BRASÍLIA – Enquanto o governo tenta superar a crise fiscal que há anos ameaça as contas públicas, uma outra agenda fundamental para o desenvolvimento do País permanece em segundo plano no debate econômico: o aumento da produtividade.
Para jogar luz sobre o tema, os economistas José Ronaldo Souza, da Leme Consultores e ex-diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, e Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, lançam o livro “O desafio da produtividade - Como Tirar o Brasil da Armadilha da Renda Média” (Editora Lux), uma coletânea de artigos de 29 especialistas sobre o assunto.
Em entrevista ao Estadão, Ronaldo Souza diz que o País ainda convive com problemas estruturais que impedem o crescimento mais rápido da produtividade: baixa formação da mão de obra, pouca abertura da economia e gastos do governo com baixa eficácia.
O desafio ficará maior nos próximos anos com o fim do chamado “bônus demográfico”, que fez com que a população em idade ativa crescesse a um ritmo maior do que o da população como um todo. Agora, o efeito será o inverso, com a diminuição do número de jovens e aumento dos idosos – o que, mais do que nunca, tornará crucial para o País melhorar os seus níveis educacionais.
Ainda assim, Souza diz que o piso para despesas na área de educação não é garantia de superar o problema. Para ele, essa política engessa o Orçamento e não implica gestão eficiente desses recursos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O livro aborda os desafios da produtividade no Brasil. Por que ela cresce a um ritmo tão baixo?
São problemas estruturais, como a formação inadequada da mão de obra, baixo grau de abertura da economia, insegurança jurídica, dispersão e má alocação dos gastos com inovação, um sistema tributário distorcivo e infraestrutura precária. Esses fatores criam um ambiente desfavorável para o aumento da eficiência e da competitividade.
O Brasil por muito tempo se aproveitou do bônus demográfico, que está chegando ao fim. Como isso impacta esse quadro?
Com o fim do bônus demográfico, a situação se agrava, pois o crescimento do PIB per capita não pode mais contar com o aumento da população ativa. Durante o período do bônus demográfico, mesmo com a produtividade estagnada, o crescimento da força de trabalho permitia um aumento do PIB per capita.
Como o sr. analisa a política de reajustes do salário mínimo, dentro de um contexto de necessidade de aumento da produtividade?
A política de reajustes do salário mínimo apresenta desafios significativos, especialmente considerando a ausência de uma tendência de melhora na produtividade. O País enfrenta um desequilíbrio nas contas públicas, exacerbado pelos elevados gastos com a Previdência Social. Essa política contribui para engessar ainda mais o Orçamento, colocando em risco a viabilidade do cumprimento do novo arcabouço fiscal.
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E qual análise pode ser feita em relação aos pisos da saúde e da educação?
São fatores adicionais que contribuem para engessar os gastos. Mesmo em um cenário de crescimento econômico, o fato de os pisos estarem novamente sendo definidos como porcentuais da receita implica que qualquer aumento na receita levará a um aumento correspondente nos gastos. Essa dinâmica dificulta a sobrevivência da nova regra fiscal, gerando instabilidade macroeconômica. Isso eleva o risco e reduz os investimentos, criando um ciclo vicioso que compromete o desenvolvimento sustentável do País.
Se o bônus demográfico vai acabar, o piso da educação não ajuda a melhorar o quadro ao garantir mais recursos para a área?
Não basta apenas aumentar recursos, é fundamental melhorar a gestão educacional. Isso envolve cobrar resultados dos gestores e premiar os educadores que alcançam bons desempenhos. Além disso, é necessário alocar melhor os gastos com educação profissional, direcionando-os para áreas com maior demanda do setor produtivo e adaptando os trabalhadores às novas tecnologias. A combinação de gestão eficiente, avaliação de desempenho e investimento estratégico em áreas críticas pode criar um sistema educacional que verdadeiramente eleva a produtividade e atende às necessidades do mercado de trabalho.
Um dos capítulos do livro aborda o mercado de trabalho e a importância das instituições. Por que ainda é tão difícil medir os impactos da reforma trabalhista?
Várias coisas acontecem ao mesmo tempo e é difícil isolar os efeitos. Quando temos uma mudança desse tipo, e ela gera efeito rapidamente, se consegue medir maravilhosamente. Há vários casos assim. Mas no caso do mercado de trabalho é bem mais complicado por esse motivo: há incertezas acerca da interpretação da lei e insegurança jurídica relacionada à própria legislação trabalhista. Também tivemos uma pandemia no meio do caminho.
Os trabalhadores por conta própria estão aumentando. Já é um efeito da reforma ou é avanço tecnológico?
Temos emprego por aplicativo, que gera o trabalho por conta própria. Entregas com o próprio carro para empresas, a logística mudou muito. Quando vi pela primeira vez, eu fiquei surpreso: um carro particular trazendo encomenda para Mercado Livre, Amazon, empresas grandes. E há outra coisa também que é a pejotização – em particular o MEI. Aí vem uma distorção que existe no mercado de trabalho, que é o custo final de o trabalho ser muito alto. Quando você cria essa alternativa do PJ, acaba sendo atraente para ambos os lados, porque o trabalhador recebe mais, e o empregador paga menos.
Umas das principais agendas é a redução do custo trabalhista...
Não só diminuir, mas é muito importante ter flexibilidade, de poder fazer acordo, de poder reduzir a insegurança jurídica, com menos regras, mais simples, mais claras, e que permitam ter uma flexibilidade maior para acordos coletivos, por exemplo. Claro, considerando que não deixe poder excessivo nas mãos das empresas, deixando as regras mais claras possíveis para reduzir essa excessiva litigância que há na Justiça Trabalhista.
E a inteligência artificial, como se preparar para essas mudanças?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Temos EUA e Europa relutando, tendo discussões infindáveis a esse respeito, e o que acaba acontecendo é que dificilmente vamos ter um acordão entre países proibindo avanços. Quando a gente vê pesquisas na área, não há consenso de que haverá efetivamente redução de postos de trabalho. A gente acaba criando outras funções, o que todo mundo já sabe, mas as pessoas ficam assustadas porque há um desconhecimento de para onde vai. Para mim, isso, está bem parecido com a época da revolução industrial, quando se criou um pandemônio de que ia acabar o trabalho, e ao contrário, se criou mais.
O que o governo brasileiro deveria fazer para lidar com a inteligência artificial?
É preciso criar flexibilidade e investir em formação de mão de obra. A gente tem muito problema com formação na matemática, nas engenharias, e é fundamental para entender a lógica dessas coisas, para lidar bem com essas tecnologias. Até onde a gente está vendo, as tecnologias demandam alguém sabendo gerenciar. Tem que saber bem interpretação de texto, lógica, cada vez mais estão se cobrando esse tipo de formação porque, a pessoa que não tiver, vai ser enganada e ludibriada pela própria inteligência artificial.
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