O Brasil é campeão mundial de tributos sobre a folha de pagamentos, pelas contas do economista Robson Gonçalves, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele calcula que o peso dos tributos e encargos sobre os funcionários do País oscila entre 55% e 60% sobre o valor dos salários. Ou seja, o trabalhador que recebe R$ 1 mil por mês, custa, na verdade, até R$ 1.600 para os empregadores.
Gonçalves entende que a contribuição patronal para a Previdência, de 20% sobre a folha salarial, é um desses principais custos. A medida está no centro da discussão sobre a desoneração de 17 setores da economia que empregam 9 milhões de pessoas no País.
Segundo o economista, a tributação imposta sobre as empresas no Brasil desmotivam a geração de empregos e favorecem a informalidade e a precarização do mercado de trabalho. Além disso, na visão do especialista, a situação atrapalha a competitividade das empresas brasileiras no mundo.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Como o senhor caracteriza o Brasil na tributação sobre os salários?
Somos campeões de oneração sobre a folha. A contribuição patronal de 20% para a Previdência faz com que a carga tributária sobre a folha se aproxime de 55% a 60%, a depender de alguns itens. Se pegar os países da OCDE, a média é 34,6% (incluindo Imposto de Renda, impostos pagos pelas empresas e pelos empregados). Aqui no Brasil, temos décimo terceiro salário, que não é tributo, não é contribuição social, mas é encargo sobre a folha. A maioria dos países não pratica isso. Nós temos algumas empresas que são obrigadas a fazer seguro de trabalho, isso dá mais 3%, algumas que são obrigadas a fazer seguro de acidentes de trabalho, mais 3%. Temos contribuições para o Sistema S, salário-educação. Se considerar tudo isso, chegamos a uma tributação de 55% a 60%.
Qual é efeito disso para a empregabilidade e a produtividade?
Esse é um dos três vetores do Custo Brasil. O primeiro é a infraestrutura inadequada. O segundo eixo é a burocracia. E o terceiro eixo é a oneração da folha. Produzir e empregar no Brasil é caro, e não deveria ser. A gente deveria ter uma oneração sobre o consumo e a renda, não sobre produção e gerar emprego. Algumas pessoas vão dizer que na Alemanha os encargos são de quase 50%. Na França, a mesma coisa, mas nesses países temos a questão populacional, uma população envelhecendo e vivendo muito, é um drama previdenciário que existe lá. No caso do Brasil, não temos população que vive tanto e nem tão idosa, e ainda assim o país onera muito a folha. No Chile, a contribuição sobre a folha é de 7%. No México, que é bem comparável, é da ordem de 20%. Na Índia, não chega a 4%.
Qual é o risco da reoneração da folha salarial?
O grande risco, quando se onera demais a folha, é precarizar ainda mais as relações de trabalho no Brasil. É sonegar, não registrando em carteira, e não tendo como fazer todos esses recolhimentos. Se disser que no Brasil a informalidade e a sonegação não são uma ameaça, você está vivendo em outro planeta. A reoneração pode pressionar algumas empresas a ter conduta de fugir dessa oneração por meio da informalidade. No mundo inteiro, uma carga tributária excessiva induz à sonegação.
Produzir e empregar no Brasil é caro, e não deveria ser. A gente deveria ter uma oneração sobre o consumo e a renda, não sobre produção e gerar emprego
Em que circunstância a redução de encargos gera postos de trabalho?
A conta é muito simples. Se eu contrato um empregado, e ele vai ter um salário nominal de R$ 2 mil, e se de fato o volume de encargos é da ordem de 55%, então significa que esse empregado custa R$ 1.100 de encargos, uma despesa total de R$ 3.100. Ele tem que devolver mais do que isso. Caso contrário, empregá-lo significa prejuízo. Nos países mais desenvolvidos, a produtividade é muito elevada e permite que você pague esses R$ 3.100, mas o que ele devolve é mais elevado. Se eu onero a folha, eventualmente não vou contratar um empregado porque o que ele me devolve em termos de receita é menos do que o custo. A única forma de acomodar a oneração no Brasil é as empresas serem mais produtivas.
E qual a receita para elevar a produtividade?
Passa pela educação da mão de obra, nossos baixíssimos índices de educação batem aqui. Temos índices vergonhosos que resultam em analfabetismo funcional, não tem como um trabalhador operar uma máquina nem de comando numérico que é do século passado. Também é preciso reduzir o déficit de infraestrutura no Brasil e reduzir a burocracia.
Estamos em momento de reforma tributária, discussão sobre tributação de renda e regulamentação de plataformas. Como convergir toda essa agenda?
A reforma tributária cabe muito naquela imagem que você tem que trocar o pneu com carro andando. E mais, corre o risco também de cobrir um santo e descobrir o outro. Oneração de folha é tema velho. Tributar consumo e renda, em vez de produção e cascata, também são temas velhos. Para isso, temos boas soluções. A uberização e os market places na internet são fenômenos bem mais jovens e novos. A pior coisa que se pode fazer é dar resposta velha para questões novas, como tributar o market place, com milhares de fornecedores de um lado e milhões de consumidores de outro, da mesma forma que se tributa o shopping center.
A reoneração pode pressionar algumas empresas a ter conduta de fugir dessa oneração por meio da informalidade. No mundo inteiro, uma carga tributária excessiva induz à sonegação
E a inteligência artificial? Tributar mais pode levar à automação e afetar o emprego?
Tem relação, sim. Essa é uma discussão mais consagrada, mais fácil de discutir. Até hoje, no capitalismo de mercado, você tem duas coisas que precisa para começar a produzir: capital e trabalho. O capital é que muda de forma, se altera significativamente. O trabalho é mais ou menos igual há 10 mil anos. Mas, na medida em que você muda a natureza do capital, com inteligência artificial, você desloca a mão de obra. É importante deixar a mão de obra competitiva para que ela se desloque para setores que vão alocá-la de uma maneira lucrativa para as empresas.
Existe um ponto ideal de tributação sobre salários e qual seria o do Brasil?
Se a nossa tributação sobre a folha chega a 55%, a 60%, estamos mal em escala global. Tem outra dimensão importante, que é a competição entre os países por atrair capital. Os países desenvolvidos não precisam atrair capital, porque o capital já nasce lá, e podem ter uma oneração da folha mais significativa. Não existe um ponto ótimo porque as coisas mudam muito rápido. Não estaríamos falando de inteligência artificial há cinco anos. Mas, olhando ao redor e fazendo um comparativo, tem coisa muito errada com a oneração da folha no Brasil.
O que mais o senhor gostaria de complementar?
O governo atual tem um viés de arrecadação, não de corte de gastos. A insistência do governo Lula de reonerar a folha é a busca por garantir arrecadação para o Regime Geral de Previdência. O arcabouço fiscal já ficou provado que não vai funcionar, pelo adiamento da meta dos próximos anos, e em grande medida essa briga é por conta disso. Existe um viés pela arrecadação, mas, deveria ser por cortes de gastos.
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