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Debate sobre a nova regra fiscal está maduro, diz Galípolo

Secretário executivo da Fazenda diz conversar ‘quase diariamente’ com Campos Neto, em meio a críticas do governo ao BC

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Atualização:
Foto: Felipe Rau / Estadão
Entrevista comGabriel GalípoloSecretário executivo do ministério da Fazenda

BRASÍLIA - O secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, afirmou que o debate sobre o novo arcabouço fiscal está maduro e terá um componente que oferecerá previsibilidade para a evolução das despesas do governo, além de uma regra de controle de gastos.

Em meio às críticas do governo ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, Galípolo disse conversar com ele “quase diariamente” e ter a missão de fazê-lo “ser criticado por grupos bolsonaristas por estar excessivamente próximo à equipe econômica do PT”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Há uma grande ansiedade do mercado em relação à nova regra fiscal. Muitos acham que há pouca sinalização porque o modelo não estaria maduro. Qual é de fato o atual estágio do projeto?

Ele está bastante avançado, mas ainda aberto para receber contribuições. Queremos escutar o maior número de especialistas. É um debate que já tem um nível de maturidade muito grande, seja por causa da literatura existente internacional e nacional, seja porque ele vem sendo debatido há muito tempo.

O ministro prometeu antecipar para março a apresentação do projeto. Qual a estratégia por trás dessa antecipação?

Estamos antecipando justamente porque tá maduro. Tem um nível de convergência muito alto já sobre aquilo que se descarta, o que não funciona, e os componentes que fazem sentido. Então esse encurtamento do horizonte demonstra justamente como esse trabalho vem evoluindo de uma maneira rápida.

O que vocês viram que não funciona para o novo arcabouço fiscal?

Aquele modelo que quando bate no limite de endividamento automaticamente gera um congelamento do gasto primário ou uma tentativa de corte automático do gasto. Há um consenso, independente da linha de pesquisa ou ideológica, que isso tende a gerar muitos problemas do ponto de vista operacional.

No que há consenso?

Que tenha um componente que possa suavizar o ciclo econômico, não acentuá-lo. Ter qualquer tipo de comportamento que permite gastar mais no momento em que está crescendo a arrecadação ou que impor cortes justamente quando vem caindo a atividade econômica, é pouco desejável. A literatura fala bastante de como se consegue criar um “colchão” para não retrair o gasto no momento de uma retração e também um limite para onde ele deveria não crescer, quando está aumentando a arrecadação num ciclo de crescimento.

Poderia explicar como funcionaria, de forma simples?

Vamos ter um componente que permite, simultaneamente, ser anticíclico e oferecer previsibilidade sobre a evolução das despesas. Que possa de alguma maneira fornecer um indicativo correto do ponto de vista das expectativas dos agentes econômicos sobre o comportamento e evolução das despesas e os desdobramentos sobre as demais variáveis, como PIB e relação entre dívida pública e PIB. Uma regra que consiga oferecer essas duas coisas.

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Nada parecido com o teto de gastos?

Não estou falando de um teto de gastos. O Fernando (Haddad, ministro da Fazenda) já estabeleceu todas as críticas, de uma maneira muito clara, ao teto de gastos, que se revelou fracassado para alinhar as expectativas. A ideia é como a gente consegue oferecer um arcabouço fiscal que discuta a qualidade do gasto. A ideia do arcabouço não é só uma regra quantitativa, mas qualitativa. E aí a parceria com a ministra (do Planejamento) Simone Tebet, de como se faz o spending review (revisão de gastos) para reavaliar as políticas públicas e sua eficácia.

Galípolo afirmou que o debate sobre o novo arcabouço fiscal está maduro e terá um componente que oferecerá previsibilidade para a evolução das despesas do governo.  Foto: Felipe Rau/Estadão - 07/02/2018

Haverá uma regra de controle de gastos?

O ministro tem sinalizado uma preferência para que exista também no arcabouço uma regra de gastos, o que faz sentido dentro do que nós temos pensando.

Uma regra que permita o crescimento da despesa acima da inflação?

É. O teto tinha uma ideia de que você tinha só uma recomposição da inflação – ou seja, não tinha o crescimento real. Eu acho que o ministro está cortejando as necessidades demográficas e sociais do País junto com a necessidade econômica de oferecer expectativas benéficas e um componente anticíclico.

Durante a campanha, o ministro já falou de uma regra que permitiria um crescimento das despesas 1,5% acima da inflação. É por aí?

O número em si vai depender muito do que a gente está olhando numa janela para frente, qual é o número do volume de gasto. Eu acho que talvez a regra também não precise engessar os números. Ou seja: que não deve ser para sempre, que os números e metas possam ser revisitados dentro de um intervalo temporal. É importante que isso esteja casado com o planejamento de médio prazo, o que está muito associado com o Orçamento.

O economista Felipe Salto esteve com o ministro Haddad e, após o encontro, antecipou que a trajetória da dívida poderá estar no Plano Plurianual (PPA). Como é isso?

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É importante que o arcabouço fiscal considere a trajetória da relação dívida/PIB em alinhamento com o que se planeja fazer num plano daqui alguns anos. Estamos pensando um arcabouço que prevê gestão da relação dívida/PIB, um componente de avaliação da evolução do gasto e, em cima disso, as premissas que vão estar vinculadas com isso. O PPA tem esse papel importante de sinalizar para onde a gente quer ir enquanto sociedade no médio prazo. É muito importante ter clareza de que o Orçamento é um pilar da democracia. Viver em sociedade implica decidir como é que a gente vai cuidar uns dos outros, na velhice, na doença, na infância, na educação. O Orçamento é o principal instrumento de como é que a gente decide fazer isso.

Como a reforma tributária está conectada ao novo arcabouço? Ele terá um componente de receita?

Fazer um debate que não fique apenas no quantitativo, mas uma discussão qualitativa. Quando se olha para a estrutura de arrecadação e para a estrutura de gastos do Estado brasileiro, é um monstro que é concentrador de renda. Temos renúncias fiscais e outras formas de gastos que precisam ser periodicamente reavaliados para saber se aquelas políticas estão dando os resultados. A discussão qualitativa deve estar inserida na discussão do novo arcabouço fiscal que está junto com a reforma tributária. O que eu aprendi nesses poucos dias aqui na Fazenda é que são poucas as coisas que não são difíceis. Quase tudo que vamos enfrentar será bastante difícil. Mas o ministro Haddad tem muita coragem. E ele adotou a estratégia de trazer esses debates para a luz do sol. O ministro já tomou decisões corajosas, como o pacote de medidas, que envolveram desonerações e reavaliação de despesas.

Como está o diálogo com o Congresso para aprovar as medidas? O presidente da Câmara, Arthur Lira, já falou que não vai aceitar nenhuma regra ‘radical’.

Tem sido excelente. Temos tentado manter o máximo de diálogo. O presidente Lira tem sido muito parceiro e super atencioso. Temos tentado ficar o máximo possível à disposição dele para poder esclarecer todos os pontos que são necessários. Assim como também ficamos à disposição do presidente (do Senado) Pacheco para poder escutá-los.

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Como está caminhando a execução do pacote anunciado para reverter o déficit?

Está caminhando bem. Foi um pacote que, logo que ele foi anunciado, houve boa recepção pelo mercado, seja do ponto de vista das falas dos agentes de mercados, seja nas medições de risco do País e nas taxas de juros de longo prazo. Continuamos perseguindo zerar o déficit algum momento ao longo 2024 e que nesse ano daria alguma coisa em torno de 1% do PIB de déficit.

O governo vai voltar a cobrar os impostos federais sobre os combustíveis, já que a desoneração termina agora no dia 28 de fevereiro?

A informação que nós temos hoje é de que sim: a desoneração termina agora no dia 28. Se você olhar tecnicamente do ponto de vista econômico, vai existir tanto do ponto de vista ambiental uma crítica a ser feita sobre a questão do combustível fóssil; e do ponto de vista social, também você vai fazer a discussão de qual é o impacto, se seria um esforço fiscal que está sendo direcionado da maneira adequada ou não. Mas, como a gente percebeu, o País está agora numa situação relativamente mais pacificada, mas no dia 8 (de janeiro) ocorreram os eventos que ocorreram e com certeza o núcleo político que analisa todas as decisões coteja uma série de informações que transcendem simplesmente as decisões técnicas e econômicas.

Mas agora a decisão é de reonerar?

No momento, como está no ponto de vista legal, no dia 28 se encerra o subsídio sobre gasolina. É isso que a gente tem colocado no momento. Mas sempre essas avaliações são considerando uma série de outras perspectivas para além da econômica.

A correção da tabela do Imposto de Renda, que a princípio ficaria para o ano que vem, entrou no pacote que vai ser anunciado em breve pelo presidente Lula, junto com o reajuste do salário mínimo e o Desenrola. Como esse pacote se encaixa na agenda do Ministério da Fazenda?

Vamos começar pelo caso do Desenrola. A gente tem uma situação bastante complexa do ponto de pessoa física. Praticamente 40% da população economicamente ativa está negativada do ponto de vista de crédito. São em torno de 70 milhões de pessoas marginalizadas do processo de crédito. É uma situação muito grave e preocupante. E praticamente metade dessas negativações ocorreram nos últimos 12 meses, o que demonstra que essa deterioração vem ocorrendo de maneira bem acelerada e rápida nos últimos meses – o que demanda uma ação rápida por parte do governo. Por isso que desde o início, tanto o ministro Haddad quanto o presidente Lula têm cobrado que a gente consiga dar uma resposta a partir do Desenrola para produzir algum tipo de alívio para essas famílias e pessoas que estão endividadas. E as outras medidas também se inserem sob essa mesma lógica. Então, desde a medida que foi tomada com a questão do Imposto de Renda para permitir que as pessoas que recebem até em torno de R$ 2.640 não sejam oneradas e também a questão do salário mínimo estão alinhadas na mesma direção: de tentar produzir alívio para as pessoas que mais precisam.

A desaceleração do crédito tem preocupado o mercado. Há risco de sequência de falência das empresas?

A gente tem feito esse acompanhamento muito próximo, dialogando com todos interlocutores possíveis, que envolvem desde o setor de empresas até o setor financeiro e a autoridade monetária. Temos dialogado bastante e feito esse acompanhamento de perto para entender como estão sendo as reações, seja em decorrência do custo de crédito, seja em decorrência dos fatos que ocorreram mais recentemente – que, por receio, acabam provocando algum tipo de retração, ou algum zelo adicional que chamamos de política prudencial dos bancos, de reduzir a oferta de crédito. Quase que diariamente eu tenho esse diálogo com eles para acompanhar isso e, simultaneamente, tentando estar preparado com políticas compensatórias.

O que é essa política compensatória?

Se tiver em algum ponto do mercado uma restrição de liquidez que possa gerar algum tipo de problema um pouco mais amplo. Hoje, se você conversar, por exemplo, com a Febraban , ela vai te passar um cenário menos preocupado com pessoa jurídica do que com pessoa física, que é o que nós estamos endereçando com o Desenrola. Isso não quer dizer que nós não estejamos acompanhando também a situação de pessoa jurídica e pensando em programas e políticas adequadas para ter certeza de que, do ponto de vista financeiro, vai se ter uma saúde. O programa Desenrola está saindo na frente justamente porque não só o governo, mas a Febraban sinaliza hoje que a maior preocupação é com pessoa física e não com pessoa jurídica. Mas se você analisar, por exemplo, durante a covid, a gente teve o Pronampe, que foi desenhado justamente para oferecer garantias e garantir que empresas teriam acesso a crédito.

O público do Desenrola é quem ganha até dois salários mínimos?

Na verdade, não é. Há faixas de atendimento. Vão ser atendidas diversas faixas com níveis de esforço fiscal distintos para cada uma das faixas, em termos de garantia ou qualquer outro tipo de estímulo. É como o Minha Casa Minha Vida, que tem faixas de renda distintas e em cada faixa de renda, você percebe tipos de esforços distintos diferentes. O governo está acompanhando, monitorando e formulando para garantir que qualquer tipo de restrição que possa ocorrer não vá produzir uma retração da economia. E nesse sentido, o crédito é a decisão crucial nessa economia, porque essa economia é uma economia que vive do crédito. O governo e a equipe econômica estão totalmente focados em evitar uma crise de crédito no País. Se você pegar todos esses programas, eles são envolvidos com isso: Desenrola, Minha Casa Minha Vida, um novo Bolsa Família, o Imposto de Renda, o salário mínimo... todos eles são rios que correm para o mesmo mar. Eu acho que todas as lógicas de antecipação estão associadas a isso.

Como assim?

Por exemplo: o ministro Haddad tem convicção de que a apresentação da nova regra fiscal também colabora para dar uma previsibilidade no cenário de médio e longo prazo – o que pode permitir, inclusive, que o mercado derrube as taxas de juros longas no mercado secundário. Uma suavização nas taxas de juros longas permite uma melhoria no ambiente de liquidez para as empresas que captam, porque determinam o benchmark para todas as empresas. Então, perceba que o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Desenrola, Imposto de Renda, salário mínimo, regra fiscal antecipada e uma reforma tributária convergem para o mesmo sentido.

Há risco de recessão em 2023?

É muito importante a gente lembrar que o Brasil é uma economia inserida na economia global. Hoje existe muita discussão e todo mundo está olhando para como as autoridades monetárias lá fora vão se comportar no combate à inflação. A gente percebe lá fora certa compreensão das autoridades monetárias, me parece, apesar de a gente estar vendo um discurso duro em algumas declarações de autoridades, de que não se pretende derrubar as economias para uma recessão para tentar combater muitas vezes uma inflação que tem elementos que dificilmente poderiam ser combatidos com uma taxa de juros muito alta ou com custo muito alto para a economia. Do nosso lado, qual é a grande vantagem? O Brasil tem um mercado grande, com capacidade de responder rapidamente. Daí a importância dos programas que a gente listou, que num prazo curto já estão formulados e já estão sendo colocados em prática. Então, tudo isso contribui para que não haja uma retração econômica, pelo contrário: a gente pretende garantir crescimento econômico.

O Banco Central continua sustentando os juros em 13,75% ao ano. O sr. acha que há espaço para iniciar um ciclo de redução?

Na minha leitura da ata do Copom, as medidas foram devidamente reconhecidas, que colaboram para essa sinalização, para as expectativas dos agentes de mercado, que permitem uma redução na taxa de juros ao longo de toda a curva.

Como está a discussão sobre a meta de inflação?

Eu acho que ela foi feita de maneira pública. O presidente falou sobre ela e acho que tem muita literatura sobre o tema também. E aí é um debate para o Conselho Monetário Nacional.

Falo com ele quase que diariamente. Estou com uma missão corporativa de, até o final do ano, ele ser criticado por todos os grupos bolsonaristas por estar excessivamente próximo à equipe econômica do PT. Essa é a minha missão até o final do governo. Temos muito diálogo com ele. Boa parte desse processo de monitoramento a gente faz em conjunto com ele.

Mas esse fogo cruzado entre o governo Campos Neto não atrapalha o trabalho do Ministério da Fazenda?

Isso é democracia. O presidente tem 60 milhões de votos. Ele tem autoridade para falar e conhece muito, já foi presidente duas vezes. Então, ele tem muita tranquilidade para falar sobre todos esses temas. Os debates vão ocorrer e economia é um tema que sempre é muito acalorado.

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O ministro Haddad também tem se demonstrado muito insatisfeito com o patamar dos juros.

Eu acho que ninguém quer juros de 13,75%, mesmo para o mercado financeiro, não só para as empresas. O mercado financeiro assistiu a um crescimento do mercado secundário, no mercado de emissões de título de dívida, de acesso ao que a gente chama de mercado de capitais. E há uma dinâmica que é bastante importante: o valor dos ativos sofre com elevações da taxa de juros, porque é calculado enquanto um valor presente que desconta as receitas futuras esperadas que aquele ativo vai gerar a valor presente. Então, quanto mais alta essa taxa, menor o valor presente. Não é aquela dinâmica que muitas vezes aparece, de que juro alto é benéfico para o mercado de capitais, o mercado financeiro. Isso não é uma verdade absoluta. Eu tenho certeza de que todo mundo quer uma taxa de juros menor. E acho que o que o Ministério da Fazenda vem fazendo é construir as condições para que o juro seja mais barato – não só a taxa Selic, mas a taxa de juros que chega para população, para as empresas, na ponta. E que isso esteja alinhado com um projeto que está sustentado nesses três pilares: desenvolvimento econômico, social e ambiental.

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