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BC não vai ceder às pressões e continuará apontando risco fiscal, diz ex-diretor do banco

Para José Júlio Senna, da FGV, Lula deveria agradecer pela autonomia do Banco Central, pois sem ela o governo herdaria uma ‘situação muito pior’

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Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo
Entrevista comJosé Júlio SennaChefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e ex-diretor do BC

BRASÍLIA - Chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), José Júlio Senna avalia que o Banco Central (BC) não vai ceder à pressão do governo e deixar de apontar o risco fiscal após o anúncio do pacote de ajuste do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para reverter o rombo das contas públicas.

Senna espera que o BC mantenha a Selic em 13,75% ao ano e siga na sua linha de comunicação após a reunião desta quarta-feira do Comitê de Política Monetária (Copom).

“Esse é um campo perfeito para frustração (do governo). O BC não vai vacilar. A taxa de juros vai ser mantida em 13,75% e o BC vai continuar apontando para o risco fiscal e dizendo que tem disposição para subir os juros, se precisar”, diz o economista, que foi diretor do BC e acompanha com lupa a política monetária do Brasil e do exterior.

Sede do Banco Central, que realiza nesta quarta-feira nova reunião do Copom. Foto: André Dusek/Estadão Foto: André Dusek/Estadão

Senna sugere que, para afastar a contaminação das expectativas, o ideal seria o governo se convencer de que não é recomendável mudar a meta de inflação e antecipar essa decisão. A seguir, leia a entrevista com o economista.

O que está por trás da fala do presidente Lula ao sugerir uma meta de inflação mais alta, enquanto Haddad fala em harmonização da política fiscal e monetária, sem dizer com todas as letras o que quer com isso?

Não faz sentido falar de metas sem situar a discussão macroeconômica. O ministro Haddad tomou posse falando da necessidade de coordenação de política fiscal e monetária. Há uma falta de coordenação. A política fiscal é expansionista e a monetária apertada, contracionista. Haddad sabe disso e já fez o registro. Pouco depois, ele anunciou um plano de ajuste fiscal. Seria a contribuição para o início dessa coordenação. Eu diria que ainda falta atuar em cima de gastos, da definição do arcabouço fiscal. Eles estão falando de reforma tributária, que seria um grande avanço, mas é mais do ponto de vista de sinalização, porque o resultado dela não é imediato.

Ao falar de harmonização, o ministro não pode estar cobrando do BC uma visão menos dura em relação ao risco fiscal?

É isso sim. É preciso manter as aparências. Ele está querendo organizar a discussão, o debate. Para manter isso, o governo precisa sinalizar que está fazendo a sua parte, tomando os primeiros passos. Mas precisa de disposição mais firme para controlar gastos. As medidas anunciadas são calcadas em aumento de receita. Algumas delas são “viagem”, não vão conseguir o que imaginam. A parte de gastos prevista no pacote está exagerada; dificilmente conseguirão os R$ 50 bilhões de corte de despesas. Falta o arcabouço fiscal de longo prazo. Como supostamente eles entendem que deram o primeiro passo para a coordenação da política fiscal com a monetária, provavelmente imaginam que o BC possa dar uma ajuda agora na reunião do Copom.

O que seria essa ajuda?

Um sinal de boa vontade. Não é reduzir a Selic, que não tem cabimento; mas um sinal na comunicação. Mas não vai acontecer. Esse é um campo perfeito para frustração (do governo). O BC não vai vacilar. A taxa de juros vai ser mantida em 13,75% e o BC vai continuar apontando para o risco fiscal e dizendo que tem disposição para subir os juros, se precisar.

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Por que essa manifestação não virá na ata do Copom? O BC não vai diminuir o risco fiscal?

A política monetária é feita de olho nas projeções de inflação e no balanço de riscos. Na última reunião, o BC ficou a um milímetro de dizer que o principal componente de risco é a questão fiscal. Se ele dissesse isso com todas as letras, precisaria dizer que o risco virou assimétrico – ou seja, a probabilidade de subir é maior do que cair, comparativamente às projeções oficiais de inflação. Do jeito que está, o risco é simétrico: a inflação tanto pode subir como cair. Ele está deixando assim, mas escreveu: prestarei especial atenção à questão fiscal. Se ele carregasse um pouco mais nas tintas, poderia parecer provocação ao governo. O BC vai evitar fazer isso, mas continuará dando destaque ao risco fiscal.

A pressão no BC não vai resolver?

O BC não vai ceder. É o trabalho dele. Eles têm uma reputação e um currículo a defender. Na comunicação, está escrito que eles podem subir os juros, se as circunstâncias exigirem. Eu acho que não vai mudar isso.

Por quê?

Porque o arcabouço fiscal é ainda uma promessa. Votar-se para conter gastos públicos é uma promessa. Ainda temos um longo caminho pela frente para ser um ajuste fiscal robusto. Os juros reais de mercado estão todos acima de 6% ao ano – sinal de que os investidores estão com um pé atrás. Esse governo quer recuperar o crescimento econômico de qualquer modo. O ambiente político e econômico faz com que eles tenham pressa. Eles acreditam que aumentar os gastos é o caminho para recuperar o crescimento – o que é uma grande falácia. Uma Esplanada com 37 ministérios é, por si só, uma pressão por mais gasto. Todo mundo quer mostrar serviço. Estamos vendo o ministro Dino (Flávio Dino, da Justiça) falando em criar uma Guarda Nacional e contratar mais pessoas. O problema do dia 8 de janeiro não foi ter mais ou menos Guarda Nacional. Foi não ter decisão de conter (os golpistas).

Há um incômodo de Haddad em relação aos juros altos num quadro de forte desaceleração da atividade econômica, que joga pressão para o presidente do BC. Como avalia essa pressão?

Tem uma pressão fortíssima sobre o BC. A pressão está lá. Vemos no dia a dia, na imprensa, toda hora aparece. O próprio Haddad já disse que a inflação é mais baixa do que em vários países desenvolvidos e que o juro real é o mais alto do mundo. Como eles têm pressa, os juros reais são um obstáculo.

Lula também criticou a autonomia do BC.

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Lula deveria agradecer pela autonomia. Se não fosse a aprovação dela, ele iria herdar uma situação muito pior. Ninguém tem dúvida de que, do jeito que Bolsonaro se virou para ser reeleito, ele iria avançar no BC do jeito que avançou nos Estados, na Petrobras. E não teríamos hoje a inflação perto de 6%; teríamos um quadro muito pior. Lula não deveria se revoltar.

De que modo o governo pode influenciar os juros?

Na discussão do novo diretor e da meta de inflação. Não faz sentido discutir a meta sem reconhecer que existem duas categorias de juros em qualquer país: os juros sob a influência direta do BC e os juros do mercado. O governo parece partir da ideia ingênua de que o BC controla tudo. Não controla. Os juros de mercado, dos títulos do governo, são influenciados pelo BC, mas principalmente pela percepção de risco do País. E o componente principal dessa percepção é o risco fiscal. Não vejo ninguém chamar a atenção para isso.

Há uma tentação do governo em mudar a meta, por mais que o BC tenha tentado administrar o problema dizendo que não vai acontecer. Lula falou e nenhuma autoridade disse publicamente que não haverá mudança. Haddad falou apenas em enfrentamento do debate.

O ideal seria a administração se convencer de que não é recomendável mudar a meta e antecipar a decisão. Por si só, isso reverteria uma parte da preocupação de risco de mercado. Mas isso não prescinde de um ajuste fiscal mais robusto do que está sendo planejado. Não tem como abrir mão disso. Se o governo diz para o público que vai mudar a meta, o sinal que passa é: “Cansei, não estou a fim, não tenho apetite para fazer o ajuste fiscal que tem de fazer; tanto é assim que prefiro mudar a meta, vou aceitar uma inflação mais alta”. Ao fazer esse sinal, o mercado vai entender que há uma piora da percepção de risco. Então, os juros reais tendem a subir, o que piora as expectativas de inflação – e aí o BC tem de reagir. A taxa Selic vai subir para cobrir isso. Provavelmente, vai acabar resultando em juros reais mais altos e não mais baixos, como eles esperam.

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Haddad já disse que o plano de ajuste é uma carta para o BC, uma resposta à carta que Campos Neto enviou para ele mostrando as razões por não ter cumprido a meta de inflação em 2022.

No mundo inteiro, todos os bancos centrais estão descumprindo a meta. A inflação na Zona do Euro foi quase 10% e a meta é 2%. A inflação nos Estados Unidos foi quase 6% para uma meta de 2%. A inflação no Japão foi quase 4% e a meta é 2%. Esse surto inflacionário oriundo da pandemia pegou todo mundo. A questão é que, nos países desenvolvidos, houve descumprimento das metas, mas a tendência observada e os números que os BCs esperam é que a luta contra a inflação seja vencida. Todos eles esperam inflação menor em 2023 e no ano que vem. E aqui no Brasil está sendo difícil porque não está muito claro que a inflação de 2023 será inferior à de 2022. Em 2022, foi 5,8% e as estimativas para 2023 estão em torno de 6%. O esforço que o BC tem de fazer para levar a inflação para a meta é grande. Ele não pode afrouxar.

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