Mansueto Almeida: ‘Apesar da boa vontade da equipe econômica, a pergunta é como vão contingenciar’

Segundo ex-secretário do Tesouro Nacional, economizar R$ 26 bilhões com revisão de cadastro parece não ser suficiente; nesse caso, diz ele, o mercado questiona se o governo vai cortar gastos

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Foto: Dida Sampaio/Estadão - 19/11/2020
Entrevista comMansueto AlmeidaEconomista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional

Ex-secretário do Tesouro Nacional, o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, diz que, apesar da boa vontade da equipe econômica em dar a mensagem correta, o ajuste fiscal é político em qualquer país do mundo.

“Desde meados de abril, por dois meses e meio, não escutamos ninguém - nem da ala política do governo nem o próprio presidente da República - falar sobre o teto para o aumento de gastos”, lembra Mansueto, que projeta um déficit primário de 1,1% do PIB no próximo ano, ante a meta revisada da área econômica de um superávit de 0,5% para zero.

“A pergunta é a seguinte: até que ponto a ala política do governo concorda com as propostas da área econômica?”. Ele alerta que, “sem correção de rota, há risco de PIB menor em 2025 e 2026″.

Segundo ele, a economia começou o ano surpreendendo com um crescimento mais disseminado. “Mas houve tanta turbulência desde abril que está aumentando muito o risco de termos crescimento menor. O último trimestre, que deveria ser o melhor, pode ter crescimento perto de zero.”

Leia abaixo os principais trechos da entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.

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Qual sua visão sobre a economia em 2024?

O mercado de trabalho aquecido, com crescimento de salário, impacta o consumo. E há o efeito dos precatórios pagos desde o fim do ano passado e de uma política fiscal expansionista. O crescimento do consumo no PIB em 2024 será maior do que o do ano passado. Esperamos cerca de 4% para o consumo das famílias. O ano começou bem e, pelo primeiro trimestre, todo mundo puxou a projeção de PIB para cima. A maioria estima um crescimento para este ano entre 2% e 2,5%, mesmo considerando o Rio Grande do Sul, que terá efeito negativo no segundo trimestre, mas pode ser positivo nos outros, por conta da reconstrução. Para o PIB, estamos com 2,4%. Com um juro que fica até o final do ano em 10,50%, crescer 2,4% é impressionante.

Mansueto Almeida foi secretário do Tesouro Nacional entre 2018 e 2020 Foto: Dida Sampaio / Estadão

E os investimentos?

As condições de investimento do início do ano para cá pioraram, com aumento de custo. A métrica para investimento de longo prazo não é a Selic, mas a NTN-B, que estava em 5,3% e passou a 6,5%. O setor de infraestrutura não está cortando investimento porque participou de concessões e tem um cronograma já estabelecido. Uma forma de obter um retorno maior é acelerar a conclusão do projeto, pois o fluxo de renda chega mais cedo. Na outra parte do investimento, que é privada e que não está atrelada às concessões, o empresário está colocando um pé atrás por dois motivos: juro longo alto e indefinição de carga tributária enquanto não se tem a regulamentação da reforma.

No cenário do crescimento, há riscos?

A economia começou o ano surpreendendo com um crescimento mais disseminado. Mas houve tanta turbulência desde abril que está aumentando muito o risco de termos crescimento menor. O último trimestre, que deveria ser o melhor, pode ter crescimento perto de zero.

O que gerou a turbulência?

Teve muito do externo, mas de meados de abril para frente, foi muito local. Teve a mudança da meta de primário. Todo mundo passou a questionar a outra parte do arcabouço fiscal, que é a despesa crescendo até 2,5%. Com um ritmo tão forte de despesas obrigatórias, quando chegar o momento, para obedecer ao teto, o governo vai cortar ou vai simplesmente mudar o teto? Desde meados de abril, por dois meses e meio, não escutamos ninguém, nem da ala política do governo nem o próprio presidente da República, falar sobre o teto de gastos. Uma coisa que aprendemos, em qualquer país do mundo, é que o ajuste fiscal é político. O presidente começa a dar entrevistas, atacar o Banco Central, a falar em regra fiscal aumentando a arrecadação e reduzindo os juros. Imediatamente piorou.

Isso foi interrompido com o anúncio do contingenciamento de R$ 25,9 bilhões pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad?

O dólar saiu de R$ 5,70 para R$ 5,45. Os economistas dizem que foi boa a mensagem, mas se perguntam: como é que o governo vai fazer isso? É muito difícil mensurar o quanto se consegue economizar com revisão de cadastro irregular de benefícios sociais. E os programas que têm um impacto fiscal muito grande têm regras. Então, se não mudar regras, é muito difícil saber exatamente quanto vai economizar.

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Como fazer o ajuste, então?

85% do crescimento do pagamento da despesa do governo federal é concentrado em cinco funções: Previdência, assistência social (Bolsa Família e BPC Loas), Saúde, Educação e Trabalho, onde aparece seguro-desemprego. Não existe ajuste fiscal pelo lado de despesas se não mexer nessas cinco funções. A questão é que quando você tem um crescimento tão forte e concentrado em poucos anos, no momento de fazer ajuste fiscal começa a dúvida: será que eles vão cumprir o teto de 2,5%?

Há o risco de não cumprir?

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Espero que o governo faça exatamente o que foi dito na semana passada. O mercado agora vai esperar qual é a medida concreta. Economizar R$ 26 bilhões com revisão de cadastro pelo jeito não é suficiente. É só olhar o preço de mercado. Nossa moeda ainda continua como uma das piores do mundo num país que está com um dos melhores resultados históricos de balanço de pagamentos. Aqui há um componente de incerteza. Apesar da imensa boa vontade da equipe econômica em dar a mensagem correta, está todo mundo se perguntando: como é que eles vão exatamente fazer? Se a revisão de cadastro não der a economia esperada, estão dispostos a cortar despesas? Exatamente quais?

Dá para cortar despesas sem que seja dolorido do lado social?

Podemos continuar dando prioridade ao social fazendo reformas em programas, revendo, revisitando as regras e o público que ele atinge. Entendo a posição do governo de esquerda que quer recuperar o valor do salário mínimo, mas no caso específico do Brasil o problema é que tem um impacto imenso, muito forte, na despesa por Previdência. Tem uma tabela que eu gosto muito, que mostra as despesas do governo de 2014 a 2023. As despesas do INSS, que eram de 6,82% do PIB em 2014, subiram no ano passado para 8,02%, um aumento de 1,20 ponto porcentual.

Uma nova reforma da Previdência é inevitável?

Não faz sentido falarmos de reforma da Previdência quando o problema maior está numa regra de correção de benefícios que não é sustentável.

Há espaço para aumento de receita?

Sim. Nosso sistema tributário tem dois problemas. A carga tributária é alta comparada com a média da América Latina, em torno de 33% ante 22% do PIB segundo dados da OCDE. O segundo problema do Brasil é que o sistema tributário é extremamente complexo, entra a questão do IBS e CBS, mas entra também a regra do Imposto de Renda. Por exemplo: se há um teto para abater educação no imposto de renda, então também poderia colocar teto para abater saúde, porque você está num país que você tem sistema público universal de saúde. Nenhum outro país com sistema universal de saúde permite abater 100% do gasto privado com saúde do Imposto de Renda.

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Diante da dificuldade da ala econômica em convencer a política da necessidade de se acertar as contas, o ajuste fiscal ocorrerá em breve?

Ajuste fiscal no Brasil não vai ser feito em dois, três anos. Na eleição presidencial de 2026, o grande tema que ainda estaremos debatendo é o ajuste fiscal, além de segurança pública. Quem quer que seja o candidato, um dos desafios será o ajuste fiscal. Infelizmente, ainda estamos nessa. A despesa previdenciária cresceu, mas ela vai voltar para 6% do PIB? Muito difícil. Mas tem de ter algum controle, porque senão ela vai para 9% do PIB.

Como o sr. vê a credibilidade do BC e da Fazenda?

O BC está recuperando. A última reunião do Copom, por ter tido uma decisão clara e convergente entre todos os integrantes, deu uma mensagem boa e tirou um pouco do estresse. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sido uma voz de responsabilidade no governo. Ganhou musculatura, foi uma boa surpresa, tem se comunicado. Mas precisamos escutar essa mesma mensagem, esse alerta de cuidado, da ala política. E muitas vezes não escutamos isso da ala política e aí fica a indefinição. A pergunta é a seguinte: até que ponto a ala política do governo concorda com as propostas da área econômica? Ou será que essas propostas ainda não foram nem discutidas com a ala política?

Além do fiscal, muito da alta do dólar está relacionada à incerteza em relação à mudança de comando no BC?

Gabriel Galípolo (diretor de Política Monetária), que pode ser o indicado, é uma pessoa muito tranquila. Desde que chegou ao Banco Central, em meados do ano passado, vem interagindo bem com a equipe técnica do banco. O trabalho de um presidente de banco central é fazer o que tem de ser feito para trazer a inflação para a meta. Ele tem conversado com o mercado. Então, um pouco deste dólar é por causa daquele (placar do Copom de maio) 5 a 4. Aquela decisão assustou um pouco, porque ficou a visão para todo mundo de que não foi boa. Na reunião seguinte, a decisão foi consensual. Mas às vezes a gente escuta uma crítica do governo que o problema está com o atual presidente do BC e que com o novo presidente a trajetória será de um juro menor. Mas ninguém pode falar isso porque o juro vai depender da expectativa de inflação.

É por isso que a unanimidade em torno da manutenção da Selic em 10,5% não resolveu a questão das expectativas?

Sim, porque quando todo mundo torce para termos um cenário de retomada de queda de juros, é preciso olhar para frente e começar a enxergar que a expectativa de inflação vai convergir para a meta. E o que a gente viu nos últimos dois meses foi a expectativa de inflação em 2025 se afastando da meta. Esta semana mesmo, no boletim Focus, vimos as expectativas subirem mais um pouquinho.

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