‘Vamos acabar vendo juros entre 14,5% e 15,25%’, afirma economista-chefe do Bradesco

Com o aperto monetário esperado para os próximos meses, Honorato avalia que o desempenho econômico do segundo semestre do ano que vem e de 2026 deve ser afetado

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Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:
Foto: Jf Diorio/Estadão
Entrevista comFernando HonoratoEconomista-chefe do banco Bradesco

Depois da dura decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica de juros em 1 ponto porcentual, o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, ainda trabalha no seu novo cenário, mas ele avalia que a Selic precisará alcançar um patamar entre 14,5% e 15,25% para que o Banco Central consiga levar a inflação para o centro da meta, que é de 3%.

“Nas nossas contas, uma Selic entre 14,5% e 15,25%, provavelmente, entrega o modelo dele, não sei se a inflação é efetiva, mas entrega o modelo dele no centro da meta em final de 2026″, afirmou.

Na quarta-feira, 11, o Copom decidiu pelo aumento de 1 ponto porcentual na taxa básica de juros, para 12,25%, e indicou mais duas altas de mesma magnitude.

Com o aperto monetário esperado para os próximos meses, Honorato avalia que o desempenho econômico do segundo semestre do ano que vem - ele não descarta uma recessão - e de 2026 deve ser afetado.

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“Com um juro real entre 9% e 10% como o que vamos chegar, as empresas com dívida vão ter um resultado financeiro pior, portanto, terão de fazer ajustes operacionais, reduzir custos, demitir para poder lidar com esse resultado financeiro pior. E o crédito, na margem, vai ficar mais caro”, diz o economista, que defendia um gradualismo na alta de juros.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

O sr. defendia um gradualismo na condução da política monetária, com uma alta de 0,5 ponto porcentual no juro, na reunião de quarta-feira. Qual é a avaliação da decisão do Copom?

O Banco Central entregou a alta de juros que estava precificada na curva de mercado. Tem muita gente falando que foi uma decisão surpreendente, e o mercado tinha um pouquinho menos do que três alta de juros 1 ponto porcentual. Desse ponto de vista, não dá para chamar a decisão de ontem de uma grande surpresa. É verdade que ele entregou mais do que a média dos economistas esperava, que era uma alta de 0,75 (ponto porcentual).

O Copom, ao incorporar o que tratava como riscos no cenário base - foi isso que ele escreveu no comunicado, que o cenário ficou até menos incerto, porque os riscos se materializaram -, fez com que a projeção (de inflação) dele ficasse mais alta, de 4% para o IPCA. Portanto, ele preferiu uma estratégia mais firme para assegurar o compromisso dele com o centro da meta (que é de 3%). Foi essa a escolha do Copom. E, de novo, amparado por essa mudança no cenário base. E ainda tem o hiato (do produto) que está mais aberto, com uma economia mais forte na avaliação do BC.

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Qual será o impacto de ciclo de alta de juros?

Será importante. Nós já estamos com uma taxa de juro restritiva. São vários canais de transmissão que afetam, mas um deles, o câmbio, não está propriamente operacional nesse momento. Mas o canal do crédito e dos investimentos vai ser afetado. Com um juro real entre 9% e 10% como o que vamos chegar, as empresas com dívida vão ter um resultado financeiro pior, portanto, terão de fazer ajustes operacionais, reduzir custos, demitir para poder lidar com esse resultado financeiro pior. E o crédito, na margem, vai ficar mais caro.

E de quanto será esse impacto?

O primeiro semestre de 2025 vai estar, de alguma forma, protegido por três grandes fatores. Tem uma safra agro extraordinária e que vai, não só produzir um efeito estatístico no PIB, como vai gerar um pouco de renda para o Centro-Oeste e para parte do Sul e do Sudeste. Tem a regra de valorização do salário mínimo, que prevê uma alta acima da inflação no ano que vem e, portanto, recompõe um pedaço do poder de compra das famílias e dos beneficiários da Previdência. E tem por último, algo que não é tão simples de medir: um pouco de poupança das famílias que foi acumulada desde a pandemia. Bem ou mal ela permite que suavize (o impacto) no consumo. O primeiro semestre, razoavelmente, está protegido dessa alta de juros. Agora, eu espero uma economia bem mais fraca no segundo semestre.

Tem alguma chance de PIB negativo nesse período?

Na margem, sim. Ou seja, acho que tem chances de termos um PIB negativo no segundo semestre do ano que vem. Na média do ano, eu acho quase impossível devido à dinâmica do primeiro semestre. Uma coisa que é importante é que esse é o objetivo da política monetária. Não estou dizendo que é produzir recessão. O objetivo da política monetária é esfriar a economia para que a inflação ceda, as expectativas caiam e a gente tenha uma situação em que o Banco Central possa cumprir a meta dele. Nada disso está fora do script de um aperto da política monetária.

PIB do segundo semestre de 2025 pode ser negativo, diz Honorato Foto: JF Diorio/Estadão

Faz sentido o País ter um juro real que vai chegar entre 9% e 10%? É culpa do pacote de contenção de gastos?

A gente saiu de uma despesa de 18% do PIB em dezembro de 2022 para 20,5% do PIB na metade deste ano. Foram dois pontos e meio a mais de gasto público, incluindo precatórios e legados (do governo passado). Mas não é só legado. Tem muita iniciativa nova que gerou a expansão da economia e, portanto, pressões inflacionárias. Nós, assim como o mercado, também estimávamos que o déficit em conta corrente seria de 0,5% do PIB, 1% do PIB no começo do ano, mas está indo bater 2,5% do PIB, quase 3% do PIB. Claramente, essa economia está mais acelerada, tem uma inflação mais alta e precisa de um juro mais alto.

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Essa é a parte mais estrutural. Se fosse só por isso, nós sequer estaríamos discutindo uma alta de 1 ponto porcentual na reunião passada. O mercado estaria discutindo 0,50 ponto porcentual, 0,75 ponto. Essa é a parte importante da razão pela qual nós temos uma combinação de inflação persistente com o juro alto. E, claro, o câmbio não tem apreciado (real está desvalorizado) nos últimos meses e isso conta a história de um dos canais da política monetária que não está funcionando como exatamente como deveria.

E o impacto do pacote, então?

O pacote acelerou essa piora do câmbio. E é importante ser bem preciso. Na ótica do gasto, se você perguntar o que eu esperava que o pacote entregasse, eu esperava que o pacote entregasse a sobrevivência do arcabouço até 2027, para que nós não tivéssemos de discutir, em 2026, de novo, eventuais mudanças nas regras fiscais. Essa era a minha expectativa. Se me perguntar se eu esperava que o pacote fosse entregar um superávit primário maior do que já está previsto, um corte de gastos profundo, eu não esperava isso. Inclusive, eu dizia que o que pacote iria fazer era alargar o espaço das (despesas) discricionárias, contendo as obrigatórias, para que o teto ficasse vivo até 2027.

Desse ponto de vista, o anúncio do Haddad ficou aquém do que eu esperava, porque não dá para garantir que o arcabouço vai até 2027. O economista do banco que cuida de fiscal diz que até 2026 dá para garantir, mas 2027, talvez, não dê. Tem uma certa frustração no horizonte de sobrevivência do pacote. Mas, quando eu penso em impulso para a política monetária, aquilo que importa para o Banco Central, não mudou nada no dia seguinte ao pacote para 2025 do que era antes do pacote. A despesa total/PIB que eu esperava para 2025 antes do pacote e depois do pacote é idêntica, com uma viabilidade maior pós-pacote porque a (despesa) discricionária vai aumentar. Uma das razões pelas quais eu defendia o juro menor era porque o fiscal, nesse aspecto, não iria atrapalhar.

Houve também a proposta do Imposto de Renda...

Ao desonerar quem ganha entre dois salários mínimos e quem ganha R$ 5 mil, você está atuando sobre os 25% mais ricos da população brasileira. Não é uma política que se alinhe à proteção aos mais vulneráveis. Não estou dizendo se está certo ou errado. Dito isso, quando eu penso que o Brasil é um país superendividado e com uma carga tributária regressiva - e deveria tributar mais os mais ricos -, o melhor uso desse dinheiro que se arrecada deveria ser para pagar a dívida pública. E acho que isso pegou para o mercado. Primeiro, porque você não sabe se vai conseguir compensar plenamente. Dois, é uma política que pode gerar um estímulo à demanda em 2026. E três, se você é capaz de tributar os mais ricos, parece que tinha uma escolha melhor que era pagar um pedaço da dívida de um país que tem juros muito alto. Essa parte do pacote diz muito a respeito desse câmbio que sai dos R$ 5,80 e vai para o R$ 6,10. De alguma forma, vai consolidando essa percepção de que o juro real vai ficar mais perto de 8%, 9%.

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Depois da última decisão do Copom, o banco chegou a revisar a Selic?

Nós vamos revisar. Temos o hábito de divulgar o cenário inteiro mensal. O que eu posso dizer é que, obviamente, o (juro de) 14,25% está garantido na nossa visão. Tem um ponto importante: onde o Banco Central vai parar? Eu preciso me transportar para quando vai ser a decisão dele. Quando chegar em maio ou junho do ano que vem e o BC estiver mirando no final de 2026, um ano e meio à frente, onde vai estar o modelo? Nas nossas contas, uma Selic entre 14,5% e 15,25%, provavelmente, entrega o modelo dele, não sei se a inflação efetiva, mas entrega o modelo dele no centro da meta em final de 2026. Então, eu acho que a gente vai acabar indo para lá. Vamos acabar vendo alguma coisa entre 14,5% e 15,25%.

E tem chance de o governo diminuir esse ruído com o pacote?

Sempre tem. Sempre é possível resgatar o protagonismo, melhorar o cenário. Um exemplo: suponha que amanhã o Haddad diga que voltou atrás da ideia da desoneração (de IR) de até R$ 5 mil, mas não desistiu da tributação dos mais ricos e que vai usar isso para aumentar o superávit primário. Não sei se tão rápido, mas certamente isso vai produzir uma melhora, um resgate dessa credibilidade, dessa confiança. Suponha que o Congresso aperte as regras fiscais, ainda tem espaço para uma melhora. A pergunta é se é provável que isso aconteça. Não parece, uma vez que o pacote foi costurado e negociado por mais de 30 dias e, eu suponho que o que nasceu do pacote foi o politicamente possível na visão da equipe econômica e do governo.

O que pode fazer o governo voltar a ter alguma estabilidade no mercado?

Eu acho que é a passagem do tempo. O que chamo de passagem do tempo? É a política monetária funcionar; esse gasto público, com uma expansão menor em 2025 do que em 2024, vai fazendo a economia esfriar; e a inflação, que todo mundo tem medo de que saia do controle, não sai do controle. Aí a gente volta em algum momento, no final do ano que vem, a discutir corte de taxa de juros. Hoje, eu acho que precisa de um pouco de tempo para as coisas acomodarem. E um detalhe importante: nesse processo precisa que o câmbio estabilize.

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O Bradesco estima um crescimento do PIB de 3,5%, mas com viés de alta, em 2024. O que esperar de 2025?

O viés de alta é a calibragem. É um crescimento de 3,6%. Talvez, esticando um pouco pode ser 3,7%, mas 3,5% está bem calibrado. Para o ano que vem, temos 2,4%. Como eu falei, esses colchões do primeiro semestre são muito fortes. O que está em jogo para valer, com a decisão de quarta, é o crescimento de 2026, até quando a gente pensa na defasagem da política monetária. A política monetária não é algo que produz efeitos imediatos. Ela leva tempo. Essa defasagem vai impactar o crescimento do segundo semestre de 2025. O ano cheio de 2026 é o candidato a ter menos crescimento.

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