
Fundador da Fama Re.capital, primeira gestora de ativos voltada a unir retorno dos investimentos com o impacto para um futuro mais sustentável, Fabio Alperowitch diz que os ventos que levaram grande parte das companhias e agentes financeiros a se comprometer com questões climáticas, logo após a pandemia, não era a preocupação genuína. “Era interesses em captar recursos, porque era o momento em que o mundo falava disso.” Com a mudança no tabuleiro político, os compromissos dessas companhias desapareceram na mesma velocidade que tinham surgido.
Para ele, vivemos apenas um “aperitivo” do que virá em relação às transformações climáticas. “Vem muito mais por aí”, afirma. “A realidade se impõe e a natureza é muito maior do que (Donald) Trump (presidente dos EUA).” Os prejuízos forçarão as mudanças verdadeiras.
Em outra frente, a Fama lançou, há pouco mais de um ano, seu fundo de transição climática e já colocou recursos em três empresas: SLC Agrícola, Marfrig e Banco do Brasil. Todas companhias de excelência, grandes emissoras de gases de efeito estufa, mas com soluções financeiramente viáveis para esses problemas e que aceitaram a transformação proposta pela Fama.
Na ponta do lápis, já começaram a ter ganhos financeiros, assim como a gestora, que teve resultados acima do Ibovespa e deu início a uma nova rodada de captação de recursos, para dar escala à proposta.
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A seguir, os principais trechos da entrevista:
À época da pandemia, muitas gestoras e fundos globais disseram que, a partir dali, investiriam apenas em empresas sustentáveis e, entre outros objetivos, buscariam a descarbonização. Poucos anos depois, o pêndulo foi para o outro lado. O mercado financeiro vai voltar a ficar preocupado com sustentabilidade?
Desde 2020, vivemos um boom de narrativas, newsletters, podcasts com esse discurso, que começou a se reverter poucos anos depois, em face de uma série de questões, como, por exemplo, a guerra da Ucrânia. Em 2025, vemos um desmonte muito grande de compromissos firmados tanto por empresas como por agentes financeiros. A questão por trás de tudo isso é óbvia: o curto prazismo e o dinheirismo. Ou seja, a busca por retornos imediatos, que é o que tem pautado a agenda do mercado financeiro há muitos anos. Os ventos que levaram grande parte dessas companhias a se comprometer por questões climáticas não era a preocupação genuína, mas sim interesse de captar mais recursos, porque era o momento em que o mundo falava disso. No momento em que o mundo muda um pouco, com forças políticas diferentes nesse tabuleiro, muitos desses compromissos vão embora, porque continuam exatamente onde estavam: na busca por retorno. Na hora do desmonte, fica escancarado que grande parte desses compromissos nunca foram efetivos.

Enfrentamos uma corrida contra o tempo com relação ao aquecimento global. Para o sr., vai chegar um momento tão premente em que todos se unirão em busca de soluções?
Há cinco ou dez anos, falar de mudanças climáticas, para muitas pessoas, era uma possibilidade ou uma teoria que, eventualmente, ia se materializar no longo prazo. A questão é que ela já está nas nossas vidas. Foi, por exemplo, o que aconteceu no ano passado no Rio Grande do Sul, ou com o fato de que quase todos os brasileiros passamos um mês respirando fumaça. Ou assistir às casas de seus artistas preferidos queimando na Califórnia, no começo deste ano. A realidade se impõe e a natureza é muito maior do que Trump. Esse movimento também tem a ver com a questão do dinheirismo. No momento em que ficar claro que a questão financeira começa a se materializar com perda agrícola, com elevação de preços dos seguros, com efeito inflacionário de alta de commodities agrícolas e etc, as pessoas serão compelidas a mudarem de atitude, porque o interesse deixa de ser uma questão humanista, social ou ambiental, e passa a ser econômica. Isso é mobilizante. Infelizmente, a gente tem de chegar nesse ponto para, eventualmente, ver mobilização. Ainda não estamos nesse ponto. Sentimos um aperitivo do que vem pela frente. E vem muito mais.
A Fama foi a primeira investidora de impacto no Brasil e, mais recentemente, lançou seu primeiro fundo ativista. Só que é um ativismo diferente do que a gente vê nos filmes americanos. Como é esse conceito?
O ativismo dos filmes significa briga, e eu tento ressignificar essa palavra, porque somos muito colaborativos. Percebi tardiamente que, quando eu ia para as empresas e trazia propostas e ideias de descarbonização, meu argumento era moral e ético. Era falar sobre a responsabilidade das companhias nesse processo de esforço coletivo. A área de sustentabilidade das empresas adorava, mas a de negócios não via ali seu papel, que é vender produto, serviço, lucrar mais. Percebi, então, que precisávamos fazer o óbvio: trazer o enfoque econômico. No momento em que levamos para as empresas a perspectiva de que descarbonizar cria valor, em vez de ser simplesmente mais uma despesa no balanço, a narrativa começou a entrar em outros lugares. Lançamos então um fundo de transição climática, no qual a gente faz o oposto da grande maioria dos fundos do mundo, que investem em empresas verdes. A gente investe em empresas excelentes, porém poluentes e trazemos um plano de descarbonização, que gera valor econômico. No momento que a empresa adere a esse plano, ela cria valor para si, para o planeta, para todos os stakeholders (pessoas envolvidas com a companhia).
Há exemplos práticos de como isso funcionou na Marfrig ou na SLC Agrícola, nas quais a Fama investiu?
São dois casos emblemáticos, por algumas razões. Primeiro, o perfil das emissões de gás de efeito de estufa no Brasil é muito diferente do da grande maioria dos países, em que provém de combustíveis fósseis. Nossa matriz energética é relativamente limpa e a grande maioria das emissões vem do uso da terra, como agricultura e mineração, que levam ao desmatamento. A gente precisava de grandes exemplos para poder provocar um efeito sistêmico, inclusive regulatório. A SLC é uma das maiores produtoras de soja do mundo, com mais de 800 mil hectares sob gestão. O ano passado foi um período de efeitos climáticos bastante severos, quando grande parte dos produtores rurais, grandes e pequenos, perderam boa parte da sua produção. “Curiosamente”, nas propriedades em que foi implementada a agricultura regenerativa, a perda foi muito menor. Além disso, a soja verde começa já a ter um prêmio, porque tem maior teor proteico e já vale 2% a mais. Falando especificamente da criação de valor econômico, a agricultura regenerativa significa mais resiliência do solo e, portanto, menos perda agrícola por conta dos eventos climáticos. Portanto, a tese de agricultura regenerativa é facilmente comprovada no sentido de poder gerar mais resultado e também ter um impacto climático muito grande.
E na Marfrig?
A pecuária também é um setor bastante emblemático, visto como inimigo de ambientalistas. A Marfrig está num caminho muito interessante de rastrear 100% da cadeia e com isso ela consegue muitas vantagens. A primeira, exportar para o mercado europeu, que, por conta da nova legislação, vai ser fechado para empresas que tenham cadeia de desmatamento. Na China, por exemplo, já se paga mais por um boi rastreado, não por questões climáticas, mas por questões sanitárias, então você consegue eventualmente “descomoditizar” uma commodity. O ciclo do boi, que é bastante impactado por questões climáticas, também vira produtividade e vira dinheiro. A tese de descomoditização de commodities é muito geradora de resultado para essas empresas.
Como está sendo a interlocução com o Banco do Brasil, no qual a Fama também investiu?
O Banco do Brasil é uma instituição gigante, bastante departamentalizada, e eu entendo as dificuldades de trânsito de uma empresa que é de controle público. Tivemos ótimas conversas iniciais, depois um resfriamento na relação e depois uma recuperação. Faz parte de um ciclo normal. A tese para o Banco do Brasil é extremamente interessante. A inadimplência do crédito agrícola é correlacionada com os efeitos climáticos. Se o Banco do Brasil consegue gerenciar melhor para quem dá o crédito, seja selecionando empresas agrícolas que têm boas práticas ou, mais do que isso, incentivando as empresas que têm agricultura convencional a mudarem suas práticas para a regenerativa, a inadimplência vai cair e, portanto, o lucro do banco vai subir. Existe uma tese financeira muito forte, ao mesmo tempo que é uma tese de descarbonização por mudança de práticas.
A intenção é dar escala ao efeito do investimento?
Para fazermos um investimento, respondemos a quatro perguntas. A primeira é se a empresa a receber o aporte é de excelência: gera bons resultados, tem boa governança, tem vantagem competitiva, tem boa marca? No fim das contas, sempre vamos estar exposto a empresas boas. A segunda questão é se é uma carbon major, ou seja, se é uma empresa que é alta emissora de gases de efeito estufa. A companhia precisa emitir mais do que 1 milhão de toneladas para que a gente se interesse por ela. A terceira, extremamente importante, é que exista solução de descarbonização economicamente viável. Porque não adianta eu ir para uma empresa que é alta emissora de gás e dizer que ela precisa investir bilhões. Do ponto de vista moral e ético, ela deveria, mas eu não vou ter êxito fazendo isso. O que precisamos é propor para a empresa algo que ela entenda como o benefício claro, econômico, seja na mitigação de risco, seja no aproveitamento de oportunidades. Dentro desse ângulo, a gente gasta muito tempo de uma equipe multidisciplinar, formada por advogados, cientistas, gente que veio de private equity, acostumada com criação de valor. Também é multi-stakeholder, falamos com ONGs, academia, pares e trazemos um plano bem robusto para a companhia. A quarta pergunta é se a empresa está disposta a entrar nessa jornada da descarbonização. Aí a gente realiza o investimento. A captura de valor é ao longo do tempo, com parte pela receita gerada pela descarbonização, parte pela percepção da empresa ser vista como a empresa mais verde, portanto, merecedora de mais múltiplos.
No ano passado, os fundos da Fama superaram o Ibovespa em termos de rentabilidade. Isso já se refletiu em termos de captação ou de atração de investidores?
Pouco mais de um ano atrás, a gente tinha uma grande ideia e, quando a gente falava com investidores brasileiros, grande parte deles sequer entendia a questão climática e como o clima poderia gerar valor. Quando a gente falava com investidores estrangeiros, eles não entendiam o Brasil. Então, era uma conversa muito difícil, com muito ceticismo naquele momento. Nossa decisão foi rodar um ano com capital próprio e mais de alguns investidores que nos apoiam e conseguir histórias sólidas para contar. Aí a gente vai para outra escala. Foi exatamente o que aconteceu. Nos propusemos a fazer cinco investimentos no ano passado e fizemos três. É bastante coisa, porque é preciso selecionar essas empresas, encontrar soluções, fazer o processo de pesquisa multidisciplinar e multi-stakeholder, ter o consentimento da empresa e tudo mais. As empresas performaram bem, tanto do ponto de vista financeiro quanto do ponto de vista ambiental, e o fundo deu retorno 10,5 pontos acima do índice Bovespa, com um risco percebido menor. Agora temos história para contar e demos mandato a duas empresas para nos apoiar na captação de recursos, um trabalho que está começando agora. Uma consultoria no Brasil, muito focada em fundos de pensão, e uma consultoria no Oriente Médio. Devemos ter boas novidades.
Vocês também investirão em mineração e saneamento?
São setores que estamos olhando, mas não temos ainda um diagnóstico concluído em relação ao potencial de descarbonização e geração de valor. Vamos, porém, com bons olhos as oportunidades em ambos. O setor de saneamento, que é altamente emissor, por conta do processo de universalização, pode gerar a oportunidade de descarbonização da economia real.
Como o sr. enxerga a COP-30?
Ela tem muitos desafios. Depois de três COPs em países não democráticos, essa é a primeira em um país democrático. A percepção de dificuldade logística precisa ser resolvida, mas a participação da sociedade civil nesta COP, depois de três nas quais não foi possível ter esse tipo de acesso, é bastante importante. Em segundo lugar, a gente vem de três COP seguidas em países que são baseados em economia fóssil. A importância do petróleo também é muito grande aqui, mas a gente é um país com a maior floresta tropical do mundo, com a maior biodiversidade do mundo. Tem um ambiente para discussões importantes. Lembrando que essa COP não é a COP do Brasil, é a COP no Brasil. A gente precisa tratar de problemas globais.
Como quais?
Temos mais de 8 mil quilômetros de costa, sendo que os oceanos são os maiores consumidores de carbono, mais que as florestas. Precisamos precisa falar mais sobre oceanos e estamos num lugar em que podemos falar. O encontro também será importante nesse novo contexto geopolítico: é a primeira COP que acontece no novo momento (pós-Trump), o que aumenta também sua importância. Os eventos climáticos que a gente está apresentando nos últimos tempos levam o eixo de conversa da COP a fazer uma transição. Sempre falamos muito de mitigação e agora precisamos falar de adaptação. É quase que entender que o clima vai mudar e quase não há nada para fazer em relação a isso. Ele já mudou. Precisamos nos adaptar às novas realidades. Então, os negócios precisam mudar, as cidades precisam mudar, a regulação precisa mudar. Além disso, a gente vem de uma série de COPs que se falou muito em regulamentação, e agora precisamos falar sobre implementação de tais regulações, uma conversa complicada, ainda mais sem estar na mesa com a gente importante como os Estados Unidos. Essa mistura toda, faz da COP-30 uma conferência bastante relevante.