Imposto de herança na previdência privada é um erro e mira arrecadação, diz presidente da Fenaprevi

Edson Franco vê intenção arrecadatória dos Estados em incidência de ITCMD sobre PGBL e VGBL e afirma que minoria dos investidores faz planejamento tributário: ‘tiro de canhão em formiga’

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Foto do author Bianca Lima
Foto: DENISE ANDRADE
Entrevista comEdson FrancoPresidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi)

BRASÍLIA – O presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), Edson Franco, avalia que a incidência do imposto de herança, o chamado ITCMD, sobre os planos de previdência privada é um “grande erro”. O executivo aponta intenção arrecadatória dos Estados com base em “argumento falho, parcial e limitado”.

O executivo alega que apenas uma minoria dos poupadores usa os planos para fugir do imposto estadual no momento da doação ou transferência dos valores – o chamado planejamento tributário. “Não dá para você dar um tiro de canhão para matar uma formiga”, diz Franco ao Estadão. Ele também destaca que 41% dos investidores dos planos VGBL e PGBL são da classe C: “Há uma percepção equivocada de que a Previdência é produto para classe alta, mas não é assim”.

O tema está em discussão em duas frentes: no Congresso, por meio do projeto de lei de regulamentação da reforma tributária; e, a partir desta semana, também no Supremo Tribunal Federal (STF), que começará a analisar o assunto na sexta-feira, 23, via plenário virtual. A ação atende a um pedido do Rio de Janeiro, onde o Tribunal de Justiça local declarou a inconstitucionalidade da cobrança sobre VGBL, mas liberou sobre PGBL (veja glossário abaixo).

Na Câmara, o texto-base aprovado pelos deputados concede isenção do imposto de herança aos investidores que ficarem mais de cinco anos no VGBL. A regra não vale para o PGBL, que será tributado em qualquer prazo.

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A redação do projeto, porém, gera dúvidas e preocupações na Fenaprevi: “Não são cinco anos da contratação do plano, e sim de cada aporte. Ou seja, mesmo as pessoas (com planos antigos, mas) que fazem aportes regulares mensais ou anuais teriam grande parte do patrimônio atingido”, avalia Franco.

Outro temor é em relação à portabilidade, um mercado que movimentou R$ 42 bilhões em 2023 no âmbito da previdência privada. “Se a portabilidade não estiver preservada (do imposto de herança), todo o dinheiro que migrar (de uma gestora para outra) será considerado como uma nova contribuição e ficará sujeito à tributação”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a expectativa para o julgamento do STF, que começa nesta semana?

O julgamento é positivo, no sentido de pacificar o tema e trazer maior segurança jurídica. A nossa expectativa é positiva, porque a tese é muito clara. A gente entende que não há que se falar em tributação dos produtos atuais, nem PGBL nem VGBL. Mas isso é olhando pelo retrovisor, né?

Quais as preocupações olhando para frente, para o projeto de lei de regulamentação da reforma tributária?

Entendemos que essa previsão de incidência vai aumentar ainda mais a insegurança jurídica, porque a gente tem uma série de relações contratuais já vigentes. Então, temos de tomar muito cuidado com o tratamento dos contratos fechados anteriormente a isso, incluindo aspectos relacionados à portabilidade.

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Como afeta a portabilidade?

A previdência é um dos produtos pioneiros em ter um instituto da portabilidade que favorece o cliente e promove uma concorrência saudável entre as empresas. Isso vem desde a lei complementar 109 (de 2001). Então, a gente tem que ter certeza de que os planos já existentes, inclusive os que usam o instituto da portabilidade, não perderão (a isenção do imposto de herança) – ou seja, que não serão alcançados por uma mudança dessa natureza.

O temor é de que o plano portado seja considerado um novo aporte?

Exato. Imagina o seguinte: eu tenho um plano no banco A, aí eu pego esse dinheiro e migro para o banco B. Se a portabilidade não estiver preservada (blindada do imposto de herança), todo o dinheiro que foi migrado será considerado como uma nova contribuição, e aí ficará sujeito à tributação. Ou seja, você estará prejudicando o cliente, porque você vai desincentivar a portabilidade e, consequentemente, a concorrência.

Olhando de forma mais ampla, como o sr. avalia as demais consequências dessa possível tributação?

Essa ideia de taxação (via imposto de herança) é um desserviço. O Brasil envelhece a um ritmo muito superior ao que se deu nos países europeus, por exemplo. E com um contexto social muito distinto, de uma classe média frágil, de uma renda média baixa e de um sistema previdenciário público que certamente tem um caráter de insustentabilidade. Portanto, qualquer proposta que desincentive a formação de poupança previdenciária privada vai na contramão dessa tendência demográfica inequívoca. Além disso, há uma percepção muito equivocada de que a previdência é produto para classe alta, mas não é assim.

Qual o recorte por classe social?

Os produtos de natureza previdenciária já atendem necessidades de classes sociais distintas. Só na previdência aberta, sem contar a fechada, são mais de 11 milhões de famílias protegidas por esses planos. Grande parte da classe média e 41% da classe C. Então, nós não estamos falando aqui de alguma coisa que vai atingir os ricos, como se poderia imaginar. Não são planos elitistas.

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Secretários de Fazenda dos Estados, técnicos do Legislativo e a equipe econômica alegam que a previdência privada é usada como instrumento de planejamento tributário – uma forma de o rentista fugir do imposto de herança no momento de transferir os bens à próxima geração.

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Essa é uma forma muito limitada. As pessoas não estão entendendo o alcance que o sistema previdenciário tem hoje. A maioria dos nossos participantes é formada por pessoas que contribuem de forma regular. Além disso, a previdência aberta é composta por planos individuais e coletivos. Nesses últimos, esse tipo de comportamento já não é possível.

Mas os planos individuais são predominantes, respondem por 80% dos participantes…

Mesmo nos planos individuais, é uma minoria que entra no sistema com uma visão exclusivamente de planejamento tributário. Nós temos, hoje, um estoque de ativos, na previdência aberta, de quase R$ 1,4 trilhão. Olhar para a previdência e generalizar uma situação específica é um grande erro. Numa intenção arrecadatória dos Estados, com um argumento falho, parcial e limitado, a gente está, na verdade, criando um desincentivo para todo o sistema previdenciário, que tem uma função social super importante. Essas coisas têm de ser mais bem calibradas. Não dá para você dar um tiro de canhão para matar uma formiga.

O relator do projeto de lei complementar, deputado Mauro Benevides (PDT-CE), isentou do imposto de herança os VGBLs com mais de cinco anos. O objetivo, segundo ele, é blindar investimentos de longo prazo e focar no planejamento tributário. Isso ajuda a solucionar o problema?

Na verdade, não são cinco anos da contratação do plano, e sim de cada aporte. Ou seja, mesmo as pessoas que fazem aportes regulares mensais ou anuais teriam grande parte do patrimônio atingido pelo ITCMD. A gente vive numa situação em que os mais jovens têm mais dificuldade de poupar e, à medida que você vai crescendo na carreira, envelhecendo, a sua capacidade de poupança aumenta. Então, é natural que, nos últimos cinco anos da vida laboral, você acelere a formação de poupança – e todo esse estoque seria atingido. E aí, a gente entra num processo de insegurança jurídica brutal – e, além de tudo, a Previdência passaria a ser duplamente tributada.

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Mas existem mecanismos de incentivo no Imposto de Renda...

Existem diferentes mecanismos de incentivo para redução da tributação ao longo do tempo, mas a tributação existe. Nós não temos isenção de tributação, é um diferimento. A hora que o cliente resgata ou entra em renda, ele vai pagar o imposto devido. Claro, isso é uma vantagem fiscal, e tem que haver mesmo, porque a gente quer incentivar a poupança de longo prazo e a poupança previdenciária, mas a Previdência é um produto tributável. A Previdência não é uma poupança, não é uma letra de crédito, LCI ou LCA, que não tem Imposto de Renda. Então, passaria a ser duplamente tributada via Imposto de Renda, que já paga, e via ITCMD.

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