Para ter paz e barrar crise climática, mundo precisa colocar dinheiro no agro, diz CEO da JBS

Gilberto Tomazoni aborda, em entrevista ao Estadão, desafios do Brasil e dos países do G-20 para aumentar produtividade na agricultura

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Foto do author Beatriz Bulla
Atualização:
Foto: Márcio Fernandes/Estadão
Entrevista comGilberto TomazoniCEO da JBS

Sem aumentar substancialmente o investimento na transformação da agricultura global para um sistema regenerativo, o mundo não conseguirá enfrentar dois de seus principais desafios: a insegurança alimentar e a fome e a crise climática. Quem diz é o empresário Gilberto Tomazoni, CEO da JBS. Tomazoni liderou a força tarefa sobre sistemas alimentares sustentáveis e agricultura do B-20, o braço empresarial do G-20.

Ao longo de 2024, portanto, articulou com empresários dos demais países as três recomendações do setor privado aos governos, que incluem ações para aumento de produtividade, financiamento da agricultura regenerativa e demandas sobre o sistema de comércio global.

“Do jeito que produzimos hoje, estamos gerando 25% das emissões globais (com a produção dos) alimentos. Quando você usa as práticas regenerativas e aumenta a produtividade, você pode produzir até 15 vezes mais e, ao invés de estar emitindo (carbono), está capturando os gases de efeito estufa. Por que estamos falando desse dinheiro todo? A agricultura regenerativa tem capacidade de capturar de 9% a 23% de todas as emissões globais”, diz ele, em entrevista ao Estadão.

(Sem investimento no agro) Você não vai atacar a pobreza, o mundo vai ficar cada vez com maior diferença, vai fomentar ainda mais a migração e os países já estão com o um problema de imigração. Não vai ter o que fazer, as pessoas vão se mover. E vai ter guerra, porque a fome leva (ao conflito)”, diz o CEO da JBS.

De acordo com o documento do B-20, elaborado pelo grupo coordenado por Tomazoni, alcançar a transformação necessária nos sistemas alimentares e capturar os benefícios dessa transformação requer um volume de financiamento significativamente maior em comparação com os níveis atuais. A estimativa é de algo entre US$ 300 bilhões e US$ 350 bilhões por ano até 2030.

O documento da força-tarefa de sistemas alimentares do B-20 foi elaborado em parceria com a consultoria Bain. “O Brasil está bem-posicionado para avançar numa agricultura e pecuária de baixo carbono”, afirma Daniela Carbinato, sócia da Bain & Company e líder de ESG para Bens de Consumo nas Américas. “Casos de integração lavoura-pecuária-floresta têm resultado em ganhos de produtividade através da aplicação de práticas regenerativas. Além disso, há indícios de que a capacidade de fixação de carbono no solo em agriculturas tropicais é maior do que em regiões temperadas, indicando que o Brasil conseguiria ser mais competitivo no mercado de carbono”, diz Carbinato.

O Estadão publica, desde segunda-feira, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

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Leia abaixo a entrevista:

O B-20 fala, no documento sobre sistemas alimentares, que é preciso construir modelos de financiamento para apoiar a transição da agricultura para sistemas sustentáveis e impulsionar a produtividade no setor agro. Em qual situação o Brasil está, se comparado aos demais países, nessas questões?

Temos uma diferença grande de produtividade entre a agricultura de alta performance com a agricultura rural, vamos chamar assim. Isso ocorre no mundo inteiro. Por isso, essas recomendações que encaminhamos servem para todo mundo, porque todo mundo tem de fazer a mesma coisa: aumentar a produtividade, principalmente no pequeno produtor. O grande foco é aumentar a produtividade e no Brasil não é diferente. Temos uma agricultura de precisão, de alta tecnologia e, ao mesmo tempo, nós convivemos com uma agricultura familiar rudimentar. O desafio que nós temos é fazer com que essas tecnologias, que já são adotadas por esse grupo de produtores que utilizam de biotecnologia, que utilizam robótica, que utilizam de toda essa cultura de precisão, que as inovações consigam chegar nos pequenos produtores.

Não é que todo pequeno produtor precisa de um robô, mesmo porque algumas tecnologias têm de ter escala para serem aplicadas, mas a grande transformação que temos de fazer é o uso da agricultura regenerativa. Isso é uma questão que pode ser aplicada em qualquer tamanho de produtor. Mas temos algumas barreiras que vão ter de ser ultrapassadas. O principal é a barreira econômica para que o produtor possa aplicar isso. Ele tem de fazer um investimento inicial e, quando o fluxo de caixa já é pequeno porque esse ciclo vicioso de baixa produtividade gera pouco fluxo de caixa, não sobra dinheiro para investir. E aí, a terra vai degradando, degradando, e te obriga a abrir novas áreas para conseguir produzir de novo. Quando a gente resolve isso, também resolvemos uma grande parte da questão do desmatamento, porque o desmatamento ocorre, a maior parte das vezes, porque a procura é de uma área perto daquela área degradada.

E qual o caminho para superar a barreira econômica?

É preciso levar um financiamento, para que ele (agricultor) possa ter o engajamento inicial. Esse financiamento tem de ter um tempo de maturação, além de ser disponível com taxas que viabilizem. As práticas de agricultura regenerativa são mais produtivas, mas elas levam um tempo até que você vai mudando, vai melhorando a resiliência do solo, a biodiversidade do solo. Então não é só ter o dinheiro para essa safra, nós temos de ter um tempo para que isso possa ser feito. A segunda barreira é técnico operacional, para ir lá explicar como fazer isso, e a terceira é social. É preciso convencer as pessoas que isso é melhor do que o que estava sendo feito antes. A iniciativa privada tem feito isso. Nós temos feito isso com o Fundo JBS para a Amazônia, que paga assistência técnica para dar aquela primeira escala de recuperar o solo.

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Vejo que a velocidade em que isso vai ocorrer vai depender do nível que nós vamos conseguir de disponbilidade de recursos e do nível de condição de levar assistência técnica, porque é um desafio também levar a assistência técnica até lá, para os pequenos e para os médios.

O B-20 diz que é necessário ter de US$ 300 a US$ 350 bilhões, por ano, até 2030. Quais são os riscos desse investimento não ocorrer? Porque estamos falando de questão ambiental e também de insegurança alimentar.

Já temos, hoje, 2,3 bilhões de pessoas que enfrentam de média a severa restrição alimentar. Esse é um fato. Sabemos também que têm 735 mil pessoas que realmente passam fome. Se não conseguirmos aumentar a produtividade, os alimentos vão ficar menos acessíveis. Vai ter de produzir mais, a demanda vai aumentar, o preço vai subir. O único jeito de nós conseguirmos tornar os produtos mais acessíveis é aumentando a produtividade.

Temos essa questão de alimentar essa população crescente que está aí e que já hoje já passa fomo. Se nós não conseguimos aumentar a produtividade, possivelmente, essa questão vai se agravar. Vai se agravar mais em um país, menos em outro país, mas vai se agravar. A outra questão é a questão de que se nós não fizermos esse trabalho regenerativo, o planeta vai perdendo a capacidade de se regenerar. Se não aumentarmos a resiliência do solo, nós vamos perdendo a capacidade de produção, você vai precisar cada vez colocar mais e mais fertilizantes em um processo degenerativo do planeta.

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Do jeito que produzimos hoje, estamos gerando 25% das emissões globais (com a produção dos) alimentos. Quando você usa a práticas regenerativas e aumenta a produtividade, você pode produzir até 15 vezes mais e, ao invés de estar emitindo (carbono), está capturando os gases de efeito estufa. Por que estamos falando desse dinheiro todo? A agricultura regenerativa tem capacidade de capturar de 9% a 23% de todas as emissões globais. Porque onde se captura carbono? Estocando ele nas raízes das gramíneas, no tronco das árvores.

Vamos ter um problema ambiental que vai ficar sério, vamos ter de começar a enfrentar cada vez mais catástrofes naturais, elas vão ocorrer com muito mais frequência, com muito mais intensidade. Os países não estão preparados para isso. O dinheiro que vai ser gasto para fazer frente a isso vai ser muito maior do que o que temos de investir agora para que isso não aconteça. E, hoje, a agricultura tem aí 30% dos empregos e 65% dos trabalhadores da agricultura são pobres. Se fizermos esse investimento, vamos levar a riqueza para esses produtores. Por exemplo, no caso do (projeto) do Fundo JBS para Amazônia, conseguimos aumentar em quatro vezes a receita deles. (Sem investimento no agro) Você não vai atacar a pobreza, o mundo vai ficar cada vez com maior diferença, vai fomentar ainda mais a migração e os países já estão com o um problema de imigração. Não vai ter o que fazer, as pessoas vão se mover. E vai ter guerra, porque a fome leva (ao conflito). Se você olhar para trás, a invasão dos bárbaros acontecia exatamente por busca de recurso. Se se quer paz, vai ter de trabalhar isso.

No Brasil, talvez estejamos na frente na disputa para essa questão dos chips, da questão da inteligência artificial, mas podemos ser protagonistas na biotecnologia e nessa revolução verde.

O Brasil tem sido capaz de se colocar como líder nessa questão?

Eu acho que está assumindo parte (dessa liderança), mas pode se destacar e ser o grande líder desse processo todo de transformação. Se você olhar, no mundo, quem é que pode produzir mais sem aumentar a área? Nós. O governo fala em 40 milhões de áreas degradadas. Podemos aumentar (produção) sem abrir nenhum espaço adicional de área.

Gilberto Tomazoni, CEO da JBS Foto: PAULO VITALE

Qual fatia o agro captura de investimento verde? Quando se pensa em investimento sustentável, não se pensa imediatamente na agropecuária. A que o sr. credita isso?

De todo investimento que tem sido feito nas mudanças climáticas, menos de 4% tem ido para os sistemas alimentares. Se pegar a agricultura, especificamente, é talvez 1,7%. Realmente, não têm sido priorizados os investimentos no agro, sabendo que o agro pode capturar, como eu falei, de 9% a 23% das emissões, então parece ilógico. Os investimentos têm sido muito focados na questão da transição energética. Olhando os investimentos, a grande maioria é focada em mudar a matriz energética. No Brasil, grande parte da matriz energética passa pelo agro, biodiesel, etanol de milho.

Os biocombustíveis estão ligados com a produção de alimentos. O investimento que o Brasil faz em biocombustível é um investimento que está acoplado ao desenvolvimento do agro, e eu acredito que passamos pelo agro para combater os grandes desafios da humanidade – segurança alimentar, climático. Tem de ter uma mudança significativa de investimento no agro, mas de onde é que vem o dinheiro?

NSabemos que se levamos um número muito grande de recomendações ao G-20, corremos o risco de sair sem adoção de nada. Então colocamos três recomendações e, dentro de cada uma, duas policy actions, como chamamos. E 70% do que sugerimos está dentro da carta final dos ministros de agricultura do G-20. O setor privado e o governo estão falando a mesma coisa.

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O que ficou de fora?

Coisas mais inovativas que nós propomos lá, como financiar, que é o pagamento dos serviços ecossistêmicos. Entendo que é uma coisa nova ainda, que não tem parametrização, que tem um trabalho enorme para ser feito, mas sabemos que a agricultura regenerativa captura carbono. Está claro que pode se pagar por esse tipo de serviço, se o cara está conservando. O desafio é como se faz, qual a garantia disso, como é que se calcula isso, como ter um framework baseado na ciência, mas ele é fundamental.

É uma coisa que deveria ser bem aceita por todo mundo. E foi. Eu falei com seis ministros de agricultura do G-20 e todo mundo aceita, o problema é que o conceito é novo. Os países mais desenvolvidos, é o jeito de eles ajudarem a gente a combater (mudanças climáticas).

Mas sem esse pagamento de serviços ambientais a partir de agora, dá para chegar nesses US$ 300 bilhões a US$ 350 bilhões de investimento no agro?

É um monte de dinheiro, né? Eu não sei.

Quando vemos que o planeta está aquecendo e que a gente tem de combater, é uma questão de priorizar. O dinheiro é muito, mas, se for priorizado, eu acredito que é possível que tenhamos esse dinheiro disponível. Uma das maneiras de fazer isso é através dos pagamentos de serviços ambientais, o crédito de carbono. Pode ser uma maneira de você encontrar um caminho que não seja o caminho do subsídio, que um pagamento efetivo de um serviço feito para a humanidade baseado na ciência.

Fazenda em Paragominas no interior do estado do Pará. A cidade, principal pólo agropecuário na Amazônia, já esteve na lista negra do Ministério do Meio Ambiente como um dos que mais desmatavam a floresta amazônica. Com agricultura regenerativa, tem reduzido o desmatamento e recuperado áreas remanescentes da floresta amazônica e aumentar a produtividade por hectare das propriedades - FOTO - DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO Foto: DANIEL TEIXEIRA

Como tem sido o diálogo com o governo brasileiro?

O governo brasileiro teve uma grande recepção (às propostas do setor privado) e se abriu para debater, para que a gente pudesse questionar o que, inclusive, eles estavam propondo e eles incorporaram as nossas recomendações.

E como falei, 70% do que recomendamos foi aceito pelos ministros da agricultura. Obviamente isso terá de ser validado pelos chefes de Estado, mas é muito positivo o que eu acredito.

Há ainda uma recomendação feita pelo B-20, no documento sobre sistemas alimentares, sobre comércio e sobre a OMC. Os srs. falam na necessidade de os países adotarem medidas baseadas na ciência para permitir adoção de práticas sustentáveis.

É uma questão que transcende a questão dos sistemas alimentares. Colocamos a questão do trade, para que ele fosse um instrumento para que a gente pudesse tratar a questão da segurança alimentar. Os ministros do G-20 incorporaram isso. Mas, dentro da sugestão, colocamos que ele fosse baseado na ciência e isso (trecho sobre se basear na ciência) não entrou. Eu entendo que tem todo um complexo político, do que é e não é uma coisa baseada na ciência, de ‘vamos definir a ciência’, mas se fosse baseado na ciência, os alimentos deveriam ter livre comércio baseado em critérios, deveriam ser instrumentos e acelerar a adoção de práticas sustentáveis e deviam ser objeto também de transferência de tecnologia.

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Se entendermos o comércio dos alimentos como um agente de transferência de tecnologia, como um elemento para acabar a segurança alimentar, ele deveria ser priorizado por todos os países. O que vemos é a OMC perdendo a importância ao invés de ganhar importância. Depois da pandemia, vamos cada um querendo ser autossuficiente na produção de alimentos, na produção de energia. Os líderes devem ter um nível de abstração e não pensar em si, pensar no planeta como um todo.

Há forte reação da comunidade internacional quando o Brasil tem alta no número de queimadas, por exemplo. E o desmatamento no País é muito associado à agropecuária. O sr. sentiu resistência ao dialogar com os demais países?

Os ministros que vieram ao Brasil e com quem eu tive a oportunidade de conversar foram muito mais em cima de propostas. Vi todo mundo preocupado com a questão climática, menos com a questão de criticar, de dizer se o Brasil pode fazer mais ou não pode fazer mais.

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