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‘Vantagem competitiva da Shein não é imposto, é modelo de negócio’, afirma presidente da varejista

Marcelo Claure, presidente do conselho para a América Latina da empresa, refutou a afirmação de que o governo está favorecendo a companhia

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Foto do author Altamiro Silva Junior
Atualização:
Foto: TABA BENEDICTO
Entrevista comMarcelo ClaurePresidente do conselho da Shein para a América Latina

O presidente do conselho da Shein para América Latina, Marcelo Claure, não acredita que a companhia tem sido favorecida pelo governo brasileiro, como argumentam alguns varejistas. “A indústria varejista começou a falar que o governo está favorecendo (a Shein). O governo não está favorecendo ninguém. Não temos nenhuma influência no governo”, afirmou ao Estadão/Broadcast.

Para ele, a vantagem competitiva da companhia não está nas regras tributárias, mas sim em seu modelo de negócios, voltado para tecnologia e sem estoques, capaz de produzir pequenas quantidades de roupas em menos de sete dias.

O empresário boliviano, famoso por trazer as operações do gigante japonês Softbank para a América Latina, diz que o pedido que fez ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi apenas para que as regras para atuar no País fossem claras, não só para a Shein, mas para todos os participantes.

O presidente de Shein na América Latina, Marcelo Claure, na sede da empresa, em São Paulo Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Quanto às 164 fábricas locais que a companhia agora tem no País, a empresa diz que vai investir para que elas atendam às necessidades da companhia no mundo digital e às exigências legais do País. Apesar de entender que hoje a forma mais fácil de garantir as conformidades legais de produção seja buscando companhias com o selo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), a empresa vê oportunidade de auxiliar outras fabricantes no processo de regularização, já que a capacidade ociosa das fábricas com o selo hoje é limitada.

Leia a seguir os principais pontos da entrevista:

Como está a estratégia da Shein de fabricar produtos no Brasil?

O modelo de negócios da Shein é um modelo no qual 100% de toda a fabricação saía da China. Para os países mais importantes no mundo, a estratégia foi levar a produção para o mercado local. A América Latina é uma região muito importante e, por isso, é o segundo mercado na história da Shein que começa a fabricar fora da China. Começamos a estudar a fabricação no Brasil em 2022, fizemos testes pilotos este ano. Tive uma reunião muito importante com Haddad, e chegamos a um acordo de a Shein acelerar a fabricação no Brasil. Fizemos compromisso de montar 2 mil fábricas. Queremos fazer isso nos próximos dois anos. A reunião foi em abril e já temos 164 fábricas, das quais 114 fabricam com a marca “made in Brazil”. E ainda é o começo.

O governo decidiu isentar as importações até US$ 50 e causou uma forte reação, com críticas no varejo de que poderia estar favorecendo a Shein. Como viu essa reação?

O Brasil tem essa lei de importação faz 10, 20 anos, que fala que as importações abaixo de US$ 50 não pagam impostos.

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Mas antes a isenção era só para produtos enviados por pessoas físicas e agora é para todas as compras.

A lei nunca especificou se era de pessoa física para pessoa física. O governo então editou (em 1999) uma normativa que falava que era de consumidor para consumidor. A Receita Federal tem outra normativa que fala que é só para presentes. O governo agora fez uma coisa correta, que é colocar a regra clara. Uma coisa que pedi pessoalmente quando estive com Haddad foi que houvesse regras claras para que todos possam operar. O imposto era zero e hoje continua sendo zero. Não é que o consumidor brasileiro vai pagar menos impostos. Ao mesmo tempo, tem a formalização da lei de que as plataformas de comércio eletrônico comecem a pagar ICMS. Os US$ 50 (de isenção) são muito menos do que quem viaja para Miami e pode trazer US$ 1 mil sem pagar impostos e mais o limite de US$ 500 do free shop. Então, quem tem dinheiro para viajar para Miami pode comprar e pagar zero. A Shein é moda para todos. É muito importante que o consumidor brasileiro de menos recurso tenha o mesmo tratamento que o de mais recursos.

Como vê a reação do mercado à medida?

A indústria varejista começou a falar que o governo está favorecendo (a Shein). O governo não está favorecendo ninguém. Não temos nenhuma influência no governo. Para mim foi muito bom ter regras claras. E o que nós estamos fazendo é um grande investimento no Brasil, fazer fábricas, gerar empregos, US$ 150 milhões de investimento para digitalizar as fábricas brasileiras, para revitalizar a indústria têxtil.

A Shein fez promessas ao governo? Houve uma negociação?

Não é que houve um ‘você faz isso para mim e eu faço isso para você’. A gente precisava ter as garantias do governo para podermos fazer esse investimento tão grande. Não me lembro de nenhuma empresa em muitos anos que tem o compromisso de contratar 100 mil pessoas e abrir 2 mil fábricas no Brasil. E o plano de conformidade dá a segurança jurídica que a Shein precisa para fazer um investimento tão grande, para treinar o fabricante brasileiro nesse novo mundo, mais moderno, de digitalização das fábricas.

Como avalia as medidas do governo até agora, o plano de conformidade?

Recebemos o plano de conformidade com muita alegria. Ainda tem que fazer algumas modificações, porque é um pouco confuso. Coloca o Brasil na vanguarda entre outros países do mundo. A vantagem competitiva da Shein não são os impostos, é o modelo de negócios novos, digital. As leis quando foram feitas, não foram elaboradas para esse tipo de negócio. É por isso que precisam de modernização.

E qual o diferencial da Shein nesse modelo de negócios?

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Somos a única empresa no mundo que tem a capacidade de desenhar e fabricar em menos de sete dias. Totalmente diferente do negócio tradicional do varejo, não tem estoque, só fabricamos o que a pessoa quer. Para isso, é preciso treinar os fabricantes, porque as fábricas tradicionais precisam de muito tempo de antecipação, de grandes quantidades. É preciso treinar, dar financiamento, fazer parcerias. Essa é a mágica da Shein.

Como se deu a relação com Josué Gomes? Dizia-se que a amizade dele com Lula teria ajudado a Shein.

A Coteminas tem uma rede de 2 mil fabricantes e nós queríamos acesso aos fabricantes. É uma parceria de negócios e não se trata de uma parceria exclusiva. Eles têm acesso a algo que queremos muito, que são as fábricas brasileiras. Josué é uma pessoa muito dinâmica, que imediatamente colocou as fábricas dele para trabalhar. Se Josué é amigo de Lula, não tenho ideia. Para mim ele é um bom empresário brasileiro, que traz uma boa solução e uma boa parceria para a Shein, e nada mais. O Lula tem muitos amigos, mas eu, pessoalmente, não sabia disso.

São negócios apenas?

É claro. Meu grande sonho é que a Coteminas não só nos ajudasse a fabricar com suas fábricas, mas que pudéssemos vender os produtos brasileiros em outros mercados do mundo. Para mim, o negócio da Shein tem três fases. A primeira é de ‘cross border’: fabricação chinesa entregando produtos aos brasileiros; a fase número dois é a produção local; e a fase número três: ‘made in Brazil’ para a América Latina e outros lugares do mundo. O Brasil tem muitas vantagens competitivas. Trata-se de um dos grandes fornecedores de algodão do mundo. Compramos algodão para levar à China, produzir as peças e vender aqui por meio do ‘cross border’.

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Marcelo Claure, presidente do conselho para a América Latina da empresa, refutou a afirmação de que o governo está favorecendo a companhia Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Vocês procuram fábricas com o selo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), que cumprem com a legislação brasileira? Elas têm capacidade ociosa limitada.

Os brasileiros são bons empreendedores. Traremos para as pequenas empresas brasileiras um modelo de negócios fantástico. O mercado brasileiro é muito grande, há 2 mil fábricas na China dedicadas ao Brasil. Para nós, o lógico é que tudo isso passe a ser produzido no Brasil. Se em um mês, um mês e meio temos 164 fábricas, não há dúvidas que vamos chegar a 2 mil fábricas e criar 100 mil empregos diretos.

Quais os desafios que ainda vê para a operação da Shein no Brasil?

Um desafio é ter de chegar a 2 mil fábricas e cumprir o compromisso pessoal que fizemos com Haddad. Na questão do ICMS, demos um primeiro passo de esclarecimento, cada estado ainda tem de aprovar e regulamentar. As coisas no Brasil às vezes não acontecem na velocidade que queremos. Gosto de olhar onde estávamos em janeiro e onde estamos hoje. Agora depende de nós seguirmos fazendo as coisas, abrindo as fábricas e crescendo o negócio. Temos metas grandes. Em 2026, queremos que 85% do que vendemos no Brasil seja feito no Brasil, ou dos comerciantes brasileiros. Temos cerca de três anos para alcançar e, no começo deste ano, essa porcentagem era zero.

Quanto é hoje?

Não gosto de falar disso, é um número muito estratégico.

Como você avalia esse primeiro ano da operação da Shein no Brasil?

Temos um grande faturamento e uma operação local, sendo que a Shein não tem muitas operações desse tipo. O crescimento é muito rápido, acabamos de assinar um contrato com um novo centro de distribuição gigante. Quando colocamos na balança, a operação é positiva. Sempre terá problemas como a concorrência atirando pedras e falando coisas que não são verdade, mas o balanço é positivo. Nosso maior aliado no Brasil é o consumidor brasileiro.

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