BRASÍLIA - O governo Lula será obrigado a escolher entre dois caminhos ruins na economia e que terão efeitos negativos para o PT nas eleições presidenciais do ano que vem: deixar a inflação ficar acima do teto da meta ou ver o mercado de trabalho se deteriorar. Essa é a visão do economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, doutorado em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e professor titular aposentado do Departamento de Economia da PUC-Rio.
Para o economista, a escolha será pela inflação mais alta e, por isso, as estimativas da Genial apontam que o IPCA ficará acima de 7% em 2026, puxado pela valorização do dólar - que, na sua visão, pode chegar a R$ 7,20, - e pelo aumento de gastos no ano das eleições.
Na avaliação de Camargo, parte do ajuste fiscal será feito via aumento da inflação, porque isso diminui a dívida em termos reais - um cenário parecido com o que o Brasil viveu nos anos 80. “É um calote disfarçado, num certo sentido. Você está diminuindo o valor da dívida (com a inflação mais alta). Os possuidores da dívida, aqueles que comparam títulos com taxa de juros fixa lá atrás, vão perder”, afirmou.
Ele afirma que as fake news acerca do Pix mostraram que a perda de credibilidade no governo é generalizada. “É impressionante que o governo tenha de voltar atrás numa norma da Receita Federal devido às redes sociais. Isso mostra que as pessoas não estão acreditando efetivamente naquilo que o governo está falando.”
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A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual a avaliação do sr. sobre o momento atual da economia?
Os investidores não acreditam que o governo vai fazer qualquer coisa importante para reduzir despesas ou pelo menos fazer com que elas parem de crescer. Isso gera pressão inflacionária. E uma parte grande do problema tem a ver com a política de aumento real (acima da inflação) do salário mínimo, que indexa gastos obrigatórios, transferências sociais.
Como reverter esse quadro?
O superávit primário que você precisa ter para reverter essa trajetória de aumento da dívida, que está crescendo 4 pontos porcentuais do PIB ao ano, precisaria ser da ordem de 2% do PIB. Hoje temos um déficit de 0,5% do PIB. Então, temos de fazer uma virada de 2,5 pontos só para parar o aumento. Obviamente que os investidores não acreditam que o governo vai fazer nada parecido com isso.
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Qual a sua visão sobre o pacote de contenção de gastos anunciado pelo governo?
Ele é insuficiente até mesmo para parar o crescimento da dívida. Então, você me pergunta: o que precisaria fazer? A primeira coisa, a mais importante, é mudar a política de salário mínimo. Ela é insustentável no médio prazo, e os investidores estão colocando a valor presente esse risco. Por isso que a taxa de juros já está em 15% em todos os vencimentos.
O governo colocou um teto de 2,5% no crescimento real do salário mínimo. Não é suficiente?
Ter alta de 2,5% em termos reais significa somar com mais 5% de inflação. Dá 7,5% nominal, é insustentável. Então, é preciso uma taxa de juros maior para o investidor comprar títulos do governo. Caso contrário, o risco é muito grande.
Uma nova mudança no salário mínimo parece inviável politicamente. O precisaria ser feito?
Tirar o aumento real seria um ganho substancial para a confiança. Isso afetaria o preço de mercado, acho que imediatamente.
Ter pelo menos uma data para o fim da indexação?
Isso pode pode ter algum efeito, mas ainda assim o ideal seria começar logo. Quando o (ex-presidente Michel) Temer aprovou o teto de gastos (que limitava o crescimento das despesas pela inflação), a taxa de juros caiu à metade. O País gasta todos os anos entre 8% e 9% do PIB para pagar juros. Isso é obviamente insustentável em qualquer lugar do mundo.
O País já teve juros mais altos. Por que agora o efeito é pior?
Você tinha uma taxa de juros alta, mas a dívida era 40% do PIB. Agora, é 80%. E a expectativa dos agentes financeiros é de que isso vai continuar aumentando. Esse é o problema.
Tudo constante, o que vai acontecer?
Provavelmente o Banco Central, o Executivo e o Ministério da Fazenda vão entrar em um acordo e vão fazer com que o Banco Central aceite uma taxa de inflação um pouco maior do que a meta. Na nossa avaliação, a gente vai ter uma taxa de inflação de 5,7% em 2025 e de 7,2% em 2026. Ainda assim, o Banco Central vai reduzir a taxa de juros a partir de 2026. Vai fechar 2026 com uma taxa de juros de 13,25% ao ano.
Como ele justificaria isso?
O Banco Central vai aceitar uma taxa de inflação acima da meta para diminuir o crescimento da relação dívida/PIB, porque a dívida brasileira é denominada em reais. Nós não temos dívida denominada em dólares. Quando a taxa de juros real cai, a dívida cresce menos. Esse é o ponto importante.
Vira um ajuste via inflação?
É um calote disfarçado, num certo sentido. Você está diminuindo o valor da dívida. Os possuidores da dívida, aqueles que comparam títulos com taxa de juros fixa lá atrás, vão perder.
Mas o aumento dos juros não aumenta a dívida?
O Banco Central sobe menos o juro do que o necessário para levar a inflação para a meta. A inflação é maior que a meta. E isso reduz a taxa de juros real. Menos juros gera menos déficit público e reduz o volume da dívida real. O detentor da dívida perde a diferença.
É um pouco do que o Brasil fazia nos anos 1980?
Isso aconteceu também em 2021. Você tinha uma inflação próxima de zero e ela subiu para próximo de 10%. Essa aceleração inflacionária fez com que a dívida, com proporção do PIB, caísse. Além do fim do programa de ajuda emergencial, que reduziu despesas. Depois, ele voltou, mais próximo das eleições de 2022.
O aumento da inflação previsto pela Genial seria puxado pelo quê?
Pelo dólar mais alto e por uma política fiscal extremamente expansionista. Você já está com problema, por exemplo, de defasagem do preço de combustível. O nosso receio é que o governo passe a adotar outros instrumentos, que não a política monetária, para controlar preços, como aconteceu lá em 2012, 2013, 2014. Segurar combustível, preço de energia, compulsório, esse tipo de coisa que a gente conhece. Acho que é o grande risco neste momento.
E, tudo constante, o dólar bateria onde?
A nossa avaliação é de que a taxa de câmbio iria para R$ 6,50 no fim deste ano e chegaria a R$ 7,20 em 2026.
Como o sr. avalia a força do ministro Haddad depois da desidratação do pacote?
Acho que perdeu muita credibilidade. O governo, de modo geral. Conversando com os investidores, a impressão é que não querem o Brasil neste momento. Estão cansados. Os bancos estão diminuindo a nota do Brasil. O ambiente é bem negativo para a economia brasileira neste momento.
Como viu o episódio das fake news do Pix?
Mostrou que essa perda de credibilidade é generalizada no governo como um todo. É impressionante que o governo tenha de voltar atrás numa norma da Receita Federal devido às redes sociais. Isso mostra que as pessoas não estão acreditando efetivamente naquilo que o governo está falando.
Como avalia o cenário eleitoral sob essas condições econômicas?
A escolha para o governo não é muito fácil. Por um lado, você precisa fazer um ajuste fiscal duro para poder readquirir credibilidade e reduzir a taxa de juros que os investidores estão cobrando para financiar a dívida brasileira. Isso significa redução da taxa de crescimento, mais desemprego - o que é impopular. Por outro lado, o outro caminho é manter o cenário fiscal mais ou menos intocado, mas ao mesmo tempo gerar uma pressão inflacionária que vai fazer com que a taxa de inflação chegue a 7% ou 7,5% em 2026, que também é impopular. A pergunta que vai ter de ser respondida em 2026 é qual o caminho que o governo vai escolher. Se é mais desemprego e menos inflação ou se é mais inflação e menos desemprego.
Hoje, o caminho seria mais pela inflação?
No nosso cenário, a taxa da Selic sai de 15% para 13,25% em 2026. Você tem um aumento da taxa de inflação e queda na Selic. Isso é aquele cenário que eu estava falando em que você usa um pouco de inflação para diminuir o crescimento da dívida. Ainda assim, a dívida continua crescendo, mas a uma taxa menor; a taxa de crescimento desacelera em relação ao cenário inicial.
Como o Banco Central justificaria uma queda da Selic com a inflação fora da meta?
Se você conversa com os diretores do Banco Central hoje, eles dizem que vão perseguir a meta a qualquer custo. Mas você tem um problema de credibilidade envolvido nesse processo. Você tem de acreditar nisso, e os investidores não estão acreditando.
Estamos em cenário de dominância fiscal, ou seja, de perda de eficácia da política monetária?
Os juros ainda são um instrumento eficaz para controlar a taxa de inflação? Sim. Agora, você precisa de uma taxa de juros muito elevada para levar a inflação para a meta. A expectativa dos investidores é de que a taxa de juros vai chegar a 15%. Ainda assim, as expectativas para a inflação estão crescendo até 2028. Ou seja, os investidores não acreditam que 15% de Selic é suficiente. Isso é muito complicado.
O que o próximo governo eleito - seja o governo atual, seja a oposição - vai ter de fazer?
O que o Temer e o Bolsonaro fizeram. Quando o presidente Temer aprovou o teto do gasto, a taxa de juros caiu à metade. Em seis meses, sem fazer nada. Só a expectativa de que você ia ter um teto de gastos. E o que é isso? Isso é credibilidade fiscal.
Para isso dar certo, teria de acabar com todas as indexações?
Eu acho que uma coisa importante é acabar com a indexação do salário mínimo acima da inflação. Esse é fundamental. Se você não fizer isso, esquece. Aliás, também foi feito. O ex-presidente Bolsonaro fez exatamente isso: acabou com a indexação do salário mínimo acima da inflação, acabou com a correção de gastos de saúde e educação pela receita corrente líquida. O Lula é que voltou com isso com a PEC da Transição.
Mas como alguém vai ganhar a eleição com uma campanha defendendo fim do ajuste do mínimo?
A crise do governo Dilma foi tão grande que as pessoas estavam olhando pra trás e dizendo: não dá. E o presidente Bolsonaro foi eleito sem precisar dizer que ia acabar com algumas políticas. E aí, tem uma coisa que eu acho que é importante: os gastos sociais no Brasil são muito elevados, mas extremamente ineficientes. Eu acho que redesenhar os programas sociais brasileiros pode ser uma forma muito importante de você conseguir poupar dinheiro e melhorar o atendimento da população no que se refere a questões sociais.
O PT tem medo do efeito sobre o seu eleitorado de medidas impopulares, uma vez que hoje a oposição tem o controle da narrativa das redes.
Acho que essa campanha contra as redes sociais por parte do governo Lula é muito impopular; de que a rede é inimiga, que precisa controlar. As pessoas encaram como censura. Eu acho que eles estão fazendo tudo errado do ponto de vista de marketing. As redes sociais são uma coisa que todo mundo gosta.
Vocês preveem recessão em algum momento com a Selic indo a 15%?
A gente prevê desaceleração. A gente acha que vai ter uma desaceleração importante. A nossa estimativa de crescimento do PIB este ano é de 2,4%, e 1,8% em 2026. Tem de levar em consideração o fato de que a agricultura vai ser muito positiva em 2025. Então, essa desaceleração é muito ligada, principalmente, à indústria, e um pouco a serviços, que é o setor urbano da economia brasileira, que é onde estão os votos aí, do ponto de vista político, essa desaceleração pode ser bem ruim.
O dia do anúncio da isenção do Imposto de Renda de R$ 5 mil foi decisivo para essa perda de credibilidade?
Acho que se intensificou o processo de deterioração e de perda de credibilidade. O risco é o governo achar que não precisa fazer nada, e a hora que entender isso, já era. Existe um risco de perda de controle sobre o processo. E isso acontece; é só olhar a história do Brasil para gente ver que acontece com alguma frequência.