É da natureza de um BC autônomo haver divergência entre diretores, diz economista-chefe do Bradesco

Fernando Honorato Barbosa afirma que havia espaço para um corte de 0,50 ponto porcentual na Selic e que celeuma em torno dos votos dissidentes é ‘injustificável’

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Foto: Egberto Nogueira/Divulgação
Entrevista comFernando Honorato BarbosaEconomista-chefe do Bradesco

É absolutamente injustificável a celeuma que o mercado está criando em torno dos votos dissidentes dos diretores do Banco Central (BC) no Comitê de Política Monetária (Copom), anunciados na quarta-feira, 8. A observação é do economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa. De acordo com ele, havia espaço para um debate legítimo para os dois lados.

“Os analistas não estão se dando conta de que em bancos centrais autônomos divergências são encorajadas. É da natureza de BCs autônomos”, disse. Segundo o economista do Bradesco, é preciso observar que houve unanimidade quanto à necessidade de a taxa terminal do juro ficar no campo restritivo. O banco estima Selic a 9,50% no fim do ano e 8,50% em 2025.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

O Copom cortou a Selic em 0,25 ponto porcentual, para 10,50% ao ano, mas restabeleceu um racha com quatro diretores votando por 0,50 pp. Como o senhor viu essa cisão?

Acho absolutamente injustificável a celeuma que estão criando em torno dos votos dissidentes porque havia espaço para o corte de 0,50 pp. e um debate legítimo para os dois lados. Me parece que os analistas não se deram conta de que em BCs autônomos as divergências são até encorajadas. Isso é da natureza de um BC autônomo. Acontece no Fed, no BoE e no BCE.

O que mais chamou atenção foi o fato de todos os quatro diretores indicados por Lula terem votado por um corte maior.

A diretoria do BC se reporta ao Senado e não ao presidente da República. Pelas atuações que tomar, o BC vai responder aos senadores. Tinha espaço para um corte de 0,50 ponto e nada tem de político nisso. Houve algumas mudanças no Focus para Selic e IPCA, mas a inflação de curto prazo veio melhor. E em meio a estas mudanças, o juro de dois anos nos EUA passou de 4,65% para 4,80%, uma variação de 0,15 ponto porcentual. O preço do petróleo caiu um pouquinho. Ou seja, o tamanho da incerteza internacional é pequeno. Os riscos globais não se exacerbaram.

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Segundo Fernando Honorato Barbosa, Bradesco continua trabalhando com cenário de Selic em 9,50% no final deste ano e em 8,50% no final de 2025 Foto: JF Dorio/Estadão

O senhor está querendo dizer que, diante de alterações pequenas do cenário, o BC poderia, sim, ter cortado 0,50 ponto?

Sim, e não foi uma mudança de última hora. Há 45 dias, dentro do próprio Copom, já se trabalhava com o cenário que comportava corte de meio ponto. Não me venha dizer que quem votou em 0,50 pp. não está comprometido com inflação. No comunicado diz que houve consenso de que o juro tem de ficar dentro do campo restritivo. Isso significa que todos no Copom estão certos de que a Selic terminal terá de estar acima de 8,5%. Se você considerar que até ontem (quarta-feira, 8) a Selic estava em 10,75% ao ano, tinha espaço para cortar 0,50 ponto.

Mas hoje a curva de juros está precificando o dissenso. O que dizer sobre isso?

Se você pegar o Focus de Selic verá que ele entra no modelo do BC, que mostra um juro pouco acima para entregar a inflação no centro da meta. Por isso, nada justifica a curva de juro estar precificando o dissenso no Copom. O que estamos vendo é uma Selic de 9% entregando uma inflação em 3,3%. Na verdade, quem vê problema nisso são os que não tinham outra opção que não um corte de 0,25 ponto.

O senhor vê esse 0,25 pp. de corte como uma estratégia do presidente Roberto Campos Neto para deixar opções para o próximo comandante do BC parar ou cortar mais juros, de acordo com as necessidades?

Entendo o 0,25 pp. como uma tática olhando para o longo prazo. Mas a estratégia de médio prazo é levar a Selic para o campo restritivo. Outra coisa que ouvi de muitos colegas é que as projeções de inflação do BC levam a um distanciamento do centro da meta. Mas a inflação global está acima do centro da meta e isso está no comunicado do Copom. E tem de se considerar ainda as incertezas internas sobre a política fiscal e a composição da nova diretoria do BC.

Mas aí o senhor não está dando razão aos que se preocuparam com os votos para um corte de meio ponto da Selic?

Não, porque é preciso também olhar para o juro real, que está em 7%. Com a inflação do Focus e a de 3,3% do BC, não tem nada de leniência nisso. Temos de olhar estes componentes à luz da taxa de juro real. Ou seja, havia, sim, espaço para o debate e para o corte de 0,50 ponto da Selic na reunião do Copom de ontem.

Alguns economistas entendem que os diretores que votaram pelo corte de meio ponto poderiam argumentar que estavam seguindo o forward guidance. Concorda com isso?

Não, porque o guidance foi abandonado com a fala do Roberto Campos Neto na reunião do FMI. Lá, havia espaço para a dúvida sobre o tamanho do impacto que a reavaliação do cenário pelo Fed exerceria sobre a economia global. Mas esse medo acabou se mostrando menor do que a realidade mostrou.

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O senhor viu, por meio do comunicado, um BC que dependerá mais da convergência da inflação do que de um conjunto maior de dados?

O comunicado foi bastante curto, não trouxe muitas explicações. Tem frases que falam em comprometimento com a convergência da inflação. Temos de esperar a ata, mas me parece que eles deram mais peso para a convergência da inflação, sim.

Com que orçamento da Selic o Bradesco está trabalhando?

Continuamos com uma Selic em 9,50% no final deste ano e em 8,50% no final de 2025. Isso porque acreditamos que, quando o Fed cortar a taxa de juro dele, e isso será mais para o final do ano, vamos ter algum alívio na taxa de câmbio.