Redução de jornada evita demissões, diz Marinho: ‘tecnologia tem de gerar benefícios à sociedade’

Proposta empaca com resistência de empresas em reduzir horas pagando a mesma remuneração; ministro acredita que tema se impõe com avanço tecnológico e substituição do trabalho humano

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Entrevista comLuiz Marinhoministro do Trabalho e Emprego

BRASÍLIA – O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, vem defendendo que a redução de jornada de trabalho volte à pauta do Legislativo. O tema já mobilizou a Constituinte de 1988, quando a jornada foi reduzida de 48 horas para 44 horas semanais. Mais recentemente, nos governos Lula e Dilma, o PT tentou emplacar uma redução para 40 horas, sem sucesso.

O tema empacou com a resistência das empresas em reduzir a jornada pagando a mesma remuneração aos trabalhadores. Agora, Marinho acredita que o tema se impõe com as novas tecnologias, que vão substituir em boa medida o trabalho humano.

Ao Estadão, o ministro admite que a redução de jornada não deve gerar empregos, como se chegou a prever no passado, mas preservar os que existem.

Ministro admite que a redução de jornada não deve gerar empregos, como se chegou a prever no passado, mas preservar os que existem. Foto: Wilton Junior/Estadão

“Gera emprego porque evita demissão. Isso já é gerar empregos. É a mesma discussão das novas tecnologias. Elas não podem ser usadas só para aumentar o ganho do capital; tem que gerar benefícios para a sociedade”, afirma. “Senão, vamos produzir um contingente de pessoas que o Estado terá de bancar, porque não tem mais serviço para elas em lugar nenhum.”

Marinho disse que há um debate dentro dos grupos montados pelo governo sobre a revisão de parâmetros da reforma trabalhista de 2017 – e alega que a mudança não gerou empregos.

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“Ela (a reforma) substituiu empregos um pouco melhores por empregos ultraprecários. E ela provocou um aumento do trabalho análogo à escravidão. Isso tem que ser olhado. Se criou uma insegurança jurídica enorme”, afirma o ministro.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O sr. voltou a falar nesta semana sobre a redução de jornada. O PT já defendeu no passado uma PEC de redução de 44 para 40 horas semanais, sem redução salarial. A proposta emperrou no Congresso com a resistência das empresas em manter a mesma remuneração por menos horas. Acredita que o assunto avance hoje?

O palco desse debate é o Parlamento. Agora, você aceita receber menos? A questão é se a economia suporta – e, a meu ver, a economia suporta, assim como suportou a redução de 48 horas para 44 horas na Constituição de 1988. Estamos tendo uma evolução tecnológica gigantesca. O que levou ao processo de redução de jornada é a compensação (por meio do ganho) de produtividade.

Mas o PT alegou no passado que a redução de jornada geraria mais empregos. Com o ganho de produtividade, não gera empregos, então.

Gera emprego porque evita demissão. Isso já é gerar empregos. É a discussão das novas tecnologias. Elas não podem ser usadas só para aumentar o ganho do capital; têm de gerar benefícios para a sociedade. Que, nessa evolução, nós passemos a ter mais tempo para a família, para o esporte, para o lazer, para a cultura. Senão, vamos produzir um contingente de pessoas que o Estado terá de bancar, porque não tem mais serviço para elas em lugar nenhum.

O sr. está negociando a regulação do trabalho por aplicativos fora do regime tradicional de carteira assinada da CLT. O governo do PT está preparado para discutir mais flexibilidade na lei trabalhista?

Eu não acredito no argumento de que, se fizer isso ou aquilo, gera empregos; “flexibiliza que gera emprego, paga menos que gera emprego”. Na verdade, é o contrário. Quando você tem baixa numeração, você diminui a massa salarial e diminui o consumo. Tem mais demissão. O capital é cruel; se não fosse assim, não existiriam bilionários. Existiria mais gente de classe média e menos pobres. Para isso, tem de ter regulação para proteger o frágil.

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A revisão da reforma trabalhista foi um tema da campanha eleitoral no ano passado e ainda há defensores dela no governo. Qual é a sua posição?

Teve muita gente que defendeu e que defende até hoje o “revogaço”, até desembargador do trabalho. Mas pelo amor de Deus, isso não existe. Até porque é o Congresso que tem essa missão, essa capacidade e essa competência. O Executivo não revoga nada, o Executivo pode provocar o debate. Nós montamos um grupo tripartite que está discutindo, e a opção do grupo foi o primeiro discutir a questão organizativa sindical. Espero que as partes, as centrais e as confederações patronais fechem o debate para que a gente submeta ao presidente, para encaminhar ao Congresso Nacional.

O sr. está falando do financiamento sindical?

Sim. Nessa mesa, é possível que se crie outro calendário para discutir a legislação trabalhista. Eu disse no dia em que tomamos posse: não esperem “canetaço”, não esperem “revogaço”. Nós vamos construir entendimento entre as bancadas de trabalhadores e empregadores. Eu provoquei muitos debates entre eles, nós vamos acatar o entendimento deles. Porque um projeto que não tenha base no entendimento dificilmente tem chance no Congresso. Mas precisamos refletir sobre o que aconteceu com a reforma trabalhista.

O que aconteceu na sua avaliação?

Ela gerou empregos? Não. Ela substituiu empregos um pouco melhores por empregos ultraprecários. E ela provocou um aumento do trabalho análogo à escravidão. Isso tem que ser olhado. Se criou uma insegurança jurídica enorme. Isso tem que ser olhado, e é isso que estamos provocando para que as partes discutam na sequência da reforma sindical.

Que tipo de insegurança?

A ultratividade, por exemplo. Eu mesmo fiz acordos incorporando o descanso semanal remunerado (ao salário). Com o fim da ultratividade, se a cláusula não for renovada a cada dois anos, ela deixa de existir. E daí pode ter alguém que diga que tem que pagar o descanso semanal, porque ele não está discriminado no contra-cheque; tem que cobrar da empresa. Gera insegurança jurídica e tenho certeza de que há demandas de empresas hoje na Justiça do Trabalho por falta da ultratividade.

O sr. pretende provocar o debate também sobre o negociado sobre legislado?

Mas isso sempre pode, né? Desde que em favor (do trabalhador). Inventaram uma aberração jurídica que você pode negociar mesmo em prejuízo (do trabalhador). Então, para que existe a lei? O marco legal de qualquer negociação é a base, você pode mais, mas não pode menos. Na relação de trabalho, estão dizendo que pode menos. O patrão pode chamar um funcionário, fazer uma negociação e dizer que ele vai receber 10% menos, apesar de a lei dizer que não pode. Que história é essa? Eu disse isso na Fiesp, eu disse que sempre pode o negociado sobre o legislado em benefício. Em prejuízo nunca pode e nunca deveria poder. Isso inclusive pode gerar uma concorrência desleal. Só no Brasil, na cabeça do nosso empresariado.

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Voltando ao financiamento, o sr. disse apoiar a nova contribuição sindical.

A legislação é uma só para os dois lados (empregadores e trabalhadores). Quando se fala em contribuição sindical, parece que está falando só de trabalhadores, mas está falando dos dois.

Mas os sindicatos patronais não têm sido abastecidos pelo Sistema S?

Não deveriam. O Sistema S deveria ser exclusivamente para qualificação, não deveria jorrar um centavo para o sistema de representação. A taxa administrativa do Sistema S não deveria ser misturada com o Sistema S. Eles falam que não é assim, mas , que os sindicatos patronais não se beneficiam da taxa do Sistema S. Quem faz a gestão não são eles? Eles recebem 7% de taxa de administração. Isso fica nas confederações, mas você garante que eles não repassam para os sindicatos (patronais)?

O sr. vai propor a revisão da remuneração à estrutura patronal do Sistema S?

Não tem pensamento de rever, o que tem em debate é a contribuição sindical. A última reunião foi de elogios entre as bancadas (de patrões e empregados). Eles têm até meados de novembro para fechar, seguramente vão fechar.

Vão fechar a criação da contribuição negocial?

É o recomendável. Há o reconhecimento, inclusive por parte dos empregadores, que ficou desigual essa relação. Os sindicatos dos trabalhadores perderam a capacidade de bem representar. O que é bem representar? Um sindicato que se preze tem que ter um bom departamento jurídico, um bom departamento econômico, um bom departamento de engenharia para analisar as condições de saúde do trabalho. Você tem que ter uma estrutura para respaldar a direção (do sindicato) numa mesa de negociação. Precisa ter uma estrutura financeira para fazer a representação no Congresso. Quanto custa passagens para Brasília? Estamos debatendo o investimento na indústria do complexo da saúde, por exemplo, e os trabalhadores têm de participar disso. Isso custa, essa representação custa. (Os representantes das) empresas têm escritórios de representação em Brasília. E por quê? Para influenciar as leis. Então, o sindicato também tem que ter, para influenciar o Congresso para não ter lei antissindical, antitrabalhador.

Mas como será esse financiamento?

O pressuposto é que os sindicatos terão duas fontes de receitas. Uma são as mensalidades (de associados). Outra é uma contribuição adicional, que envolve a necessidade de uma contrapartida, a prestação de um serviço. A melhor contrapartida que o sindicato pode dar para a categoria, sejam os trabalhadores ou os empregadores, é a negociação do acordo coletivo. Então, neste momento, se decide se há ou não há (a contribuição). Eles têm que decidir em assembleia. Não existe decisão individual em organização coletiva. É um equívoco os neoliberais dizerem “ah, o trabalhador tem direito de mandar um ‘zap’ dizendo que não quer pagar”. O condômino pode não pagar o condomínio? A empresa pode dizer que não quer contribuir com o Sistema S?

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Por que então o trabalhador não pode escolher a sua representação? Por que não quebrar o monopólio territorial dos sindicatos? (O trabalhador tem de se vincular ao sindicato da cidade ou região onde trabalha, não pode escolher a sua representação.)

Isso não existe, a organização é territorial. Se você é jornalista em Brasília, por que vai se vincular ao sindicato do Pará? Ele pode ser melhor lá, mas aqui em Brasília, não. Se não está satisfeita, se organize e tire a direção do sindicato. O que não pode é o trabalhador ir para a assembleia, quebrar o pau e o patrão mandá-lo embora. Porque é um sindicato alinhado com a visão patronal. Nós estamos estimulando que as entidades ampliem, se fortaleçam. Então, não é necessário que o sindicato seja de base municipal, não é obrigatório. Há sindicatos fazendo unificações. Em São Paulo, havia o sindicato dos químicos e do plástico, agora é unificado. Os bancários têm segmentos que poderiam ter eventualmente outros sindicatos, mas optaram por ficar juntos. O mesmo com as centrais sindicais. Não tem tanta diferença ideológica para ter a quantidade de centrais. Acho que haverá um processo de reagrupamento.

Mas como o trabalhador se defende de um sindicato que sobreviveu ao imposto sindical e com o qual ele não concorda?

Por isso que (a contribuição) tem de estar vinculada à negociação, que trará benefícios. O sindicato que tem a prática só do imposto sindical do passado, que não negocia, vai desaparecer. Porque a assembleia não vai aprovar a contribuição se não tiver a contrapartida. A assembleia pode ser por aplicativo, da forma que categoria entender. Nós vamos ter que passar por um processo de aprendizagem do funcionamento dos sindicatos, com o fim do imposto sindical.

Como assim?

O imposto sindical, como diz o nome, era imposto: contente ou não contente, você tinha que pagar. Não tinha uma decisão coletiva sobre se deveria pagar ou não. O pressuposto agora, se aprovado, é que as assembleias deliberem e decidam inclusive se tem (contribuição), porque pode decidir que não tem. A assembleia pode rejeitar a proposta da direção, como eu já vi acontecer.

Mas haverá regras para as assembleias?

Neste caso, as assembleias serão para todos. Não é justo que um grupo imponha algo para outro que esteja impedido. Agora, o que é justo é que quem se ausentou se submeta à decisão da assembleia – que é a mesma lógica do condomínio.

Nesta semana, o Nobel de Economia premiou uma estudiosa que trata da questão da presença da mulher no mercado de trabalho. Há alguma iniciativa do ministério para ampliar a licença paternidade ou para outras ações que visem a diminuir a diferença entre homens e mulheres no mercado?

Há uma convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que está no Congresso e aguarda para ser ratificada, que trata da obrigatoriedade na divisão de responsabilidades de homens e mulheres sobre os filhos e a família. Isso tem de estar em debate, assim como a licença paternidade. Mas é uma coisa que tem que partir do Legislativo, não tem iniciativa do governo em relação a isso por enquanto. Nós temos o projeto do salário igual. Estamos criando um grupo interministerial de monitoramento, reflexão e controle. Vamos utilizar as ferramentas disponíveis de dados, a partir do E-Social, observar e buscar conquistar as empresas em um primeiro momento para respeitar (a lei). E, no segundo momento, chegar no bolso, com autuações. Mas acredito, sinceramente, que a sociedade vem amadurecendo e nós não vamos ter grandes problemas.

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