Para o economista e filósofo Eduardo Giannetti, haverá um ganho para a discussão dos problemas brasileiros se a eleição presidencial de 2026 não contar com a participação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
“Ficarei extremamente aliviado se tivermos uma eleição sem Lula e Bolsonaro. E, assim, virarmos, de uma vez por todas, a página dessa polarização emburrecedora que tomou conta do Brasil”, afirma.
Hoje, ele avalia que a próxima disputa eleitoral nacional se desenha com as participações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“Há um risco nesse cenário que é um candidato vindo por fora, contra tudo isso que aí está, propondo uma grande aventura. Torço e rezo para que não aconteça, mas alguém tentará.”
A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
O pacote de contenção de gastos já era criticado e foi desidratado no Congresso, que também joga duro para manter as suas emendas. Até que ponto o Brasil está refém dos lobbies?
Sem uma estrutura partidária mais enxuta e com a qual se possa negociar programaticamente, o fisiologismo domina o Congresso. Você entra no corpo a corpo de negociação para cada medida e se estabelece uma relação de chantagem. Se não liberar emendas ou não aceitar a concessão de cargos e benefícios, não se vota. O Brasil tem mais de 30 partidos políticos. Hoje, não tem, de fato, nenhum. Temos acordos oportunistas entre representantes eleitos que defendem interesses e representam grupos de interesse no Congresso. Não dá para governar o País sem o mínimo de organização partidária que seja uma interlocutora de programa, não de fisiologismo.
Essa reforma política é imprescindível para melhorar a qualidade da governança brasileira e há uma tendência ao longo do mandato que se repete desde a redemocratização. O Executivo começa com capital político integral e, à medida que ele se enfraquece, o Congresso vai percebendo a fragilidade e vai aumentando o preço da governabilidade. E quando termina o mandato, o Executivo está de joelhos, e o Congresso está se fartando, porque ele está com a faca e o queijo na mão. Ele está com a faca no pescoço do Executivo, e, às vezes, até com a ameaça de impeachment, como foi o caso do Bolsonaro; do primeiro mandato do Lula, depois do mensalão; ou o caso do próprio Fernando Henrique quando foi a campo para aprovar a emenda da reeleição. O Congresso ficou completamente empoderado. Terminou com o Renan Calheiros ministro da Justiça no governo Fernando Henrique.
Como é que o sr. vê o quadro político que se desenha para 2026?
Agora, eu vou responder como cidadão eleitor brasileiro. Ficarei extremamente aliviado se tivermos uma eleição sem Lula e Bolsonaro. E, assim, virarmos, de uma vez por todas, a página dessa polarização emburrecedora que tomou conta do Brasil. Será uma conquista se vivermos um ciclo eleitoral em que se possam discutir de maneira mais objetiva e sem a exacerbação das paixões polarizadas as propostas para os problemas brasileiros. A polarização é um enorme ruído e que nos tira até a capacidade de focar nas questões que realmente importam. Se tivermos uma eleição sem Lula e Bolsonaro, eu acredito que o horizonte político brasileiro desanuvia.
O caminho natural que está se desenhando será uma disputa entre Fernando Haddad e Tarcísio (de Freitas). Esse é o caminho natural que, na minha leitura, se desenha para eleição de 2026. Há um risco nesse cenário que é um candidato vindo por fora, contra tudo isso que aí está, propondo uma grande aventura. Torço e rezo para que não aconteça, mas alguém tentará. E aí entra um elemento de imponderabilidade da política. De repente, surge. Vimos um esboço disso, um ensaio disso na eleição municipal em São Paulo.
E qual o impacto que esse quadro econômico de hoje pode ter nessa eleição?
Depende do desfecho dessa crise financeira. Se ela reverter, como acredito que reverterá, continuarmos com um crescimento razoável, desemprego baixo, setor externo equilibrado, e as questões de fundo, pelo menos amadurecendo no debate, acho que a gente pode ter uma boa eleição, não muito conturbada e com uma renovação das lideranças políticas brasileiras.
Estamos vendo um experimento radical na Argentina com o Milei. São situações distintas, mas muita gente compara Argentina e Brasil. Como o sr. analise o governo Milei e esse experimento?
Ele quebrou um certo consenso paralisante na Argentina. Agora, a Argentina precisou chegar ao mais fundo do poço para que isso acontecesse. A queda do PIB este ano da Argentina deve ser da ordem de 3,5%. Há algum avanço na questão inflacionária, mas ela está longe ainda de ser debelada. E a pobreza na Argentina chegou a patamares históricos sem precedentes. Em algum momento, a economia reage. A economia naturalmente vai reagir. É um anticorpo natural de um organismo. Será que precisava de um sofrimento e um custo tão elevado quanto o que os argentinos estão pagando para ter esse movimento de reação?
E como o sr. analisa a volta do Trump ao poder?
Eu não sei se torço para ele cumprir ou não cumprir o que ele prometeu na campanha (risos). Vamos supor que ele cumpra o que prometeu na campanha: guerras comerciais, taxação de 60% para tudo que os Estados Unidos importam da China, taxação de 10% a 20% de tudo que os Estados Unidos importam do resto do mundo, expulsão compulsória de 11 milhões de imigrantes ilegais. Isso vai ter um efeito desastroso na economia americana. É inevitável — eu raramente uso essa palavra —, mas é inevitável o impacto inflacionário de ordem expressiva na economia americana se isso for feito. E aí o banco central (o Federal Reserve) vai ter de aumentar o juro. E com o impulso autoritário dele, talvez ele tente interferir politicamente no banco central. E aí pode ser que tenha uma crise de confiança na dívida pública americana. Estou falando só na economia, sem entrar em geopolítica, que é outra questão muito preocupante. Mas se ele implementar o que prometeu na campanha, esse ânimo todo dos mercados, que é de curtíssimo prazo, vai se reverter numa profunda desconfiança em relação ao dólar e à economia americana.
E na geopolítica?
Na geopolítica, muito sinteticamente, um sinal que o Trump emite é para os rogue states (Estados vilões). Eles vão testar o compromisso do Trump com seus aliados no Ocidente. Talvez, o primeiro candidato seja Taiwan. A China com Taiwan. A Coreia do Norte vai testar, a China vai testar. Todos os Estados que se contêm por conta de uma ameaça de apoio americano aos aliados tradicionais vão se sentir, pelo menos, tentados a ver se esse compromisso — que se manteve até aqui nos Estados Unidos governado pelos Democratas — sobrevive.
E o que é lamentável também é o esvaziamento de todos os fóruns multilaterais. É uma política isolacionista e um imperialismo quase despudorado. O que ele disse sobre os Brics, que, se ousarem evitar o uso do dólar nas transações que fazem entre si, isso gerará medidas punitivas e protecionistas, é o retorno ao mais primitivo imperialismo americano do início do século 20. Na área ambiental, felizmente, muito dessa política nos Estados Unidos está a cargo dos Estados, não do governo federal. Mas as empresas petrolíferas vão se sentir de novo na crista da onda, assim como a indústria automobilística tradicional com os carros movidos à gasolina e a diesel. Abre um flanco de incertezas e imponderáveis muito preocupantes em relação ao ano que vem.
O sr. já comentou que vê muitas semelhanças do cenário atual com os anos 30. Ainda vê isso?
Essa ascensão de uma direita populista nacionalista é muito parecida com o que ocorreu no mundo nos anos 30. O que chama muita atenção é que não é um país ou outro. É um movimento sincrônico em muitos países do mundo. Sinal de que tem forças subjacentes que ganham colorido próprio em cada contexto nacional, mas que estão atuando em todos eles. Os pontos comuns? O crash financeiro de 1929, aqui foi 2008 e 2009. O enfrentamento entre uma potência emergente, que era a Alemanha, e uma potência incumbente, que era a Inglaterra, no cenário europeu. O período de mudança tecnológica muito exacerbado e o medo do futuro, que é tudo o que a direita populista radical gosta. É com base nesse medo do futuro e na ideia de voltar ao passado perdido, dourado, que ela sabe se beneficiar melhor do que ninguém.
Uma das coisas que favoreceu demais a ascensão do nazismo e do Hitler na Alemanha foi que o Hitler descobriu muito antes dos seus rivais o potencial político do rádio e do cinema. Eram as tecnologias novas, assim como um Trump e um Bolsonaro fizeram com as mídias sociais. Eles souberam usar com muita habilidade, bem antes dos seus rivais. Eu não consigo conceber Trump e Bolsonaro sem mídia social.
São ambientes altamente polarizados, em que se perde o pé da realidade e as paixões passam a dominar e a reforçar o viés de confirmação. Cada lado só escuta o que lhe favorece e o que demoniza o oponente. E se perde totalmente a capacidade de avaliar os reais problemas e como enfrentá-los. O desastre foi a Segunda Guerra Mundial.
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