BRASÍLIA – Principal operador da nova política industrial do governo Lula, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não voltará a escolher empresas para investir em ações, como fez no passado, o que gerou críticas de economistas e investigações da Polícia Federal. A afirmação é do diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do banco estatal, José Luis Gordon.
Em entrevista ao Estadão, ele disse que o banco reservou R$ 8 bilhões para aplicar em participações de empresas com o objetivo de estimular o setor industrial, mas fará isso em associação com bancos e gestoras do mercado.
“Nós não vamos trabalhar comprando ações de empresas; nós vamos trabalhar com fundos, em parceria com o mercado de capitais”, afirmou.
A intenção do BNDES é criar fundos para investir em empresas em crescimento e startups, com gestão privada. Os fundos terão de obedecer às linhas traçadas nas seis missões empresariais eleitas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC): agroindústria, complexo da saúde, infraestrutura, transformação digital, bioeconomia e defesa.
O primeiro fundo que está sendo desenvolvido é de minerais críticos – que, segundo Gordon, não contempla apenas um setor, mas uma cadeia inteira de produção.
“Você não vai escolher uma empresa A, B ou C; você vai investir em empresas junto com o mercado em fundos que poderão ser gerenciados por privados, como BTG, Pátria, Genial, por exemplo. Então, você vai junto com o mercado de capitais para investir em startups, pequenas empresas que possam desenvolver tecnologias e produtos importantes em áreas estratégicas”, disse.
Dos R$ 300 bilhões previstos em aporte na política industrial no atual mandato de Lula até 2026, cerca de R$ 58 bilhões serão operados pelo BNDES com algum tipo de subsídio financeiro (taxas mais baixas do que as praticadas no mercado). Gordon afirma que não haverá aporte do Tesouro Nacional, nem equalização de taxas de juros.
“Não vai afetar em nada a meta fiscal e o que foi aprovado pelo ministro Fernando Haddad. Não tem impacto no Tesouro, não tem impacto no resultado primário, não tem equalização (de taxas de juros) pelo Tesouro”, afirmou. “Não tem aporte do Tesouro Nacional no BNDES, é importante deixar claro”.
Gordon é formado em economia pela USP e doutor em Economia pela UFRJ, com passagens pelos ministérios da Ciência e Tecnologia e Educação. Chegou à diretoria do BNDES a convite do presidente do banco, Aloizio Mercadante.
Questionado sobre o crescimento previsto do BNDES e o efeito que isso pode provocar no mercado, Gordon minimizou o impacto.
“O BNDES representou no ano passado o equivalente a 1,3% do PIB no crédito do País. Você acha que um banco que representa 1,3% do crédito do País vai afetar a política monetária?”, disse. “O BNDES chegou a (emprestar o equivalente a) 4% do PIB. Historicamente, lá no governo Fernando Henrique Cardoso, a média era em torno de 2% do PIB. E é o que nós estamos querendo voltar, para no final do governo presidente Lula chegar próximo a 2% do PIB.”
Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Nos lançamento do plano da indústria, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e os ministros enfatizaram que os maiores países do mundo estão investindo em política industrial com trilhões de dólares. Fazer política industrial não é para países que têm condições fiscais de fazer isso?
Então quem tem dinheiro pode fazer política industrial? Na verdade, eu penso o seguinte: quem fez política industrial a vida inteira pode continuar fazendo política industrial porque tem uma indústria forte, tem arrecadação. Os Estados Unidos não fazem política industrial agora, eles sempre fizeram, explícita ou implicitamente, por meio do Departamento de Defesa. O celular que estamos usando agora, 99% da tecnologia foi subsidiada pelo governo americano – GPS, internet, tela touch. Na União Europeia, a indústria alemã é financiada e subsidiada pelo governo alemão. É talvez a principal indústria de máquinas e equipamentos do mundo, sem falar da China, que é um modelo onde o Estado tem uma grande participação. O que a gente tem que entender é que agora, mais do que nunca, a política industrial virou uma tônica. O próprio FMI (Fundo Monetário Internacional) e a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) têm discutido isso. A corrida tecnológica está dada, com o 5G, a inteligência artificial, toda parte de tecnologias ligadas à sustentabilidade e mobilidade. Tem uma corrida e esses países estão querendo fortalecer as suas estruturas produtivas.
Não é pouco entrar com R$ 300 bilhões numa corrida em que os concorrentes estão aportando trilhões?
É o dinheiro que nós temos nesse momento, mas nós não podemos deixar de fazer. Se a gente deixar de fazer, vamos ficando mais para trás. O Brasil já ficou para trás na corrida industrial e tecnológica. Com o que a gente já fez, nós temos uma Embraer, um setor agro, uma WEG, uma Intelbras. Se eu quero um agro que continue pujante, eu preciso de fertilizantes, de máquinas e equipamentos, de conectividade. Quem produz é a indústria. Se eu quero um setor de serviços que empregue bem, eu tenho que ter um setor de indústria que demande. Então, tem que estar estimulando na indústria. A gente crescendo, tendo a questão fiscal melhorando, com o tempo, talvez a gente tenha outro espaço.
Ao mesmo tempo, R$ 300 bilhões não é muito dinheiro para as necessidades do País? É mais do que se gasta com o Bolsa Família, por exemplo.
Não é muito dinheiro porque a indústria gerando empregos, ela vai ajudar muitas pessoas em algum momento a sair dos programas sociais, ela vai ajudar o País a ter um agro mais produtivo, um setor de serviços com mais demanda, para gerar mais empregos qualificados, mais bem remunerados. Então, a indústria é fundamental, o centro da estratégia de desenvolvimento – e com uma visão de financiamento ao setor industrial e de política industrial bem moderna. Quer coisa mais nobre do que isso? Que tipo de indústria nós queremos? Que seja inovadora, verde, possa exportar e possa ser produtiva.
O sr. citou a Embraer mas não as empresas apoiadas na política industrial dos governos anteriores do PT. Vocês fizeram uma avaliação da política que foi feita? O que tiraram de lição?
Nós temos que aprender muito com o que aconteceu e olhar para o futuro. Do ponto de vista de BNDES, ele se tornou uma instituição mais transparente, com todos os processos muito bem organizados para apoiar a indústria. O BNDES trabalha por demanda, as empresas vão vir e vão demandar. Não é uma política que tem o setor A,B ou C. Tem grandes missões que foram colocadas como estratégia. Qualquer bom projeto, tendo os recursos, nós vamos apoiar, acompanhar e monitorar. A ideia é que eles possam estar dentro das seis grandes missões de País colocadas (na política industrial).
Significa que não haverá a repetição da política dos campeões nacionais?
Não existe esse programa. Nós vamos apoiar os bons projetos que vierem.
Uma crítica dos economistas é que o BNDES voltará a usar o financiamento por meio do equity (investimento em participações de empresas) e estabeleceu um valor de R$ 8 bilhões para isso. O sr. pode esclarecer como será feito?
Nós não vamos trabalhar comprando ações de empresas, nós vamos trabalhar com fundos, em parceria com o mercado de capitais.
Como assim?
Nós vamos abrir um fundo de minerais críticos. O BNDES entra com uma parte do recurso e convida o mercado. Contrata-se uma gestora privada ou uma instituição financeira de desenvolvimento que faz esse fundo e traz recursos do mercado de capitais para conjuntamente (com o BNDES) investir em startups, pequenas empresas e em projetos com potencial nas áreas estratégicas da política industrial, das seis grandes missões.
A diferença é que ele pode aplicar não apenas em uma empresa mas em dez empresas, é isso?
A ideia é que se aplique num portfólio de empresas que tenham projetos considerados estratégicos dentro das agendas prioritárias.
E quem vai escolher quais serão esses fundos? Por que um fundo de minerais críticos e não de outra atividade econômica?
Tudo isso estará dentro das seis missões. Minerais críticos não é apenas um setor, é uma agenda transversal que pega desde bateria até geradores eólicos. São agendas estratégicas de País. A França lançou um fundo assim, outros países estão lançando fundos minerais. A partir desse olhar, nós vamos trabalhar as prioridades da política Industrial. De forma geral, metade vai para a agenda verde e metade para inovação.
Isso não é escolher um setor, não é escolher um campeão nacional?
Você não vai escolher uma empresa A, B ou C; você vai investir em empresas junto com o mercado em fundos que poderão ser gerenciados por privados, como BTG, Pátria, Genial por exemplo. Então, você vai junto com o mercado de capitais para investir em startups, pequenas empresas que possam desenvolver tecnologias e produtos importantes em áreas estratégicas.
Essas empresas terão de se comprometer em adquirir de fornecedores locais (conteúdo local)?
Não existe esse tipo de questão, são empresas obviamente nacionais. O BNDES tem que entrar em equity em áreas estratégicas, em pequenas empresas que estão em fase de crescimento. Isso é muito importante. Investimento é risco: tem uns que dão certo, outros dão errado. Mas, para se ter uma noção, os investimentos feitos pelo BNDES naquele período renderam mais do que a Bolsa. Mas, repetindo: não vamos investir em ações, mas em participações em empresas crescentes, em startups, e junto com o mercado de capitais.
Sobre subsídios, a crítica é que o BNDES voltará a praticar taxas de juros subsidiadas (abaixo das praticadas pelo mercado), com suporte do governo, como no passado.
Não. O que o BNDES tem é a linha da TR (+2% ao ano) para inovação, que foi aprovada pelo Congresso Nacional, e que está limitada a R$ 5 bilhões por ano. São ao todo R$ 20 bilhões (os recursos têm origem no FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador). E tem a linha do Fundo Clima, que o Ministério da Fazenda fez uma captação no mercado e vai ter hedge (proteção) do Tesouro Nacional, que terá taxa a partir de 6,15% ao ano. O banco opera também linhas do Plano Safra, que tem equalização e subsídios e ajuda o setor de máquinas e equipamentos para o agronegócio, mas é pouco e o Plano Safra já está (no Orçamento). Portanto, não vai afetar em nada a meta fiscal e o que foi aprovado pelo ministro Fernando Haddad. Não tem impacto no Tesouro, não tem impacto no resultado primário, não tem equalização (de taxas de juros) pelo Tesouro. Só no Plano Safra.
O que o BNDES vai fazer com os recursos que captar em LCD (Letras de Crédito do Desenvolvimento), que o banco pretende lançar neste ano?
São recursos que poderemos emprestar para a indústria. São R$ 10 bilhões por ano, não é algo astronômico e vai poder entrar no eixo da produtividade na questão de máquinas e equipamentos. Esse eixo é basicamente (abastecido) de recursos (emprestados com) TLP (taxa de juros do BNDES que acompanha o praticado pelo mercado). Então, esses recursos podem ajudar a compor esse funding com custo mais interessante.
Vão ser linhas com taxas mais baixas do que a TLP?
Depende de quanto será o custo da captação. O mesmo custo que o BNDES terá (na captação) ele vai emprestar. Não vai ter subsídio. A grande maioria do pacote industrial não tem subsídio. De forma geral, é só o que vai em crédito para inovação, R$ 20 bilhões, e o crédito do Fundo Clima, que estimamos em R$ 8 bilhões, e uma parte menor do Plano Safra. E é com subsídio implícito (financeiro), não tem aporte do Tesouro Nacional no BNDES, é importante deixar claro. (Há uma fatia extra que será emprestado com recursos vindos de fundos setoriais, com regras específicas, como o Fust, de telecomunicações).
Economistas também criticam a possibilidade de o BNDES voltar a crescer ao ponto de afetar a eficiência da política do Banco Central no mercado de crédito e retardar a queda da taxa de juros (efeito crowding out). Como o sr. avalia esse efeito, há esse risco?
O BNDES representou no ano passado o equivalente a 1,3% do PIB no crédito do País. Você acha que um banco que representa 1,3% do crédito do País vai afetar a política monetária? O BNDES chegou a (emprestar o equivalente a) 4% do PIB. Historicamente, lá no governo Fernando Henrique Cardoso, a média era em torno de 2% do PIB. E é o que nós estamos querendo voltar, para no final do governo presidente Lula chegar próximo a 2% do PIB. Não vai ser isso que vai influenciar a política monetária, nem a queda dos juros, mesmo porque, como disse, a maioria das taxas são taxas a (preços de) mercado. Não tem nada de subsídio do Tesouro e uma coisa ou outra de subsídio implícito (financeiro).
O ministro Haddad tem falado sobre a necessidade de rever subsídios e benefícios tributários. Não é um contraste lançar um programa com subsídios para a indústria?
Esse programa não afeta em nada a política fiscal, não afeta em nada o que o ministro Haddad está colocando como premissa. Esses recursos são TR para inovação, que tem risco, é inerente. Se você quer um País inovador, tem que apoiar com isso. Ser contra uma linha mais barata para apoiar a inovação me parece um contrassenso. Não querem que as empresas brasileiras inovem? Vamos querer o quê? E a outra é a linha verde, que é o que há de mais moderno no mundo. Isso já está dentro das discussões feitas com o próprio ministro Haddad. Lembrando que a TR foi aprovada pelo Congresso e o Fundo Clima foi captado a (custo de) mercado. Então não tem esse subsídio todo que estão falando que tem, isso não vai afetar a política fiscal.
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