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Estratégia da China é ganhar tempo até recuperação do setor imobiliário, diz executiva do Citi

Economista Johanna Chua diz que país asiático dobrou a aposta na política industrial, tornando menos interessante a debandada de empresas; sobre os EUA, ela afirma que cortes de juros deve diminuir pressão sobre os emergentes

Foto do author Eduardo Laguna
Foto: Divulgação/Citi
Entrevista comJohanna ChuaEconomista-chefe de mercados emergentes do Citi

O deslocamento de empresas da China para outros países não é um movimento tão transformador como se poderia esperar, avalia a economista-chefe de mercados emergentes do Citi, Johanna Chua. Para ela, a política agressiva de apoio à indústria diminuiu o custo de produção na China, tornando menos interessante, do ponto de vista econômico, a debandada em direção a economias mais próximas ou de relações diplomáticas estáveis com as nações mais industrializadas do Ocidente, movimentos conhecidos, respectivamente, como nearshoring e friendshoring.

Em passagem por São Paulo para participar da conferência anual do Citi com clientes no Brasil, Johanna avaliou em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast que a reação da China frente à reorganização das cadeias de produção foi subestimada. “O erro que muitas pessoas cometeram foi pensar que a China não faria nada.”

A economista fez ainda comentários sobre o novo modelo de crescimento chinês, que, baseado na oferta e nas exportações, levou a uma enxurrada de produtos da China pelo mundo, sendo assim menos amigável às demais economias. Apesar disso, ela acredita que a estratégia da China é ganhar tempo até a recuperação do setor imobiliário.

Em relação aos Estados Unidos, ela diz que o início dos cortes de juros no país, previsto pelo banco para setembro, deve diminuir a pressão sobre as economias em desenvolvimento.

As eleições americanas, contudo, trazem preocupações sobre até que ponto o Federal Reserve (Fed) conseguirá cortar os juros. Fora isso, ela avalia que uma vitória de Donald Trump contra o atual presidente Joe Biden, em novembro, adicionaria incertezas nas relações entre EUA e China, podendo resultar em políticas mais abrangentes contra Pequim.

Segundo Chua, quando todos pensavam que a produção se deslocaria da China, a inflação local acabou sendo muito mais baixa do que a de todos os seus parceiros comerciais, e o país ficou muito mais barato Foto: Divulgação/Citi

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Os movimentos de reorganização das cadeias de produção, como nearshoring e friendshoring, continuarão sendo um importante propulsor das economias emergentes?

Muito se fala sobre a realocação da produção e sobre os mercados emergentes que se beneficiariam mais dos efeitos da substituição da China, sendo Índia, México e países do Sudeste Asiático os mais citados. Mas acho que a ideia na verdade não encontrou a realidade. A realidade é que, embora estejamos vendo algo, isso não foi tão transformador para o crescimento quanto as pessoas esperavam.

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Por quê?

O erro que muitas pessoas cometeram foi pensar que a China não faria nada. A China dobrou a aposta na política industrial. Durante a pandemia, adotou mais e mais políticas do lado da oferta, dando financiamento subsidiado para elevar o nível industrial e de infraestrutura. Quando todos pensavam que a produção se deslocaria da China, a inflação da China acabou sendo muito mais baixa do que a de todos os seus parceiros comerciais, de modo que a taxa de câmbio real efetiva na China se desvalorizou 15% nos últimos dois anos. O país ficou muito mais barato. O desejo da China de ser competitiva e autossuficiente incentivou muito as políticas de oferta, tornando mais caro economicamente produzir em outros países. Talvez isso explique parcialmente por que não vemos muito investimento estrangeiro direto em outros mercados. Se um grande player, responsável por um terço da manufatura global, está dobrando a aposta, isso reduz o retorno dos investimentos (fora da China). A reação da China foi subestimada.

Então, na verdade, o impulso não é tão relevante como muitos pensam.

Se tivermos uma nova onda de barreiras tarifárias ― vamos supor que Trump (se eleito nos Estados Unidos) aplique tarifas de mais de 60% contra produtos chineses ―, a pressão ainda estará lá. Estamos ouvindo muitas empresas querendo sair da China, querendo ir para o Leste Europeu, para contornar tarifas. Esperamos que isso ajude alguns mercados emergentes. A questão é se vai ajudar tanto assim. Há uma perda total de produtividade quando se realoca cadeias de suprimentos com base em geopolítica ao invés de eficiência.

A transição energética pode ajudar a deslocar o capital para as economias emergentes fora da China, incluindo o Brasil?

Precisamos ver, pois a China também quer fazer uma transição verde acelerada por si mesma. Mas o fato de a China subsidiar muitas tecnologias de transição também tornou esta agenda economicamente mais viável nos outros países. Vemos muito interesse em investimentos renováveis. A questão é se fará uma grande diferença para os mercados emergentes. Há oportunidades, mas que dependem da capacidade de mobilizar as poupanças para financiar esse investimento. A manutenção dos juros altos por mais tempo nos Estados Unidos torna mais difícil acelerar a transição, já que influencia o custo de financiamento das economias emergentes.

Como a crescente competição com os produtos chineses afeta a indústria e a produtividade no resto do mundo?

O desenvolvimento baseado em manufatura já estava difícil antes mesmo da industrialização chinesa, já que a indústria não estava absorvendo tantos empregos pela automação e avanço tecnológico. Ficou ainda mais difícil pela política industrial mais agressiva da China. Mesmo os países emergentes que poderiam se integrar à expansão industrial da China têm uma situação difícil pelos controles de exportação, já que o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, quer assegurar que a China não alcance a liderança tecnológica. E isso cria um incentivo ainda maior para a China apostar mais na autossuficiência.

Olhando para a inflação global, as exportações chinesas continuarão sendo uma força desinflacionária?

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Vimos deflação do índice de preços ao produtor por bastante tempo na China. Isso ajuda a compensar, em muitos países emergentes, a inflação mais persistente dos serviços, provocada pelo aperto no mercado de trabalho. Se a China continuar fazendo esse tipo de política, que cria muita oferta excedente, a inflação de bens pode continuar bastante limitada. Isso, de certa forma, ajuda o resto do mundo do ponto de vista dos preços, mas não é tão positivo para o crescimento.

As tarifas contra a China nos Estados Unidos, na Europa e em economias menores conseguirão conter as importações de produtos chineses?

Depende de quão severas são as tarifas. As tarifas da União Europeia contra os carros elétricos da China não são tão punitivas quanto pensávamos. Nosso analista automotivo diz que, mesmo se as montadoras absorverem metade dessa tarifa, repassando outra metade, a margem de lucro na Europa ainda é melhor do que no mercado doméstico da China.

A política chinesa de apoio à oferta, gerando excesso de capacidade industrial, é sustentável?

Não está claro quanto tempo pode ser sustentada sem realmente levar a uma desaceleração do crescimento. Barreiras tarifárias obviamente vão afetar a lucratividade, induzindo empresas a sair da China. Há dificuldades para a China sustentar esse modelo de crescimento. A história da China pode ser diferente da do Japão.

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Como assim?

No Japão, muitos fabricantes de automóveis, por causa de todas as tarifas, passaram a montar carros nos Estados Unidos, mas repatriaram dividendos e renda. O superávit comercial desabou, porém o superávit de renda cresceu. A preocupação que tenho na China são os controles de capital. Não acho que a geopolítica vá mudar tão cedo. Então, quando as empresas ganharem dinheiro no exterior, provavelmente tentarão manter o capital ou reinvestir no exterior. A China não pode confiar apenas nessa política. Acho que a estratégia da China (de crescimento baseado em aumento de oferta) é ganhar tempo porque estamos no terceiro ano do ciclo de baixa do setor imobiliário. Os preços do mercado secundário de imóveis podem começar a se estabilizar no segundo semestre de 2025. Quando o setor imobiliário começar a se recuperar, pode resgatar um pouco da confiança das famílias.

A crise no setor imobiliário vai exigir mais estímulos da China para o país entregar a meta de crescimento deste ano?

Acho que 5% é uma meta alcançável. É apenas uma questão de implementar políticas já anunciadas de maneira oportuna. Só que a confiança das famílias segue muito fraca. Ainda é um crescimento muito desequilibrado. Parte da entrega da meta de 5% vai ser via exportações, o que também cria tensões com alguns dos parceiros comerciais. Então, a composição do crescimento da China não é tão amigável para as economias emergentes como costumava ser, já que é mais pela oferta, aumentando a competição com outros países. Além disso, a busca por autossuficiência, de produzir internamente, faz com que os outros países participem menos do crescimento chinês.

Em relação aos EUA, o início dos cortes de juros, previsto para acontecer ainda neste ano, deve liberar fluxos de capital internacional em direção às economias emergentes?

Esta é a esperança, certo? O “high for longer” (juros altos por mais tempo) do Fed tem verdadeiramente prejudicado os mercados emergentes. Um terço do capital global voltou aos Estados Unidos desde a pandemia. Isso tem a ver com o diferencial de juros (mais estreito em relação aos juros dos EUA), mas também com o diferencial de crescimento, já que a China sofreu nesse período com a crise no mercado imobiliário, questões geopolíticas, riscos regulatórios, etc. Ainda assim, os mercados emergentes têm se mantido relativamente resilientes, e acho que continuará sendo assim mesmo com uma aguardada desaceleração da economia americana. Há setores dos mercados emergentes que podem resistir a uma desaceleração provocada pelo setor de serviços nos EUA. Mas, claro, existem muitas incertezas.

Quais são as maiores incertezas?

Os investidores estão muito preocupados com as eleições americanas. No momento, o maior desafio para o capital fluir em direção aos mercados emergentes são os juros altos do Fed. Porém, na nossa visão, o Fed deve cortar os juros três vezes neste ano, iniciando em setembro. Estamos mais otimistas do que o consenso do mercado nesse ponto. Quando o Fed começar a cortar os juros, teremos economias emergentes, como o Brasil, que já terão cortado. O carry trade (busca de ganhos pela diferença de juros entre dois mercados) ficará um pouco mais favorável se o Fed começar a cortar os juros. Então, um pouco de afrouxamento do Fed pode tirar alguma pressão do diferencial de juros, que tem sido tão doloroso para as economias emergentes. O problema é que não temos convicção de quanto será esse alívio por causa da preocupação com as eleições nos Estados Unidos. Há muitas incertezas no mercado não apenas sobre quando será o início do ciclo de flexibilização monetária, mas também sobre qual será a extensão do ciclo nos Estados Unidos.

Com quais cenários a senhora trabalha para as relações entre Estados Unidos e China após as eleições americanas?

Olha, não se pode dizer que o governo Biden tenha sido muito bom para as relações EUA-China. Biden também foi bem duro com a China, mas um novo governo Trump adicionaria muito mais incertezas. As ações de Biden foram muito mais direcionadas, em, por exemplo, semicondutores, veículos elétricos, alvos específicos. A preocupação é de que Trump seja muito mais abrangente. Se Trump voltar com o Senado e a Câmara controlados pelo partido Republicano, poderemos ter três políticas ao mesmo tempo: estímulo fiscal, medidas anti-imigração e barreiras tarifárias. Todas podem tornar a vida do Fed mais dura.

Além do Brasil, outras grandes economias emergentes devem interromper ciclos de flexibilização monetária? Ou o início dos cortes de juros pelo Fed deve abrir espaço ao um prolongamento dos ciclos?

As economias emergentes estão em diferentes momentos do ciclo monetário. O Brasil, entre os principais emergentes, é um dos que achamos que vai parar. Mas também reduzimos a previsão para a trajetória de cortes no México após a eleição (vencida pela candidata do governo, Claudia Sheinbaum). Em outros mercados, como na África do Sul, adiamos a previsão do ciclo de afrouxamento. Na Ásia, muitos bancos centrais nem começaram a cortar os juros. Não podemos esquecer que temos alguns mercados, especialmente na Ásia, onde as taxas estão bem abaixo das do Fed, o que, na verdade, pode trazer pressão para aumento dos juros.

Como a senhora avalia as políticas fiscais das economias emergentes após a explosão de gastos na pandemia? Com o fim do superciclo das commodities, o ajuste das contas públicas ficou mais difícil?

Além do grande impulso fiscal na pandemia, tivemos taxas de juros mais altas (na sequência). Só o fato de termos um estoque de dívida maior e taxas de juros mais altas já impacta a dinâmica fiscal. O desafio agora é reduzir o custo da dívida, o que pode ser dificultado por o Fed manter os juros altos por mais tempo. Há muitos países que ainda estão tentando consolidar gradualmente o balanço fiscal. Mas o problema é que alguns estão enfrentando muitos ventos contrários ao crescimento e há mais pressão sobre o fiscal. Em outros países, por razões políticas ― como, por exemplo, antes das eleições no México ― houve de repente um estímulo fiscal massivo. Em alguns mercados vemos as pressões fiscais aumentarem. A Indonésia, que costumava ser super conservadora na política fiscal, agora, com o novo governo, fala em aumentar o déficit para 3% e elevar a dívida de 39% para 50% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

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