Uma semana após o aumento da taxa Selic, para 10,75% ao ano, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, avalia que os juros altos ensinaram o Brasil a viver de renda e a deixar de investir no setor produtivo.
“Precisamos romper com essa cultura da financeirização, com essa cultura do rentismo. Não sou comentarista de reuniões do Copom. Então, vou me abster de dizer se foi certo ou errado esse aumento de 0,25 (ponto porcentual). O que eu digo é que, do ponto de vista macro, não tem cabimento os juros praticados no Brasil”, reclamou.
O empresário participou do vodcast Dois Pontos, do Estadão, que foi ao ar nesta quarta-feira, 25, ao lado do vice-presidente da República e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.
Segundo Josué, é impossível o País se desenvolver com o atual patamar dos juros. Ele ainda criticou as exceções incluídas na reforma tributária, e espera que o Senado reduza os descontos do imposto sobre valor agregado, o IVA, para “travar” a alíquota de referência em 26,5%.
Apesar da queda nos níveis de reservatórios das hidrelétricas por conta da estiagem, Josué não vê risco de apagão. Ao observar que a matriz é hoje mais diversificada, destacou que a energia está mais competitiva.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Mesmo que a nova política industrial proposta pelo governo seja um sucesso, o Brasil vai conseguir acompanhar a transição tecnológica de economias onde os investimentos na transformação industrial estão na casa do trilhão de dólares?
A Fiesp promoveu um estudo que demonstra que a indústria de transformação deveria estar investindo quase R$ 240 bilhões a mais por ano do que investiu nos últimos dez anos. Mas (a nova política industrial) é um passo fundamental, sem o qual a situação estaria ainda pior. E, mais importante: não tem nenhum subsídio, exceto nas linhas de inovação. Pelo contrário, acho que tem é ganho fiscal, já que 30% da carga de tributos é recolhida pela indústria de transformação no Brasil. Se a indústria de transformação cresce, o que há, na verdade, é uma melhora do fiscal. Vemos com muito bons olhos o Nova Indústria Brasil (nome da política industrial). É verdade que os recursos são abaixo do que gostaríamos, mas também é verdade que é um olhar atento do governo do presidente Lula, e eu acho que a indústria vai dar resposta rapidamente.
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A indústria voltará a ter maior representatividade no PIB?
O que importa é nós termos um ponto de inflexão no decréscimo da indústria de transformação em relação ao PIB. Acho que está havendo esse ponto de inflexão. A formação bruta de capital fixo (a medida dos investimentos no PIB), graças aos investimentos da indústria, melhorou no segundo trimestre, está puxando o PIB. O Brasil pode ser uma grande indústria de transformação de produtos verdes do mundo. A reforma tributária vai tornar a indústria nacional muito mais competitiva para exportar, porque hoje acabamos exportando impostos.
As exceções incluídas na reforma tributária limitaram o impacto positivo na indústria?
É óbvio que nós gostaríamos que essa reforma tributária tivesse menos exceções. Podia estar com alíquota de referência de 20,5% (do IVA). Na lei complementar, falou-se em 26,5%, mas alguns já dizem que pode estar acima de 28%. Como sociedade, temos de entender que esses benefícios dados para um grupo apenas acabam prejudicando a todos. Sendo sincero, a indústria tem sofrido mais com isso, porque ela tem tido menos capacidade de obter alguns benefícios do que outros setores, e a conta acaba sendo paga pela indústria.
O sr. se preocupa com as consequências das mudanças climáticas na disponibilidade de energia? Teme um apagão?
O sistema elétrico brasileiro é extremamente resiliente. Não acho que corra qualquer risco de apagão. Temos uma matriz energética hoje bem mais diversificada. A energia hídrica ainda é uma fonte importante, mas temos, na base, as térmicas. O ideal é que elas não sejam despachadas, porque acaba não só poluindo, como também sendo mais cara. Mas dá uma resiliência muito grande ao sistema. Todas as medidas que estão sendo tomadas pelo Operador Nacional do Sistema, juntamente com o ministério de Minas e Energia, vão evitar qualquer risco de um maior problema de oferta de energia.
Mas a crise climática pode frear um pouco a reformada da indústria?
O que mais cresce é a energia que hoje está caindo de custo fortemente: a solar e a eólica. A energia já foi um problema para a indústria. Ainda é porque tem muitos jabutis (emenda parlamentar sem qualquer relação com o tema principal de um projeto de lei), muitos encargos. Mas está mais barata do que já foi alguns anos atrás. A energia hoje para a indústria está mais competitiva.
E o aumento dos juros? Pode afetar?
Estamos convivendo com a taxa básica de juros no Brasil extremamente elevada há 30 anos. O Brasil aprendeu a viver de renda nesse período, deixou de investir. Gastamos em juros (nos últimos dez anos) seis vezes mais do que o Estado investiu em infraestrutura. Precisamos romper com esta cultura da financeirização, com essa cultura do rentismo. Não sou comentarista de reuniões do Copom. Então, vou me abster de dizer se foi certo ou errado esse aumento de 0,25 (ponto porcentual). O que eu digo é que, do ponto de vista macro, não tem cabimento os juros praticados no Brasil. É impossível que uma sociedade se desenvolva com esse tipo de taxa básica na economia.
A pressão de grupos de influência na regulamentação da reforma tributária preocupa?
Muito. Estivemos recentemente com o relator da reforma tributária no Senado (senador Eduardo Braga). Ele está muito consciente de que não pode prejudicar alguns pontos que são fundamentais. Um deles, inclusive, é justamente o caráter que a reforma tem de simplificar o modelo tributário brasileiro. Poderíamos ter a grande chance de ter uma reforma tributária com alíquota única de 20%. Vamos ter uma alíquota, talvez, de 26,5%. Ela traz vantagens enormes. Só esperamos que o Senado — e, depois, a Câmara, porque volta para a Câmara — de fato reduza as exceções que foram criadas, simplifique o modelo e consiga travar em, no máximo, 26,5% (a alíquota do IVA).
Como o senhor avalia o tratamento dado à Zona Franca de Manaus?
Preocupa muito o uso do Imposto Seletivo como instrumento de manutenção da Zona Franca de Manaus. Sou muito mais favorável que se criasse um espaço fiscal e um recurso dedicado à Zona Franca de Manaus, promovendo, principalmente, as potencialidades naturais da região, que tem uma biodiversidade riquíssima. Então, o uso do Imposto Seletivo com esse propósito preocupa. Começaram a criar impostos seletivos para quase tudo. O Imposto Seletivo é um dos capítulos da reforma tributária que preocupam, até porque traz uma distorção adicional: é cumulativo. Precisamos cuidar disso.
Quais mudanças o sr. propõe ao Imposto Seletivo em relação ao texto que saiu da Câmara?
Primeiro, limitá-lo ao máximo que estava previsto originalmente, quando se concebeu a emenda constitucional. O Seletivo deveria apenas ser para aqueles setores que produzem externalidades. Por exemplo, aqui correndo o risco de alguns setores da indústria me criticarem, tabaco é um setor que eventualmente traz externalidade ao setor de saúde. Então, este, sim, talvez caiba o Imposto Seletivo, limitado a um teto máximo.
Como evitar que o IVA fique mais alto?
Tem um mecanismo simples para limitar a 26,5%: calculou, deu mais de 26,5%, reduz o porcentual de desconto dos setores que estão com exceções. Mantém as mesmas faixas, mas ao invés de 60% de desconto, diminui para 50% de desconto; diminui de 30% de desconto para 20% de desconto. Não sei se a matemática é esta, estou aqui dando um exemplo sem fazer cálculo. Mas é possível estabelecer um mecanismo simples de trava máxima, até porque à medida que a alíquota de referência aumentar, vai ter um incentivo à sonegação. Quanto maior a alíquota, mais tem o risco de aumentar a evasão fiscal. Não vale a pena. O ideal é que a alíquota seja mais baixa para todos.
A indústria está pronta para um acordo entre Mercosul e União Europeia?
Tem setores que se preocupam com isso, mas, em geral, estamos apoiando. Hoje, são os europeus que estão resistentes. Mas acreditamos que vamos chegar a bom termo, e que o acordo será implementado. É mais um espaço para o Brasil aumentar a sua corrente de comércio.
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