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Economia virá a reboque de pacificação política e social, diz pai da Lei de Responsabilidade Fiscal

Segundo José Roberto Afonso, há motivos para calma com novo arcabouço fiscal, que poderia focar na sustentabilidade da dívida pública e no reforço de sua gestão pela União

Entrevista comJosé Roberto AfonsoProfessor do IDP e da Universidade de Lisboa, e vice-presidente do Fórum de Integração Brasil-Europa (Fibe)

Não há motivo para o nervosismo de analistas e economistas de mercado com os rumos da política fiscal, diz o economista José Roberto Afonso, um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao contrário, “há motivo para calma”, por causa da retomada do diálogo e pactuação entre os poderes e esferas de governo, diz ele, que defende a apresentação no curto prazo de um novo conjunto de regras fiscais que “poderia focar na sustentabilidade da dívida federal e em reforçar o manejo da gestão fiscal da União”.

Instado a participar de uma comissão para debater essas regras e outros assuntos de política econômica, sob coordenação do também economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, Afonso está atualmente radicado em Lisboa, Portugal. Além de professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e da Universidade de Lisboa, o economista é também vice-presidente do Fórum de Integração Brasil-Europa (Fibe). A entidade organiza, a partir desta quarta-feira, 22, até sexta, 24, na capital portuguesa, o fórum “Futuro da Governança Fiscal”.

José Roberto Afonso diz que o Banco Central e o Tesouro Nacional podem até ser geridos de forma autônomas entre si, mas suas políticas são completamente interdependentes da política econômica  Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O evento, que não terá transmissão via internet, tem previstas as participações, além de Afonso e Lara Resende, da consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Teresa Ter-Minassian, que foi negociadora do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do economista Olivier Blanchard, professor do MIT e ex-economista-chefe do FMI.

A seguir, os principais trechos da entrevista por e-mail, ao longo do carnaval:

Desde as eleições, economistas e analistas de mercado apontam riscos de desequilíbrio nas contas públicas, o que vem se refletindo em alta do dólar e dos juros nos títulos negociados no mercado. Há motivo para nervosismo? Os riscos são tão elevados?

Ao contrário, há motivo para calma. A pacificação política foi de vez consolidada, afastados o golpe e os golpistas, retomados o diálogo e a pactuação entre poderes e governos, como há muito não se via no País. A pacificação social foi iniciada, com benefícios emergenciais aos mais pobres e, em seguida, se espera que eles possam ganhar oportunidades de mais trabalho, renda e dignidade. A economia virá a reboque desse processo e dispõe de oportunidades estruturais que, se bem aproveitadas, apontam para crescimento firme. As contas públicas já estavam desequilibradas antes das eleições, inclusive as eleições foram uma das principais razões para os desequilíbrios. Por isso, é imprescindível a reforma do regime fiscal e ela está sendo motivada e será decidida pelo Congresso. Se algo piorou nas últimas semanas foi a dívida privada, com graves retrocessos em torno da governança corporativa, quando sequer se sabe quanto deve uma das maiores empresas privadas do País (a Lojas Americanas, que revelou ao mercado, em janeiro, problemas contábeis da ordem de R$ 20 bilhões, o que acabou levando a empresa a pedir recuperação judicial). Riscos sempre existem, mas, talvez, o maior de todos é errar na mão das projeções e expectativas.

O desequilíbrio das contas justifica manter a taxa básica de juros (Selic, hoje em 13,75% ano) no nível atual ou ela está exageradamente alta?

Juros, por princípio, não deveriam ser fixados considerando apenas condições fiscais. Por exemplo, pode ter sido preciso elevar os juros de forma abrupta para evitar uma fuga de capitais em meio a um cenário eleitoral demasiado tenso. O certo é que políticas monetária, cambial, financeira e fiscal precisam ser combinadas e coordenadas. Banco Central (BC) e Tesouro Nacional podem até ser geridos de forma autônomas entre si, mas suas políticas são completamente interdependentes da política econômica. Sobram análises das partes e carecem do todo, ou seja, precisamos voltar a tratar da macroeconomia.

Voltar tratar da macroeconomia significa o quê? Haveria espaço para cortar os juros já?

Voltar a ter política econômica, a ter equipe, a ter autoridades econômicas – e não apenas, ou monetária, ou fiscal, que não se falam entre si. Me parece prudente considerar as sinalizações de todos os lados, afinal não se é uma central de bancos. Mais que isso, olhar para o futuro, ponderar oportunidades, abranger demais políticas e ações são necessárias para evitar que até os juros sejam fixados pelo ChatGPT. Há espaço e urgência para voltar a crescer.

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O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, lembrou, na semana passada, que o aumento na taxa Selic elevou o endividamento privado. O risco na dívida privada pode ser maior do que na dívida pública?

O governo, por princípio, é o devedor menos arriscado em qualquer economia do mundo – ainda mais se a dívida é majoritariamente formada por moeda local. A depender das circunstâncias, é possível que um aumento de juros básicos públicos e, sobretudo, que o seu deslocamento dos preços ao atacado não apenas possa pressionar mais a dívida privada que pública, quanto até a levar a romper esquemas sofisticados de pirâmide financeira.

A apresentação das novas regras fiscais deveria mesmo ser prioridade?

Não é questão de opção ou gradação, mas de obrigação. Repetindo a história do projeto da lei de responsabilidade fiscal, em 1998, o Congresso aprovou uma emenda constitucional ao fim do ano passado, exigindo que o novo presidente da República envie uma nova proposta para reformar o regime fiscal.

Novas regras fiscais ou um rearranjo das regras já existentes não deveriam vir junto de uma reforma orçamentária?

Em dois tempos e dois projetos, me parece que seria o melhor processo legislativo. De imediato, uma proposta poderia focar na sustentabilidade da dívida federal e em reforçar o manejo da gestão fiscal da União. Só depois, trataria da reforma orçamentária, consolidando com outras regras e padrões, consolidando leis e medidas, criando um único e consistente código fiscal no País.

Uma reforma orçamentária não seria até pré-condição para a reforma administrativa e a reforma tributária?

Um plano nacional de desenvolvimento, seguido de uma estratégia de reformas institucionais, deve se sobrepor e condicionar as reformas. Os tempos entre si podem ser diferentes, os instrumentos podem ser diversos, mas os objetivos devem ser os mesmos. Uma transformação digital radical dos governos pode ser mais eficiente do que emendas constitucionais para reformar o orçamento, a administração pública e até mesmo o sistema tributário.

Tanto o fórum em Lisboa quanto as discussões que o BNDES vai fomentar incluem especialistas do exterior. O que a experiência internacional sobre regrais fiscais mostra?

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O mundo mudou e muito, desde revolução digital até a covid-19, chegando na guerra na Ucrânia. De conceitos e teorias até medidas e experiências das grandes potências e blocos de países do mundo estão sendo repensados, rediscutidos e alguns discutidos. O Brasil precisa se reintegrar ao mundo, não apenas para fazer política e negócios, como também para conhecer e participar desses debates. No caso fiscal, em 1964, o Brasil adotou um sistema de orçamento público que muitos governos ricos só foram adotar ao fim do século (XX). Em 2000, adotamos uma Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que surpreendeu pela amplitude, sofisticação e eficiência. Como em outros casos, o País tem capacidade de pensar e de inovar, também no setor público.

Já que o BNDES puxará uma das discussões sobre as regras fiscais, qual o papel do banco na política fiscal? A expansão do BNDES, com os aportes do Tesouro entre 2008 e 2014, que acabaram por elevar a dívida pública, contribuiu para aumentar os desequilíbrios nas contas?

O BNDES tem histórico de ajudar na elaboração do projeto da LRF, quando ninguém conhecia o tema. Agora, do BNDES à Febraban (entidade que representa os bancos privados), o Fibe (Fórum de Integração Brasil-Europa) e outras entidades se interessam por apresentar subsídios técnicos ao governo para preparar seu projeto e, sobretudo, ao Congresso, que o decidirá. Entre as normas, se poderia evitar o recurso a endividamento público e socorro privado, inclusive via bancos públicos. Por um acaso do destino, essa agenda se apresenta justamente quando surgem graves problemas de crédito no mercado privado e, como ele sempre exigiu, desta vez terá que encontrar soluções sem pressionar as contas públicas e sem usar banco público para entrar de onde banco privado precisará sair. Novos tempos, dos dois lados.

A partir de 2016, o BNDES começou a devolver os aportes do Tesouro. Essas devoluções, que afinal reduziram a dívida pública, eram mesmo necessárias?

É o futuro que pagará a conta de certo ilusionismo recente. O Tesouro já acumulou caixa, rondando 20% do PIB, sem precedente do mundo. Retorno de crédito não tem impacto fiscal primário. Melhor seria reduzir a dívida federal a conta da austeridade, como nos governos estaduais e municipais, únicos submetidos aos rigores plenos da LRF.

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Há risco fiscal diante de eventual nova expansão do BNDES?

Sem risco, até porque não deve ser expansão só do BNDES, mas seguindo a estratégia de outras instituições financeiras de desenvolvimento do mundo, voltada para a transição energética e climática e para o empreendedorismo, ao promover novas parceiras privadas para financiamento e para investimento.

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