O chefe de pesquisa para América Latina do banco BNP Paribas, Gustavo Arruda, não descarta que a Selic - atualmente em 12,75% ao ano - pode ficar próxima do patamar de 10% se a economia dos Estados Unidos não desacelerar e permitir uma queda das taxas de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano).
“Temos um cenário base de 8,5% de juros no Brasil. Esse número pressupõe uma desaceleração da economia americana, uma percepção que os juros americanos vão cair em algum momento”, afirma.
Hoje, a previsão do banco é de um início de corte de juros pelo Fed em junho do próximo ano, mas Arruda reconhece que o cenário alternativo, de juros altos nos EUA - e, portanto, de uma Selic mais elevada - aumentou nas discussões internas do banco.
“Nos debates que fazemos dentro do banco, o cenário básico pressupõe uma desaceleração no primeiro e no segundo trimestres do ano que vem. Mas, conforme os dados vão saindo, a gente começa a se questionar se isso vai acontecer.”
Em relação ao impacto da questão fiscal no Brasil sobre os juros, Arruda acredita que essa discussão não deve ser tão importante nas próximas reuniões do Copom, até porque a inflação está numa trajetória benigna. Para ele, a dinâmica fiscal não deve ser resolvida neste governo, nem parece que isso é o foco. “O que foi apresentado (pelo governo) é para que as pontas fiquem relativamente equilibradas, com um monte de desafio no meio do caminho até o final do governo.”
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.
Qual é a leitura da piora do cenário internacional nas últimas semanas?
Tem dois lados para a gente discutir. Tem o lado dos Estados Unidos nessa história, e tem o lado mais recente das ações envolvendo Israel e Hamas. Pensando do lado norte-americano, um ponto interessante é a percepção de que a economia americana não desacelera. Nos debates que fazemos dentro do banco, o cenário básico pressupõe uma desaceleração no primeiro e no segundo trimestres do ano que vem. Mas, conforme os dados vão saindo, a gente começa a se questionar se isso vai acontecer. Um pouco do que a gente viu dos movimentos recentes, da curva de juros americana que nos afeta diretamente, vem dessa nossa percepção de que o nível de juros atual pode não ser suficiente ou que, se for suficiente, terá de ficar parado um tempão.
Esse cenário pode afetar a expectativa para a política monetária do Brasil?
Temos um cenário base de 8,5% de juros no Brasil. Esse número pressupõe uma desaceleração da economia americana, uma percepção de que os juros americanos vão cair em algum momento.
E se isso não ocorrer?
Se a gente vai para um cenário alternativo, em que isso não acontece, provavelmente, os juros ficam mais próximos de 10%. Esse lado americano da história acaba sendo relevante. Uma maneira simples de tentar explicar é que, com os juros da economia americana muito altos, o desafio é você ser interessante o suficiente para o aporte do investidor estrangeiro. Juros (altos) lá, normalmente, implicam em menos interesse e, portanto, um pouco mais de volatilidade aqui.
Hoje, a previsão ainda é de manutenção de juros nos EUA?
Isso. Manutenção de juros e corte a partir de junho (de 2024).
Mas esse cenário alternativo tem crescido?
Tem crescido, à medida que os números não mostram desaceleração. De fato, a probabilidade aumentou.
Nesse cenário, o BC teria de parar antes o ciclo de corte de juros?
Enquanto a gente está saindo de 12,75% agora, é difícil imaginar algum cenário com probabilidade relevante para diminuir o passo (de corte da Selic) nas próximas duas ou três reuniões. Mas, à medida que a gente vai se aproximando de 10%, me parece que o cenário global acaba sendo mais relevante. E o câmbio, além da desaceleração da economia, é termômetro que vai nos ajudar a entender se vai para 8,5% ou para 10%. No fundo, o preço do câmbio é o que nos diz se o fluxo dos investimentos está vindo para o Brasil ou não.
E qual deve ser o impacto do conflito entre Israel e Hamas?
O banco vê três possibilidades e estamos trabalhando mais com a de número dois. A primeira é o conflito ficar mais concentrado entre Israel e Hamas, na Faixa de Gaza. Apesar de ser muito ruim humanitariamente, tem menos impacto macroeconômico. O segundo caso — e que parece mais provável — é ter uma contaminação um pouco maior na região. A gente pode começar a ver petróleo um pouco mais volátil. E tem um cenário de mais risco, que é esse conflito se espalhar ainda mais, com o envolvimento do Irã, por exemplo, e de alguns outros países da região. E aí pensando de novo: além dos impactos humanitários, pode haver um impacto no petróleo, com um preço acima de US$ 100 (o barril) e outros desafios do lado macroeconômico.
E as incertezas locais, como a questão fiscal, para o Banco Central cortar os juros?
Tem um debate para onde os juros conseguem ir, menos do que o Banco Central consegue fazer nas próximas reuniões, em novembro e dezembro. Não acho que a discussão do fiscal vai ser relevante para essas reuniões.
Por que sr. faz essa avaliação?
Porque estamos num ambiente de inflação muito benigna. A gente viu os números do IPCA para baixo, com composição boa e perspectiva boa para o próximo mês. Não parece que é um ambiente em que a gente precisa adicionar outros elementos, mas o fiscal entra no debate para estabilização de longo prazo, em qual patamar esses juros conseguem se estabilizar. Tem uma promessa de aumento de despesa que vai precisar ser contrabalanceada de alguma maneira e fica bastante claro que o foco é a ampliação de receita. A minha percepção é que isso está bastante alinhado com o que foi discutido da eleição. Eu acho que tem uma transição. A gente passou os últimos seis, sete anos discutindo muito o fiscal por ter dificuldade de encontrar os caminhos. Me parece que estamos num segundo momento em que, dada a discussão da eleição, a gente vai ter que olhar o fiscal de maneira mais transitória.
Como assim?
A gente não vai resolver a dinâmica fiscal nos próximos três anos. E nem acho que o governo está se propondo a isso. O que foi apresentado é para que as pontas fiquem relativamente equilibradas, com um monte de desafio no meio do caminho até o final do governo. Essa maneira absoluta (de analisar o fiscal) sempre vai ser mais crítica no dia a dia, porque vamos ver a dívida subir e tem uma pressão de gastos muito maior. Uma forma, talvez, é olhar o Brasil de forma relativa, que é o que eu vejo muitos investidores estrangeiros fazendo. O País tem as suas dificuldades fiscais, mas não está num momento como lá atrás, em que não conseguia controlar o resultado primário. Eu vejo uma preocupação menor do estrangeiro do que a gente aqui que olha o dia a dia.
O mercado avalia que o governo não vai alcançar um resultado primário zero no próximo ano, embora seja uma promessa da equipe econômica. Essa preocupação menor se mantém mesmo se o resultado ficar distante da meta?
A preocupação não é linear. Passando de menos 1% (do PIB de resultado primário) e caminhando para menos 2%, a piora é mais rápida. Esse é um detalhe que procuro tentar analisar. Não achamos nada que nos leva a crer que o fiscal vai piorar a ponto de ir para menos 2%. O zero parece pouco provável aos olhos de hoje e, se entregar ao redor de menos 1%, não vejo motivo para piorar. É como as pessoas dizem: parece que está no preço. Uma piora adicional requer essa percepção de que não vai ser zero, não vai ser menos 1% e vai caminhar para menos 2%. Por outro lado, se chegar mais perto de zero — mesmo que por medidas de arrecadação mais temporárias —, pode ter um interesse adicional.
As previsões de inflação para 2024 e 2025 não estão no centro da meta. Isso não é um problema para a queda de juros?
A gente não vê na meta também. E qual é a nossa percepção desse cenário? A inflação de curto prazo vai permitir ao Banco Central manter o caminho de corte de juros. Se o cenário para os Estados Unidos se confirmar, eu vejo esse juro indo para 8,5%. Por outro lado, quando se pensa no quadro fiscal, eu tenho dificuldade de ver o juro se estabilizar em 8,5%. Então, a gente vê os juros em 8,5% no meio do ano, mas em 2025 voltam a subir para 10%, com a percepção de que o desafio para a convergência da inflação vai ser maior do que aparenta.
E qual é a avaliação do banco para os próximos anos do governo Lula?
Sem dúvida, o fiscal vai continuar sendo o tema. Ele volta com mais força, menos força, mas vai estar com a gente. É uma dívida que não está estabilizada, vai subir, com risco de, se acontecer alguma coisa lá fora ou aqui dentro e o governo precisar tomar a decisão de aumentar o déficit momentaneamente, a dívida suba ainda mais. Do nosso ponto de vista, pensando para os próximos anos, será preciso entender também qual será o tamanho da participação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) na economia e, a cada mudança dos diretores do Banco Central, eu imagino que a gente vai ter um debate sobre quem está entrando, qual é a diferença com quem está saindo, se será um BC mais leniente com a inflação ou se vai ser menos.
Com as mudanças até agora no BC, deu para sentir alguma diferença?
Não na ação, mas na comunicação. E eu acho que faz sentido se a gente pensar para onde o Banco Central está indo. Tem pessoas com cargos independentes. Isso quer dizer que a gente pode ter uma diversidade de opinião muito maior. Se pegar a última ata, ela é maior em quantidade de palavras e tem mais temas. Talvez, até com uma falta de acordo em relação a alguns temas. Eu acho que vai ser uma toada constante. A gente vê isso em outros bancos centrais independentes. A dúvida que eu tenho daqui para frente é entender o quanto o desacordo de opiniões vai gerar desacordo de votos. O BC americano tem um monte de opinião diferente, mas, normalmente, na hora do voto fica muito parecido. Tem uma coordenação de tentar achar um ponto comum. Aqui, a gente não observou muito isso. Houve um primeiro voto dividido no início do ciclo (do corte de juros). E, depois, voltou a ser consenso.
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