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‘Estamos vendo um diálogo de surdos entre mercado e governo’, diz José Roberto Mendonça de Barros

Economista reconhece que críticas à questão fiscal são consistentes, mas avalia que o governo deve fazer ajuste, ainda que tímido, pelo lado do gasto, para melhorar resultado das contas públicas

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Entrevista comJosé Roberto Mendonça de BarrosSócio da MB Associados e ex-secretário de Política Econômica

Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, o Brasil assiste a um “diálogo de surdos”. De um lado, diz, os críticos do governo apontam para a sinalização da fraqueza fiscal do País diante da previsão de que a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) vai ultrapassar o patamar dos 80%. Do outro lado, lembra ele, a equipe econômica afirma que seus esforços têm sido “subestimados” num contexto em que há uma redução do impulso fiscal e é preciso negociar com um Congresso que nem sempre se preocupa com a saúde das contas públicas.

“Eu digo que é um diálogo de surdos. É uma questão de que lado você olha. O governo é fraco no Congresso, e o Congresso vota a renovação de incentivos. Não é muito realista dizer que qualquer coisa criada pelo Congresso tem de ser resolvida pelo governo”, afirma Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica e sócio da consultoria MB Associados.

Ele reconhece que as críticas dos economistas foram se tornando consistentes. “Se continuar desse jeito, nós vamos bater no muro, porque a relação entre dívida e PIB vai seguir crescendo, com todas as suas consequências.” Mas avalia que o governo atual deve fazer algum ajuste pelo lado do gasto, para melhorar o resultado das contas públicas, embora uma mudança mais profunda só deva ocorrer depois de 2026.

“Eu acho que alguma coisa a gente vai ter de resposta, mas será aquém do que seria necessário”, afirma. “Ou seja, a dívida pública, talvez, possa crescer menos velozmente que ela vinha crescendo, mas evidentemente ela seguirá crescendo”, diz.

A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Uma parte do mercado se surpreendeu com a decisão da Moody’s de elevar a nota de risco brasileira. Que avaliação o sr. faz?

Estamos vivendo um momento de um diálogo de surdos. São dois discursos bastante diversos e acentuados pela decisão da Moody’s. De um lado, temos a visão da maioria dos economistas e da imensa maioria dos mercados de que a política fiscal tem sido excessivamente expansionista desde 2022, com alguns furos legais e que estão fora do cálculo do déficit. O resultado é o aumento da dívida, independentemente se (gastos) estão classificados ou não na contabilidade do déficit, como, por exemplo, o caso dos incêndios (o governo foi autorizado a utilizar créditos extraordinários para combater as queimadas).

E, quando você projeta um crescimento persistente, aumenta o prêmio de risco. Há, então, uma pressão no câmbio, que, por sua vez, faz com que as projeções de inflação futura, a chamada ancoragem para 2025 e 2026, seja maior do que as metas, e que, por sua vez, leva o Banco Central a aumentar os juros. Se vai ter mais juros, vai ter mais déficit nominal. É essa trajetória que leva para cima de 80% a relação dívida/PIB dos próximos anos. Não é uma trajetória sustentável. E o governo se concentra em buscar aumento de arrecadação e tem sido bem-sucedido, mas isso é insuficiente. Tem um pedaço da arrecadação que é de elementos temporários e não se repete, o que torna esse argumento mais forte. Isso é um lado. O discurso dos economistas e do mercado foi se tornando muito consistente.

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E aí tem o discurso do governo?

O governo, entendido como o Ministério da Fazenda, retruca com um argumento de que o que está sendo feito, de certa forma, é subestimado. Primeiro, pelo fato de que, embora seja totalmente verdade que a expansão fiscal foi muito forte, nós estamos vivendo uma redução do chamado impulso fiscal nos últimos meses. Neste segundo semestre, isso já está em vigor. É como se você tivesse fechado uma boa parte de torneiras e que isso se projeta para o ano que vem. Mas, a despeito disso, um economista do grupo dos críticos diria: “Você (governo) vai terminar o ano com um déficit nominal de R$ 80 bilhões” e que terá de ser preenchida por dívida. Pode-se dizer que é insuficiente o que está sendo feito. O governo se apega muito ao dizer que, em junho, todo mundo apostava que a meta (de resultado primário) seria mudada, mas ela não foi alterada, que é contraparte desse impulso fiscal, e que não está sendo reconhecido por isso. De novo, pode-se dizer: “Tudo bem, não mudou a meta. Mas é uma meta (de primário) zero de (um déficit nominal) de R$ 80 bilhões”. E não é pequeno. Tem um argumento que o governo usa e eu acho que é verdadeiro, mas a crítica, em geral, não dá, no meu entendimento, o devido peso disso.

Qual é esse argumento?

Uma boa parte dessa expansão fiscal não é do Executivo. É do Congresso. O projeto de renovação das dívidas estaduais é do senhor presidente do Senado. É um projeto pessoal dele. A renovação dos incentivos da folha de pagamento, sem a menor preocupação com quem vai pagar essa conta, é do Congresso, que é soberano para tomar essa decisão. Claro que um crítico vai dizer que “dado isso, o governo tinha de fazer mais do que fez”. Mas é um argumento que, muitas vezes, não leva em conta a limitação política. Por isso, eu digo que é um diálogo de surdos. É uma questão de que lado você olha. O governo é fraco no Congresso ― como é ―, e o Congresso vota a renovação de incentivos. Não é muito realista dizer que qualquer coisa criada pelo Congresso tem de ser resolvida pelo governo. Mas, por mais que haja uma promessa de avanço no corte de despesas, um fato é que o arcabouço fiscal perdeu a credibilidade. E isso é um fato.

Executivo precisa recuperar a credibilidade do arcabouço fiscal, diz José Roberto Mendonça de Barros Foto: Daniel Teixeira/Estadão

E o que precisa ser feito, então?

Cabe ao Executivo recuperar essa credibilidade, fazendo coisas que até agora são mais promessas na área do gasto. Na área de receita, não vai fazer mais do que está fazendo. Eu acho que até o Ministério da Fazenda concorda com isso. Essa ficha já deu o que tinha que dar. Tem de ser na despesa mesmo, nas vinculações, nesse tipo de coisa. É aí que está o coração do problema e, até agora, tem promessa, mas não tem realidade. A visão crítica está mostrando algo que é verdade. Se continuar desse jeito, nós vamos bater no muro, porque a relação entre dívida e PIB vai seguir crescendo, com todas as suas consequências.

E o que que isso significa na prática?

Se continuar desta forma, primeiro, o juro será alto o suficiente para desestimular investimentos. Dois, continua com o investimento em relação ao PIB baixo o suficiente para gente não ter capacidade de crescimento sem gerar inflação. Terceiro, não tem, portanto, sustentabilidade. É e o que está caracterizando este ano. É um crescimento respeitável. Em qualquer lugar do mundo, (um crescimento de) 3% não é pouco. Estou arredondando. Pode ser um pouco mais ou um pouco menos. E pelo terceiro ano consecutivo. É bom ter crescimento, é bom ter taxa de desemprego baixa. A Moody’s chamou muito a atenção para isso. Mas, a continuar assim, nós não temos a menor condição de sustentabilidade. Nesse sentido, eu digo: os críticos têm mais razão, porque, se não tiver algo maior em termos (de revisão) de despesas e regras, todos os esforços do governo podem baixar um pouquinho a asa do avião, mas não vão impedir que o aumento sistemático da dívida trave o crescimento por diversas maneiras. Na essência, o governo tem um pouquinho mais de tempo com o suporte da agência de rating para fazer efetivamente (algo) e mostrar.

E pode conseguir?

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Tem a dúvida se vai conseguir ou não, porque é verdade que uma boa parte do Congresso ― eu diria que a maioria do Congresso ― quer gastar mais. E uma parte do governo também quer gastar mais. Basta pensar no programa do botijão de gás. Aliás, é uma involução em todos os sentidos, até porque vai exigir entregar o botijão de gás físico, o que é uma insanidade, em vez de ser através de um repasse financeiro. Esse momento de diálogo de surdo precisaria evoluir para algum tipo de voo maior de consenso para a gente destravar. Nesse momento, o mau humor acaba afetando.

Mas esse diálogo de surdo é entre mercado, governo e Congresso?

Eu me refiro entre os economistas e o mercado com o governo, especialmente com a parte gastadora do governo. O Congresso é o grande omisso. É forçoso reconhecer que o Congresso só está interessado nas suas emendas e pouco além disso. Talvez, aprovar a reforma tributária e, ainda assim, com mais entusiasmo na Câmara do que no Senado. Eu acho que o Congresso tem sido um enorme de um omisso, porque aprova bets e outras coisas com facilidade, mas está cada vez mais omisso sobre os grandes problemas do Brasil. O Congresso também tem mais atrapalhado do que ajudado ao aprovar essa sucessão de benefícios.

O ministro Haddad se fortaleceu com a decisão da Moody’s para tocar uma agenda pelo lado dos gastos?

Eu acho que fortalece o ministro no curto prazo, mas a minha percepção é que vai andar alguma coisa da agenda de gasto, mas bem menos do que seria necessário. Primeiro, porque tem um pedaço do governo que quer gastar mais. É um fato objetivo. Mas vai andar um pouco, e essa é uma discordância com muitos colegas que eu tenho. Nesses anos, eu aprendi que o Brasil é um país que não gosta de mudar e que dificilmente forma consensos. E, para formar consensos em alguma direção mais construtiva, tem de ficar muito ruim. O caso clássico é o sucesso do Plano Real versus a hiperinflação. Agora, a mesma coisa está acontecendo com o meio ambiente. Eu acho que a questão fiscal está caminhando para isso, mas, neste primeiro momento, ela não vai ser aceita com toda integridade e força que deveria.

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Por quê?

Porque aí entra um pouco das ideias antigas que permanecem. E permanece, na maior parte do governo, a ideia é de que ou governo promove tudo ou nada vai andar. Isso não é verdade. A capacidade de promoção do governo é muito limitada por muitas razões. Tem um eterno sonho, de algo que nunca é comprovado, de que o gasto gera a sua receita e, portanto, não tem problema. Isso está ultrapassado pelos estudos e pelos fatos. Mas uma boa parte do governo pensa assim, de que pode gastar e, depois, o crescimento traz a arrecadação de que a gente precisa.

Eu tenho a impressão de que está ficando tão evidente esse descompasso na estrutura fiscal, e isso está levando a uma pressão em cima da dívida pública, que vira prêmio de risco, que vira pressão no câmbio, que vira projeção de inflação mais alta e que leva a um aumento de juros. Eu acho que alguma coisa a gente vai ter de resposta, mas será aquém do que seria necessário. Provavelmente, você vai diminuir a ponta da asa. Ou seja, a dívida pública, talvez, possa crescer menos velozmente que ela vinha crescendo, mas evidentemente ela seguirá crescendo. E aí não dá para ir adiante na parte fiscal se não mudar um pouco o pensamento que está por trás. Para quem está convencido de que só o governo empurrando é que as coisas andam, fica difícil comprar um terno de ajuste fiscal.

Quanto tempo a economia aguenta se nada for feito para a dívida parar de crescer?

A pergunta mais apropriada é quando e se os agentes vão perceber que tem uma vontade de verdade de caminhar nessa direção. Se isso for verdadeiro, como todo mundo antecipa uma tendência da qual você está convencido, já é suficiente. O mais importante é se e quando vai ter isso. Eu acho que vamos ter uma melhora parcial nessa postura. Uma melhora mais para valer, talvez, fique para depois de 2026. É a política aqui vai dizer o que que vai acontecer.

PIB deve crescer 1,8% no ano que vem, projeta Mendonça de Barros Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 25/3/2018

E como fica o cenário para o crescimento econômico de 2025 com base no cenário descrito pelo sr.?

Estamos projetando (um crescimento) 1,8%, a despeito dos riscos de que nos últimos anos a previsão do PIB foi subestimada. E por que isso? Um, o impulso fiscal vai ser menor. Segundo, evidentemente, tem a taxa de juros. Ela vai continuar subindo. E com esse juro maior, o risco de crédito fica muito maior, então, tem uma redução do crédito e, eventualmente, um aumento da inadimplência. Um exemplo é o setor agropecuário. Ele pode se recuperar bem no ano que vem, mas nós estamos vendo uma sucessão de recuperação judicial no setor. E tem tudo a ver com gente muito alavancada que não aguenta o ciclo de alta da Selic. E o que tem também é, se você segura o crédito, vai segurar um pouco da indústria. Um pouco do crescimento deste ano, por exemplo, foi o setor de automóveis. O crédito ao consumidor para automóveis foi muito favorável e é um segmento que arrasta um pedaço da indústria, que foi muito bem. O setor industrial deve sofrer mais do que os outros, mas a gente continua vendo, por exemplo, a construção civil com um bom desempenho.

O crescimento pode surpreender de novo em 2025?

De repente, pode ser 2%, 2,5%? Eu acho difícil. A inflação está maior e tem coisas menores que podem fazer algum efeito. O tema do momento, as bets. É um negócio que saiu muito maior do que se imaginava. Este ano é importante lembrar que o aumento do gasto com as bets foi realizado, em parte, em cima do aumento da receita das famílias. É aumento com aumento. Ou seja, a disputa por outros bens é menor, embora tenha milhares de casos de gente que perde tudo. No ano que vem, a renda do trabalho e de transferência das famílias não vai crescer tanto, e o jogo vai continuar crescendo. Por isso, o varejo está tão preocupado, porque vai haver mais disputa no orçamento do consumidor no ano que vem. Se é para continuar jogando a mesma coisa, vai ter de cortar outras coisas.

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