A presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, disse que “as regras fiscais não podem se sobrepor à responsabilidade social” e que o equilíbrio fiscal do governo “tem que ser comedido”, em entrevista exclusiva concedida ao Estadão/Broadcast.
Após sete anos no comando do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a deputada federal do Paraná quer que o seu sucessor na legenda siga comprometido com as bases da sigla e vê “suicídio político” se o governo deixar de lado bandeiras históricas, como sugere o mercado financeiro. “Isso nos tira a eleição, mais do que essa especulação do dólar”, afirmou.
Na semana passada, a sua tese de que há um “ataque especulativo” contra a economia brasileira foi contrariada pelo próprio futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que disse que o termo não descreve bem o que ocorre atualmente.
“Ele está tendo essas posições muito pelo constrangimento construído pelo Campos Neto”, disse Gleisi no trecho da entrevista publicado pelo Estadão/Broadcast na quinta-feira, 19, quando a deputada conversou com a reportagem. Gleisi também disse que a tarefa imediata do BC é ter política de redução de juros e que não vai aliviar para Galípolo nas críticas.
Veja outros trechos da entrevista:
A senhora tem falado na existência de um ataque especulativo como um dos principais fatores para a alta do dólar. Ataque especulativo não é uma teoria da conspiração?
Não é uma teoria da conspiração, é uma disputa política com o governo. O que o mercado queria, além dessa redução das despesas em R$ 70 bilhões? Queria que desvinculasse o salário mínimo da Previdência e do BPC, que cortasse os pisos da saúde e da educação, que o salário não tivesse reajuste real. Isso é pedir um suicídio político. Não temos uma bagunça fiscal. No ano passado, houve déficit de R$ 230 bilhões. Este ano, o déficit vai ser de R$ 30 bilhões. Onde está o desajuste? Com os juros da dívida, que, a cada ponto porcentual, aumenta quase R$ 50 bilhões. Nessa toada, vamos ter uma dívida explosiva.
Sobre o pacote fiscal, está convencida de que não haverá cortes de direitos sociais?
Não haverá. Fizemos uma boa revisão do projeto de lei apresentado, em termos principalmente do BPC. O benefício está garantido. O peso vai ser na fiscalização, na biometria, no recadastramento. Tinha vários pontos ali que achamos que não eram bons, e a gente conseguiu retirar.
A necessidade de cumprir o arcabouço fiscal tem feito bem ao governo?
A gente precisa ter equilíbrio fiscal, mas ele tem que ser comedido. Ele não pode matar as políticas públicas que nós defendemos historicamente e que fazem a diferença na vida do povo. Não dá para desvincular salário mínimo da Previdência, não dá para não ter reajuste real de salário mínimo, nem para tirar o piso da saúde e da educação. As regras fiscais não podem se sobrepor à responsabilidade social que o governo tem.
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O dólar alto e os juros prejudicam a imagem do Lula para 2026?
Isso vai prejudicar o Brasil. Não é o Lula. O governo já está entregando, está cumprindo. Não pode deixar de ter as políticas públicas com as quais tem compromisso. Isso nos tira a eleição, mais do que essa especulação do dólar.
Em uma reforma ministerial, o governo tem que ampliar mais a frente ampla?
Eu não sei o que o presidente vai fazer, não conversou comigo a esse respeito. Mas acho que os partidos que fazem parte do governo já atestam o pré-compromisso eleitoral com o presidente. O governo já tem uma amplitude. Se puder ampliar, eu não vejo problemas nisso. É importante.
A senhora aceitaria ser ministra?
Nunca conversei sobre isso com o presidente Lula. Isso não está na minha perspectiva. Eu vou levar o PT até julho de 2025.
Há perspectiva de área que a senhora poderia contribuir?
Não, até porque, depois, sobra um período muito pequeno, eu vou ser candidata de novo à reeleição a deputada, não teria nem como. E acho que todos que entrarem no governo a partir de agora têm que ter compromisso com o governo e com a reeleição do presidente, não com a sua própria.
Qual a preocupação que gostaria que se mantivesse na próxima gestão do PT?
Nossa maior preocupação era salvar o PT do cerco de aniquilamento que sofremos. Passamos os últimos anos defendendo o presidente Lula, preso injustamente, e nos defendendo. Foi muito duro, e a gente se ancorou muito na nossa militância. Esse trabalho com a base do PT é fundamental, não pode ser esquecido.
Como tem visto esse movimento em favor do Edinho Silva?
Acho legítimo. O Edinho tem legitimidade para se apresentar como candidato, e outros nomes também. O que importa, mais do que discutir o nome, é a ação programática. O partido tem que atualizar os seus posicionamentos, reafirmando que somos um partido de esquerda. Não somos um partido que vai ao centro, somos um partido que faz alianças com o centro. Até com a direita, fizemos em defesa da democracia. Mas somos um partido de esquerda.
O PT desistiu de revisar a reforma trabalhista e da Previdência?
Não desistimos, só não temos correlação de forças. Olha o Congresso Nacional. Temo que, se a gente colocar esses assuntos para discutir, eles possam piorar. Não há correlação hoje para desconstruir o que foi feito. A gente tem que ir achando brechas. O que estamos tentando é resistir a mais desmantelamentos.
A senhora acha que a esquerda tem errado em algum ponto?
Temos que eleger mais deputados. Crescemos em 2022, mas, no geral, a esquerda não cresceu, porque temos um padrão que favorece a reeleição, com essa dinheirama toda de emenda parlamentar. Temos que pensar como agir.
A extrema direita está mais popular hoje?
É um ciclo histórico. Tivemos fascismo no Brasil, com Plínio Salgado e os camisas verdes. A esquerda era forte também. Com o golpe militar, veio o enfraquecimento da esquerda, mas ela conseguiu se reconstruir. E nasce, desse esforço, o PT e uma forte ascensão da esquerda. É nesse caldo que o PT elege Lula. É um período longevo com a direita na casinha. Com o impeachment da Dilma, começa o enfraquecimento da esquerda e um crescimento da direita. Tem uma onda da extrema direita. Ela vai passar.
A saúde do Lula deixa desespero sobre não ter liderança em 2026?
Não. Não é a condição da saúde do presidente que nos assusta. Teve o acidente, mas ele está bem. Nós queremos que ele seja o nosso candidato. Se ele não quiser, vai ter que delegar a alguém. Mas ele é o candidato que tem condições de disputar as eleições de 2026 e vai chegar bem lá.
Qual o seu grau de preocupação em relação a 2026?
É grande. Estamos numa disputa política muito acirrada, numa sociedade muito dividida. A gente não pode errar, tem que focar naquilo que é a prioridade do povo. Mas não estou falando em relação à saúde do presidente, estou falando do panorama político. A questão da saúde é um ponto de atenção, mas não uma extrema preocupação.
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