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‘Para não beneficiar os muito ricos, não podemos prejudicar os mais pobres’, diz Oxfam sobre reforma

Coordenador de Justiça Social e Econômica da organização, Jefferson Nascimento, afirma que cashback previsto no texto da tributária não garante compensação pelo fim da desoneração integral da cesta básica de impostos federais

Foto do author Adriana Fernandes
Atualização:
Foto: Oxfam Brasil
Entrevista comJefferson Nascimentocoordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil

BRASÍLIA – Na reta final das negociações para a votação da reforma tributária, o coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, alerta que falta à Câmara olhar o lado do cidadão na proposta que mudança o sistema de impostos do País. Em entrevista ao Estadão, ele defende a desoneração de 100% de pelo menos uma lista mais reduzida da cesta básica, como arroz, feijão e açúcar, entre outros.

Na avaliação da Oxfam Brasil, o parecer do relator na Câmara dos Deputados, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), não dá garantias de que o sistema de cashback, de devolução parcial do imposto, será acionado para mitigar os efeitos da alta de preços com o fim da desoneração integral de tributos federais nos produtos da cesta básica. Pela proposta, a cesta será enquadrada na chamada alíquota reduzida, que corresponde a 50% da alíquota padrão – ainda não divulgada, mas estimada em cerca de 25% pelo Ministério da Fazenda.

“Não dá para esperar que esse aumento da alíquota básica não será repassado no preço ao consumidor. Isso não foi falado em nenhum momento: qual a medida de mitigação que será feita para esse momento de aumento da alíquota”, diz.

A Oxfam Brasil é uma organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos e independente, com sede em São Paulo. Ela foi criada em 2014 com o objetivo de construir um Brasil com mais justiça e menos desigualdades. A seguir, os principais trechos da entrevista.

coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento Foto: Oxfam Brasil

Está faltando o olhar para o contribuinte cidadão na negociação da reforma tributária?

Sim. A impressão é que se ouviu muito os setores, governadores e prefeitos, mas uma parte ficou de fora: o contribuinte, as pessoas comuns. Por exemplo: o debate de incentivos aos produtos da cesta básica, que era um grande tema de discussão dos regimes especiais e como eles seriam lidados. O cashback (devolução parcial do imposto) ia entrar como uma coisa pela outra (compensação). Nem isso ficou muito claro no relatório. Pelo parecer preliminar, a desoneração de até 100% de produtos da cesta básica acaba, mas os produtos terão uma tributação reduzida de 50% da alíquota de referência geral.

Mas não há garantias no texto do cashback...

É muito ruim. Nas diretrizes junto com o relatório do grupo de trabalho foi destacado esse tema, inclusive colocando as ponderações de alguns integrantes do grupo de trabalho. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), por exemplo, destacou o fato de que, se fosse tirada a desoneração de produtos da cesta básica, que houvesse um movimento simultâneo do estabelecimento do cashback. Você não pode tirar a desoneração da cesta básica; no dia seguinte, obviamente, vai ter um impacto nos preços dos produtos da cesta básica. Foram feitos muitos cálculos a respeito do impacto da alíquota única, mas qual o impacto que vai ter com o fim da desoneração da cesta básica? Não dá para esperar que esse aumento da alíquota básica não será repassado no preço do consumidor. Isso não foi falado em nenhum momento: qual a medida de mitigação que será feita para esse momento de aumento da alíquota.

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E o papel do cashback?

Mas ele vai começar só depois da aprovação de lei complementar. O impacto imediato que vai acontecer até que o mecanismo de compensação seja estabelecido... o consumidor vai receber o impacto de cara. Isso é um detalhe importante.

Mas e o período de transição da reforma?

A própria definição do cashback ficou para um segundo momento. Mas o que não ficou para um segundo momento é esse impacto que vai ter da diferença do repasse do aumento da alíquota para os preços da cesta básica. Esse é um ponto muito importante. Isso impacta a vida de muitas pessoas. Foram mencionados vários estudos em mais de uma audiência, fazendo estimativas de que eram ineficientes os incentivos fiscais da cesta básica. Tem um debate grande aí. O que não foi feito é qual o cenário com o fim desse mecanismo. A desoneração não tem impacto em 100% no valor dos produtos. Ok. Mas é razoável imaginar que uma parte vai para margem (de lucro das empresas). Mas o empresário não vai falar: “agora, vou reduzir a minha margem”. Ele não vai reduzir a margem; vai repassar para o preço.

Como lidar com esse problema?

Representantes de algumas indústrias alimentícias falaram expressamente que o fim da desoneração será repassado para o consumidor. Claro que eles tinham interesse em garantir o benefício, mas falaram isso claramente. Como a reforma lida com isso? Vai assumir que isso é uma coisa da vida? É muito preocupante mesmo.

Mas, por outro lado, a desoneração da cesta aponta ineficiências relevantes. Por que o Estado deve financiar a redução de custo de filé mignon, salmão? Algo tem que ser feito?

Sem dúvida. Tem uma frase usada nesse processo que é que a desoneração beneficia os muitos ricos, que é regressiva e não beneficia só os mais pobres. Só que, para não beneficiar os muitos ricos, não podemos prejudicar os mais pobres. Claro que tem distorções. Tem modos de lidar com isso. Mas aí vai aumentar também o preço do leite, do feijão, do arroz; porque, eventualmente, tem pessoas que estão usando isso para comprar produtos de alto valor.

Qual a análise da letra miúda do parecer do relator Aguinaldo Ribeiro sobre a alíquota reduzida para a cesta básica?

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Importante mencionar que os produtos passíveis de alíquota reduzida fazem parte da cesta básica, uma expressão que faz parte do dia a dia do brasileiro e que, embora esteja presente no debate da reforma desde o princípio, virou “alimentos destinados ao consumo humano” no texto do substitutivo. Como essa fórmula é muito ampla, é feita referência à redação de 30 de abril de 2023 de lei sobre fertilizantes e defensivos agropecuários, o que torna o dispositivo ainda mais confuso – lembrando que essa menção será incluída na Constituição Federal. É necessário, ainda, assegurar que uma reduzida lista de produtos fundamentais da cesta básica (hortifruti, ovos, arroz e feijão), que hoje são isentos (de tributos federais) em diversos Estados, sejam abrangidos pela faixa de 100% de redução de alíquota já prevista hoje pelo substitutivo.

Tecnicamente, esses produtos mais caros não poderiam ser retirados da cesta básica? Em entrevista ao Estadão, o relator admitiu a possibilidade de fazer uma cesta mais restrita.

Sim. Pode manter o princípio da chamada seletividade que está na Constituição, que está por trás da desoneração da cesta básica. E, ao mesmo tempo, direcionar especificamente para produtos que compõem uma cesta de produtos. Isso é totalmente possível. O que se fala é que isso vai contra o espírito da reforma, que é o de não ter esses regimes especiais. Mas isso já está sendo feito para outros setores.

Sim. Não tem nada escrito sobre como ele vai se operacionalizado. O que o Bernard Appy (secretário extraordinário de reforma tributária) fala a respeito do tema? Existem várias declarações de que vai ter o cashback da classe média, que vai conseguir colocar gasto como escola. Não tem uma resposta única. Colocaram várias coisas, de que funciona no Rio Grande do Sul, que tem vários países que estabeleceram. São todos países importantes, mas com uma população pequena e com patamares de formalização da economia muito diferentes do que vemos no Brasil. Um estudo citado pelo Sindifisco durante audiência na Câmara indicava que, no Maranhão, 98% das compras de beneficiários do Bolsa Família ocorriam no mercado informal. Essa é uma realidade que tem de ser considerada.

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O cashback não pode ser um incentivo para a formalização da economia?

É um objetivo importante, mas isso não vai acontecer da noite para o dia.

O cashback, então, não vai resolver o problema?

Pode resolver. A questão é que não tem a garantia de que as coisas vão acontecer.

Para o cashback vale também a frase a frase ‘na volta, mamãe compra’, que foi usada como referência para artigo que diz que o aumento da arrecadação será usado para desonerar a folha de salários no futuro?

Exatamente. Nós já estamos “na volta, mamãe compra” com a reforma do Imposto de Renda e patrimônio. O cashback é mais uma coisa que será empurrada para depois.

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