O economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, avalia que o espaço para o Banco Central reduzir a taxa básica de juros vai ser menor do que o mercado projeta. No cenário traçado por ele, o BC deve encerrar o ciclo de corte de juros em junho, quando a Selic deve chegar a 10%.
O mercado trabalha com números diferentes. No relatório Focus, produzido pelo Banco Central com base na previsão de analistas, a Selic deve encerrar este ano em 9% e recuar para 8,5% no ano que vem.
Na leitura de Porto, o ciclo de afrouxamento monetário deve ser mais curto pela combinação de um mercado de trabalho mais aquecido, o que pressiona a inflação de serviços, e por uma expectativa de aceleração da economia brasileira ao longo de 2024.
“O Banco Central continua cortando 50 pontos nas próximas duas reuniões, mas vai parar na de junho, com a Selic a 10%”, afirma Porto. “No fundo (essa Selic), deriva de um quadro que a gente está visualizando, mais ou menos no meio do ano, de uma inflação que ainda não convergiu para a meta com uma economia que vai dar sinais claros de reaceleração.”
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual é a expectativa para a economia neste ano?
A desinflação vai continuar acontecendo, mas, daqui para frente, vai ficar mais lenta. A gente acha que a inflação fecha este ano em 4%. E a razão de ficar mais lenta se dá porque contamos com um choque muito favorável em 2023, num cenário incomum de acontecer, de queda de commodities lá fora com apreciação do real. Não é uma evidência comum de acontecer no Brasil. Na nossa visão, (em 2024) o câmbio fica mais ou menos parado e o preço das commodities deve cair, mas marginalmente. Essa contribuição, que fez com que a inflação de comercializáveis fechasse o ano passado próximo de zero, não vai ajudar tanto, ainda que continue rodando abaixo da inflação média. E, portanto, a inflação vai ficar mais dependente da inflação de serviços.
E como se comporta a inflação de serviços daqui em diante?
Ela (inflação de serviços) sempre refletiu as condições do mercado de trabalho. Mas no ano passado, foi beneficiada com uma queda muito rápida na inflação. A inflação chegou a bater 12% em abril de 2022 e, no meio de 2023, chegou a 3%. Essa queda rápida também ajudou a inflação de serviços a cair, mas agora não tem mais esse componente inercial favorável. Portanto, a inflação de serviços vai começar a refletir as condições do mercado de trabalho, que estão dando sinais crescentes de que está apertado. Os salários reais estão subindo 3%, ou seja, bem acima da produtividade do trabalhador. Isso gera pressões inflacionárias crescentes. E eu acho que esse quadro deve se perpetuar e mostrar uma dificuldade maior do Banco Central para cortar a taxa de juros mais para frente.
Esse cenário parece no radar do Banco Central?
Acho que o Banco Central está bem ciente disso. Na ata, ele citou três, quatro vezes essa dinâmica do mercado de trabalho. E tem um outro componente importante. Estou vendo as pessoas falando que a economia vai desacelerar este ano porque olham a projeção anual do PIB, de um crescimento de cerca de 1,5% (em 2024) contra 3,1% no ano passado - que é basicamente a nossa projeção. Isso leva a conclusão de que a economia vai desacelerar, mas é puramente efeito estatístico, efeito base. A economia já estava estagnada no segundo semestre, e os sinais são de que, daqui para frente, ela vai começar um processo de ‘reaceleração’. Essa foi uma inovação, uma informação nova, que apareceu na ata do Copom, de que o Banco Central também parece corroborar a visão de que os dados de alta frequência sugerem um crescimento do primeiro trimestre mais forte do que o esperado.
Na avaliação do sr., quais são os sinais de que a economia está acelerando?
A gente está vendo sinais das condições para essa economia ‘reacelerar’ se materializando, particularmente no mercado de crédito. Ao longo do ano passado, tudo o que o Banco Central cortou a taxa de juros foi 200 pontos (A Selic recuou de 13,75% ao ano para 11,75%). Mas a taxa de juros média do crédito livre na economia brasileira caiu, até dezembro, mais do que 200 pontos. Em dezembro, atingiu 40,8%. E o pico dela, que foi por volta do mês de maio, era de 45%. Portanto, praticamente 400 pontos. O dobro da queda da Selic.
O que isso significa?
Os spreads bancários também caíram. Não foi só a queda da taxa de captação dos bancos porque caiu a Selic. Os spreads reduziram porque o risco de crédito está caindo, tanto que o pior momento da inadimplência está ficando para trás com base nos próprios dados do Banco Central. A inadimplência caindo sugere risco de crédito mais baixo ao longo dos próximos trimestres. Isso ajuda os bancos a oferecerem o crédito a um custo mais baixo, o que combinado com custo de captação mais baixo vai fazendo com que a taxa de juros na ponta, para o tomador final, caia mais do que a queda da taxa Selic. E isso gradativamente vai incentivando a demanda por crédito, a demanda por bens duráveis e a recuperação econômica. Esse é um ciclo que a gente acha que a economia deve apresentar ao longo deste ano. Portanto, é condizente com um cenário de recuperação do crescimento econômico ou retomada do crescimento econômico, não de desaceleração.
E qual é a expectativa de crescimento para o início deste ano?
Depois de uma expectativa de (alta de) 0,1% para o quarto trimestre, temos um crescimento de 0,3% no primeiro trimestre, acelerando para 0,4% no segundo e 0,5% no terceiro e quarto trimestres. E isso é mais um fator que tende a fazer com que o mercado de trabalho, que já está apertado, aperte ainda mais e consolida o nosso call (projeção) de que o espaço de corte de juros por parte do Banco Central deve ser menor do que o mercado está atualmente acreditando.
Qual deve ser o tamanho do corte da Selic, então?
O Banco Central continua cortando 50 pontos nas próximas duas reuniões, mas vai parar na de junho (fazendo mais um corte de 25 pontos), com a Selic a 10%. No fundo (essa Selic), deriva de um quadro que a gente está visualizando, mais ou menos no meio do ano, de uma inflação que ainda não convergiu para a meta com uma economia que vai dar sinais claros de ‘reaceleração’. Então, como o Banco Central vai querer atingir o centro da meta se a inflação está rodando acima do centro da meta com uma economia cada vez mais robusta e um mercado de trabalho cada vez mais apertado?
O crescimento deste ano pode surpreender também?
No momento, eu estou relativamente confortável com o crescimento de 1,5%, mas eu acho que o risco é de um crescimento, eventualmente, maior na medida em que a gente tem uma resiliência do consumo das famílias. Então, se tivesse que apontar algum risco para o crescimento, talvez, seja um risco de maior crescimento do que 1,5%, não menor.
Há sempre uma preocupação com o rumo das contas públicas. Qual a leitura para a área fiscal?
O fiscal sempre pode produzir um risco. As contas públicas são a variável mais frágil no Brasil. A nossa projeção de primário neste ano é negativa, em 0,9% do PIB, portanto, pior do que a meta de (resultado primário) zero. E essa projeção tem como base o fato de que a gente não está incorporando nenhuma medida adicional que o governo possa eventualmente aprovar no Congresso. Se o governo vier a aprovar alguma coisa, a gente adiciona isso na projeção. O mercado tem um número semelhante nesse momento, o que pode sugerir que já estaria no preço se o governo entregar um déficit de 0,8%, de que não vai ter impacto no preço de ativos. Eu teria uma certa cautela com essa conclusão, porque preço de ativo reflete não só o que está acontecendo, mas o que se espera que vai acontecer.
O risco é o governo passar uma mensagem errada?
O meu ponto é que a forma como o governo vai perseguir essa meta importa muito. Se o governo passa a imagem de que está sendo leniente com as contas públicas, no sentido de “eu não vou fazer nada demais, eu sei que não vou cumprir a meta e, assim, vai ser”, pode piorar o quadro do fiscal para os anos posteriores, não apenas deste ano. Se isso vier a acontecer, pode afetar o preço de ativos. Tem de prestar muita atenção nessa discussão de mudança de meta, ainda que o mercado já espere que o resultado primário vá ser pior do que a meta, porque tem uma possibilidade de impactar o preço de ativos domésticos. Agora, eu chamo atenção para o que a gente está vendo, desde o final do ano passado, movimentos de preço de ativo aqui dentro que estão refletindo muito mais questões externas do que questões domésticas.
Poderia detalhar?
O real ficou praticamente de lado desde o comecinho de novembro do ano passado, em linha com as moedas de países emergentes. O CDS (Credit Default Swap) do Brasil caiu fortemente nesse período, em linha com a queda dos prêmios de risco dos países emergentes. Isso foi resultado de uma mudança na reprecificação da política monetária nos Estados Unidos. Como no ano passado, este é um ano muito importante, em que os preços de ativos de países emergentes vão estar muito ligados ao desenvolvimento de fatores externos, em especial ligados à economia americana.
E quando começa o ciclo de corte de juros nos EUA?
O ciclo de corte vai ser depois do que o mercado está esperando. A gente acha que o ciclo de corte começa apenas em junho.
Essa Selic permanece em 10% por um prazo mais longo, em 2025?
Por enquanto, mantemos a Selic em 10%. Hoje, a gente trabalha com um juro real de equilíbrio entre 5% e 5,5%. Portanto, temos consciência que estamos levemente acima do nível neutro. Porém, tem algumas considerações que nos levam a não estimar quedas adicionais lá na frente. A primeira delas é o fato de que as expectativas de inflação de longo prazo estão acima do centro da meta. A segunda é que tem um desenvolvimento muito importante, que é o ciclo de corte de juros por parte do banco central americano. A gente vai ter uma visão um pouco mais acurada ao longo desse ano de como é que vai ser esse processo. A terceira é que tem uma mudança no BC brasileiro bastante importante no final do ano, que é a saída do presidente Campos Neto, o que pode ter, inclusive, impactos na ancoragem de expectativas.
A gente está tomando uma certa cautela e reconhecendo que essa distensão monetária de curto prazo tende a ser menor do que o mercado espera nesse momento. Vamos ter uma visão um pouco melhor daqui a algum tempo para visualizar se vai haver espaço adicional de retomar um ciclo de corte em 2025. Mas, por enquanto, a gente está com 10%.
A expectativa de crescimento do ano que vem não fica comprometida com uma Selic a 10%?
Antes da pandemia, tínhamos uma visão de que o crescimento do PIB potencial, quer dizer o crescimento da economia que seria não inflacionário, era na casa de 1,5%. Após a pandemia, muita coisa aconteceu, mas eu confesso que acho muito frágil apontar que o crescimento potencial da economia brasileira está muito diferente ou mais alto do que era no período pré-pandemia. Em outras palavras, a gente continua achando que 1,5% segue sendo a melhor estimativa do crescimento do PIB potencial do Brasil. Mantemos 1,5%, porque achamos que o nível de ociosidade ou o hiato do produto já foi consumido ou vai ser consumido ao longo deste ano, então, a economia vai ter de crescer em linha com o seu potencial.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.