Acordo Mercosul-UE será discutido só após eleições do Parlamento Europeu, diz ministro português

Segundo Fernando Medina, ministro das Finanças, conclusão das negociações não deve sair antes do meio do ano e tema só voltará à pauta na próxima legislatura

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Entrevista comFernando MedinaMinistro das Finanças de Portugal

A retomada das negociações para a conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia não ocorrerá antes do meio do ano, na avaliação do ministro das Finanças português, Fernando Medina.

Presente como convidado nas reuniões do G-20 Brasil que ocorreram nesta semana em São Paulo, ele lembrou que as eleições para o Parlamento Europeu estão marcadas para o início de junho e ponderou que o tema voltará à pauta somente na próxima legislatura. O objetivo do governo brasileiro era que o acordo fosse fechado até o final do ano passado, mas houve forte resistência da França.

Sobre a questão lançada pela secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, de países ocidentais direcionarem à Ucrânia os recursos russos bloqueados em seus países, disse que será necessário observar a legalidade da medida e o interesse político envolvido nela.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista ao Estadão/Broadcast:

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Fernando Medina, ministro das Finanças de Portugal Foto: Pedro Nunes / Reuters

Portugal veio como convidado do governo brasileiro à reunião do G-20. Como está sendo sua participação nesse fórum?

Nós apreciamos muito o convite que o Brasil nos fez. Foi um gesto de reconhecimento do papel de Portugal no cenário internacional. Portugal é um país que tem uma visão muito própria do mundo. Estamos geograficamente localizados no continente europeu, mas temos um mundo econômico, cultural, histórico, diplomático e afetivo que transborda as fronteiras da Europa. Isso é uma óbvia vantagem para o Brasil e para Portugal. Estamos muito satisfeitos pelo presidente Lula ter nos feito o convite. Posso dizer que este fórum está tendo um grande êxito diplomático para o Brasil.

Como o senhor avalia as propostas que o Brasil trouxe para as discussões?

O Brasil apresentou três temas que são certeiros. O tema das desigualdades, da tributação e da dívida dos países. Sobre o tema das desigualdades, essencialmente foi tratada a urgência de se ter, em todos os países, sistemas de saúde, pré-escolares e de acompanhamento das famílias e de seus rendimentos; de erradicação da pobreza extrema e também de fenômenos de exclusão mais complexos como os da geopolítica internacional e da crise ambiental em que vivemos. As desigualdades e as alterações climáticas atingem desproporcionalmente os países do sul, que sofrem mais por terem menos recursos para fazerem frente a esses fenômenos.

O segundo tema trata da tributação, ponto que precisamos superar. Para isso está sendo proposto um sistema global que permita que os Estados tenham uma tributação cada vez mais transparente e mais equitativa. Isso só será possível se houver uma forte cooperação internacional.

Houve pontos de convergência de países muito importantes sobre a necessidade de se fechar um acordo tomando como base os pilares da OCDE. O pilar mais avançado estabelece uma tributação mínima de 15%, para todas as empresas com faturamento acima de € 750 milhões (cerca de R$ 4 bilhões) na União Europeia. Essa diretiva está sendo tratada pelos países e a ideia é entrar em vigor em 2025. Vai ser um grande salto.

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Há uma dúvida quanto a isso ser adotado pelos Estados Unidos, certo?

Não. O que ainda não está acordado refere-se ao pilar um da OCDE. Faltam 5% para se chegar a um acordo, mas são 5% difíceis. É fazer com que as empresas, pagando 15%, deixem de poder usar esquemas de transferência para imputarem lucros em jurisdições de tributações mais baixas. E o Brasil propõe um passo mais à frente, que é a tributação das grandes fortunas, com várias ideias já colocadas na mesa. Umas sobre riquezas e outras sobre rendimentos.

E sobre a terceira proposta do Brasil, a discussão sobre as dívidas?

Portugal trouxe a experiência de país credor a países de língua portuguesa. Temos um projeto com Cabo Verde, que foi proposto por eles e Portugal só acatou. Nesse acordo, cada vez que Cabo Verde paga um montante da dívida, nós passamos esses recursos para um fundo para a transição climática em Cabo Verde. Esse fundo destina-se a investimentos em projetos concretos de transição climática em Cabo Verde, realizados por empresas portuguesas ou empresas portuguesas em parceria com empresas cabo-verdianas. Transforma-se o que era uma dívida em um novo investimento concreto, real, objetivo que ajudará Cabo Verde na sua transição climática e a todos nós. Ninguém resolverá essa área sozinho.

A França está pedindo para a União Europeia abandonar as negociações do acordo comercial com o Mercosul. Qual é a posição de Portugal? Como o senhor vê o futuro desse acordo que vem sendo negociado há mais de 20 anos?

Nós temos sido apoiadores muito claros do acordo desde o seu início e mantemos essa posição. Nossa opinião é que o acordo, no geral, é benéfico para a União Europeia e nada deve ser jogado fora. Agora, há um contexto que tem que ser compreendido. A Europa enfrenta uma situação, depois de uma crise inflacionária, em que haverá eleições. Eu creio que, até as eleições europeias, em junho, não teremos o desenvolvimento desse tema e qualquer nova iniciativa ficará nas mãos da nova Comissão Europeia.

Eu espero que não se deite trabalho fora, que haja capacidade de se manter o trabalho já feito e perseverança para debatermos algo que é importante e que enfrenta receios que temos que compreender, mas sem perder o quadro geral de vista. A União Europeia debate-se hoje com um desafio importante que é um desafio da sua própria autonomia estratégica. A relação com Mercosul reforça a autonomia estratégica de forma significativa. A capacidade de comércio até agora não existe com força que pode acontecer, o que seria bom, obviamente, para dar essa mesma autonomia à União Europeia. Por isso, como diz o nosso ditado português, “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. E quero deixar uma mensagem de esperança.

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Qual a sua avaliação da proposta que a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, colocou na mesa durante o evento do G-20, de redirecionar os recursos bloqueados da Rússia nos países Ocidentais para a Ucrânia?

Primeiro, é necessário fazermos uma avaliação muito cuidadosa da legalidade de todo o processo. Em segundo lugar, é necessário fazer uma avaliação política quanto à forma como essa operação se desenvolve. Nós consideramos acima de tudo que é preciso garantir uma solução que permita assegurar a vitória da Ucrânia e do terreno da Ucrânia e que assegure também que conflito não extravase do campo onde está neste momento. São estas as duas preocupações.

Uma possibilidade que temos ouvido é de redirecionar à Ucrânia somente os rendimentos dos recursos que estão bloqueados. É isso?

É uma parte que está em estudo.

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