazer a revisão de gastos?
As medidas anunciadas nos R$ 25,9 bilhões (de corte de despesas em 2025) já dão um primeiro caminho. O que a gente olhou? Quais os principais gastos? BPC, Previdência, Bolsa Família, seguro-defeso, Proagro – esses são os principais gastos do País. E o que a gente conseguiu tratar com os próprios ministérios, pactuar, validar com o presidente, isso já foi anunciado. Os próximos passos vêm da reanálise mais aprofundada sobre os principais gastos obrigatórios. Não tem muito segredo em relação a olhar para os gastos obrigatórios, aqueles que crescem mais, e propor revisões.
Pisos de saúde e educação estão no horizonte?
O que está claro é o compromisso de manter o arcabouço. A trajetória que a gente vem adotando, inclusive com os constrangimentos que o arcabouço traz, está sendo positiva para o País. A economia vai muito bem, nos vários setores. Estamos vendo crescimento menos dependente de setores que são muito fortes e muito importantes para o País, como a agricultura.
O presidente Lula já deu declarações de que precisa ser convencido sobre mudanças estruturais nas despesas. Vocês já convenceram o presidente?
A gente tem convencido o presidente. Veja, a revisão de gastos que é devida é feita para você privilegiar as políticas públicas que são bem feitas. A política pública não é algo que deve ser tabu. Pela própria definição, a gente tem que tratar a política pública sempre em revisão. Ela pode ter sido boa no passado e não estar gerando os mesmos resultados agora.
Mas neste governo não é mais difícil, pela visão de que o gasto é motor do crescimento?
Acho que o governo do presidente Lula olha para algumas políticas sociais como prioritárias, ele tem razão. A gente precisa proteger políticas sociais, ninguém discorda disso. Mas o que nós estamos dizendo é o seguinte: estamos fazendo com que haja um crescimento da despesa no limite do arcabouço, e esse crescimento permite a manutenção dos programas sociais. Não estamos acabando com o programa social, diminuindo direitos, não é nada disso.
Por que o sr. entende que o mercado tem uma visão tão distinta do governo?
O mercado tinha uma projeção do PIB que não se confirmou. Quando a gente apresentou o Orçamento do ano passado, foi a mesma coisa: diziam que não ia parar de pé. E estamos executando o Orçamento, entregando a meta do ano (de déficit zero). Para 2025, é a mesma coisa, nós temos os mesmos compromissos. A gente está dizendo desde o começo que acredita no equilíbrio fiscal; é com equilíbrio fiscal que a gente vai garantir juros mais baixos no País, inflação sob controle, crédito no mercado acessível e barato. Nós acreditamos nisso, e vamos seguir fazendo o trabalho necessário para isso – evidentemente, com os ajustes necessários. Se for preciso fazer mais revisão de gastos, vamos fazer. Se for preciso atacar os “jabutis” e as distorções tributárias, vamos seguir fazendo isso, dosando e dialogando com o Congresso.
Está chegando a data limite para o acordo da desoneração da folha, 11 de setembro. A aprovação das medidas compensatórias no Senado já resolve o acordo com o STF?
O que está pendente é a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto de lei aprovado no Senado. Ele precisa ser aprovado na Câmara a tempo, até 11 de setembro, para que seja feita a sanção pelo Executivo e a apresentação do acordo no STF (o ministro Cristiano Zanin deu data limite até 11 de setembro para governo e Congresso apresentarem fonte de receita para financiar a política de desoneração da folha).
E existe acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para conseguir aprovar?
O que é importante é: essas medidas que foram aprovadas pelo Senado são as medidas suficientes para a gente pagar a conta do impacto fiscal deste ano de 2024.
Dá tempo de arrecadar?
É um desafio para a Fazenda. A Fazenda, uma vez que tiver a aprovação no Congresso, tem de abrir os programas, lançar os editais, fazer as campanhas, as chamadas para que as empresas venham, regularizem os seus ativos imobiliários e as pessoas físicas com ativos no exterior tragam para o País. Tem proposta de fazer transações com as agências reguladoras, que nem é um tema muito próprio da Fazenda, estamos vendo com a AGU. Mas vamos ter de fazer os editais, falar com as empresas, propor os descontos. Isso dá muito trabalho.
Não é muito otimismo fazer isso tudo em três meses?
Considerando todas as medidas do projeto do Jaques Wagner (líder do governo do Senado e relator), vamos ter um espaço curto para fazer isso. Pode sobrar alguma coisa para 2025 – e, por isso, a nossa dificuldade de fechar a peça orçamentária. A gente fez as opções e, dentre as opções que estamos dando, a gente está abrindo o leque de oportunidade de discutir com o Congresso medidas que nos ajudam a compensar não mais em 2024, mas mais para frente, nos próximos anos.
E se não conseguir compensar este ano?
A gente tem tratado com algumas frentes. Nosso compromisso é manter a meta este ano e cumprir com o equilíbrio fiscal. A gente tem eventualmente medidas do BNDES, os dividendos que a gente já vem tratando, tem medidas (compensatórias) da desoneração da folha e a gente não exclui a possibilidade de adotar uma medida no fim do ano – seja do lado da contenção da despesa, com a programação orçamentária e financeira, como já está dado.
Com qual calendário o sr. trabalha em projetos prioritários para a Fazenda no Congresso nos próximos meses?
Se aprovarmos o relatório do senador Jaques Wagner na Câmara, isso vai permitir fazer o acordo no Supremo. Com isso, a gente tem a compensação da desoneração da folha de 2024 e, talvez, algum começo de compensação em 2025. O acordo prevê início de phase out (redução gradual) da desoneração em 2025. Então, o impacto anual que foi originalmente previsto pela Receita em R$ 26 bilhões já terá uma redução. Mas, para além disso, a gente vai precisar de outras medidas. A gente já apresentou (o aumento da tributação do) JCP e CSLL, mas vamos apresentar mais duas medidas: a taxação das big techs e a tributação mínima de 15% das multinacionais.
O sr. já conversou com Lira desde que ele avisou que ‘dificilmente vai passar’ o aumento de tributos?
Tem uma preocupação do Congresso com o aumento de tributos. A nossa preocupação também é essa. A gente precisa mostrar para o Congresso que a gente está oferecendo as alternativas, em mais de um projeto de lei, para que a gente aprove o reequilíbrio das contas. Até porque se trata de um gasto tributário, não estamos falando de aumento de receitas. Aqui é compensação de benefícios que foram dados; não vai ficar mais benefício sem compensação.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.