A falta de transparência na divulgação de informações sobre responsabilidade ambiental dificulta a análise de empresas brasileiras feita por gestores que escolhem ativos para receber investimentos. A opinião é de Luzia Hirata, responsável na Santander Asset Management por definir os critérios que classificam fundos ESG.
“Muitas vezes, a gente vai avaliar as companhias do Brasil, e elas acabam tendo uma nota um pouco menor (na comparação com empresas europeias), porque não temos informação suficiente. A gente não consegue ter um retrato do desempenho em relação à sustentabilidade dessas empresas”, diz a executiva.
A criação de uma taxonomia, isto é, um sistema de classificação de atividades e ativos que têm objetivos ambientais e sociais, deve facilitar o trabalho dos gestores e das empresas que querem se enquadrar nos padrões ESG, de acordo com Hirata. Enquanto a União Europeia tem uma taxonomia desde 2020, o Brasil começou a desenvolver a sua no ano passado. “Não consigo dizer se estamos atrasados, mas, quanto mais tempo demorar, talvez a gente perca mais oportunidades de mostrar esse diferencial (ambiental).”
Sobre a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30) ― prevista para ocorrer em novembro de 2025 em Belém —, a executiva afirma que o fórum pode ajudar a trazer recursos para o Brasil, desde que o País consiga se vender como um local com soluções sustentáveis para o mundo.
A seguir, trechos da entrevista.
Quão preparadas estão as empresas brasileiras para atrair capital de quem quer investir em companhias ou fundos ESG?
Tem muitas empresas que estão se preparando bem. Empresas que enxergam isso há mais tempo. Quando a gente fala dos temas social e governança, isso é um debate recente. Mas, quando se fala de sustentabilidade das empresas, é um assunto de mais de 20 anos. A gente vive um momento em que as empresas se posicionam bem, mas ainda tão expostas a alguns eventos críticos — acidentes, questões trabalhistas e de governança —, o que demonstra fragilidade. É nesse ponto que o mercado financeiro tem se atentado e tentado avaliar se aquilo que está sendo reportado é o que a empresa tem como prática. A gente vive um momento em que as empresas estão se expondo um pouco mais, porque investidores e sociedade têm questionado mais o comportamento das companhias.
Confira outras entrevistas da série sobre desenvolvimento econômico sustentável no Brasil
Nas questões ambientais, as empresas brasileiras estão tão bem preparadas quanto as europeias e americanas?
As europeias têm uma maturidade maior. Algumas empresas lá fora estão amadurecendo isso há mais tempo ou são mais cobradas pelos reguladores. Outro aspecto é a questão da transparência. As companhias europeias têm uma exigência muito maior em relação à transparência e à divulgação de informações. No Brasil e nos países da América Latina, a gente não reporta tanto. Isso dificulta uma análise do ponto de vista de investimentos. Muitas vezes, a gente vai avaliar as companhias do Brasil, e elas acabam tendo uma nota um pouco menor (na comparação com empresas europeias) porque não temos informação suficiente. A gente não consegue ter um retrato do desempenho em relação à sustentabilidade dessas empresas.
Como está a demanda dos investidores por esses ativos? Parece que houve um ‘boom’ na pandemia, mas depois o mercado esfriou.
Sim, houve uma explosão e depois isso se acomodou. Não só no Brasil, mas no mundo. No Brasil, a gente teve uma definição para a identificação de fundos que podem ser classificados como investimento sustentável. A Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) definiram regras. Isso fez com que o mercado conseguisse identificar melhor qual é esse tipo de fundo. A gente tem um mercado que não é grande. Está na faixa de R$ 11 bilhões de ativos. Esse número corresponde a muito menos que 1% do mercado total. Como o Brasil tem um mercado muito grande em ativos de renda fixa, em títulos públicos, essa comparação às vezes fica difícil. Ainda assim, é um mercado pequeno, que tem crescido muito em número de fundos, mas o que está sendo alocado nesses fundos tem permanecido estável.
A demanda, então, está baixa?
Está baixa. Mas existem altos e baixos. Tem períodos, como na pandemia, que todo mundo queria ter alocação e fundos de investimentos sustentáveis. Mas a gente ainda não tinha uma regulação pronta. Agora, a gente tem um mercado mais bem preparado. A demanda vai crescer? Não depende só da demanda por ativos ESG. Tem uma condição de mercado que influencia bastante. O mercado geral da indústria de fundos de investimento acaba tendo seus fluxos maiores ou menores dependendo do momento. Agora, o momento é mais difícil. Entendo que a demanda de alguns tipos de investidores, como fundos de pensão e seguradoras, tende a crescer. Os próprios reguladores estão começando a tentar direcionar recursos para essa economia de mais baixo carbono e para uma economia que olhe para o desenvolvimento sustentável. Aí as companhias têm que estar preparadas. Os gestores de fundos de investimento também têm de estar preparados para conseguir acompanhar o crescimento desse mercado.
Desde 2020, a União Europeia tem uma taxonomia. A Taxonomia Sustentável Brasileira ainda está sendo elaborada. Estamos atrasados?
Não consigo dizer se estamos atrasados, mas, quanto mais tempo demorar, talvez a gente perca mais oportunidades de mostrar esse diferencial. A gente não vai fazer uma taxonomia exatamente como a europeia. Nosso cenário é diferente. A gente tem alguns pontos melhores para serem mostrados. Por outro lado, a gente tem outros desafios. Temos questões sociais, que também têm que ser incluídas. Isso dá mais trabalho. Acho que esse atraso acaba sendo um pouco em relação a isso, mas espero que, quando a taxonomia sair, seja bastante consistente. Aí vai ajudar muito não só os gestores de fundos, mas as próprias empresas vão saber exatamente o que pode ser considerado sustentável, qual o porcentual de receita está alinhado a produtos considerados sustentáveis. Isso facilita muito.
A COP pode ajudar a atrair investimentos para empresas brasileiras?
Acho que a ideia de a COP ser no Brasil é justamente atrair a atenção do mundo. Está todo mundo tendo esse olhar para o que vai acontecer na COP do ano que vem, e o Brasil tem que estar preparado. Será que a nossa política de mudanças climáticas vai sair até lá? A gente vai conseguir mostrar a redução de desmatamento na Amazônia e no Cerrado? Os setores vão estar mais alinhados em relação aos seus compromissos net zero? Tem uma série de ações que a gente precisa fazer e estar preparado para o ano que vem, mas tenho certeza de que vai atrair muito a atenção e, provavelmente, recursos. Mas hoje a gente está em um mundo mais complicado, com guerras. Vai ter eleição nos EUA, que vai redesenhar esse cenário. A gente precisa esperar para ver o que vai acontecer. Mas acho que a grande ideia é essa: trazer mais recursos, justamente se a gente conseguir demonstrar esse diferencial.
Qual é esse diferencial?
A gente tem atividades e uma matriz energética mais limpa. Países que têm dificuldade para lidar com as questões do clima podem olhar para o Brasil como um apoio. Ter projetos de carbono, por exemplo. A gente tem esse diferencial não só em relação à energia mais limpa, mas a ter as florestas. A questão da biodiversidade é outro tema bastante discutido. Os setores precisam conseguir mostrar esse diferencial competitivo em relação à sustentabilidade.
A sra. afirmou que a eleição americana pode redesenhar o cenário. Vocês consideram a possibilidade de haver uma guinada completa na política climática e ambiental do País, com impactos no setor energético?
Talvez não haja uma guinada absurda (se Trump vencer a eleição). Quando ele foi eleito no passado, teve um posicionamento muito firme de que os EUA não faziam mais parte do Acordo de Paris. Só que essa não é uma decisão simples. Tanto é que eles não saíram do acordo. Acho que tem algumas questões que não vão mudar tragicamente. Muda o posicionamento e o apoio a alguns setores específicos. Ainda assim, o mercado americano é mais complexo. Diferentemente do europeu, houve ali uma rejeição ao tema ESG. Teve muitos gestores de fundos que tiveram que voltar atrás no seu posicionamento, porque houve pressão de alguns estados mais conservadores, que são dependentes do setor de óleo e gás. A discussão tomou um viés de polarização. Tem uma ala que é contra, que acha que esse tipo de questão não é importante. Mas o mercado americano também é mais pragmático. Tem setores que vão ganhar dinheiro com isso e que vão ter um posicionamento diferente, porque sustentabilidade não é ser bonzinho. É um posicionamento de negócio, de alinhar a estratégia para enfrentar os desafios. Algumas companhias americanas entendem e enxergam como uma oportunidade de negócio ou como uma gestão de riscos. Mas obviamente a eleição deve impactar, porque pode mudar o posicionamento do governo em relação às regras. O mercado, pelo pragmatismo, não vai deixar de existir, mas pode ter um crescimento menor.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.