BRASÍLIA- O ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, afirmou ao Estadão/Broadcast que a transição dos aeroportos leiloados na sétima rodada – entre eles, Congonhas, em São Paulo – à iniciativa privada só será iniciada quando o governo tiver “segurança” de que as empresas que arremataram os ativos estejam adimplentes – ou seja, em dia com os pagamentos de outorga à União. O governo ainda precisa responder se aceitará os precatórios que Aena e XP Infra ofertaram para quitar uma parcela dessa contribuição. França, contudo, rejeitou a ideia de que tem resistência em abrir mão dos terminais, com o fim de mantê-los sob o guarda-chuva da Infraero.
Alvo de desconfiança e críticas do mercado sobre a forma como vem conduzindo o assunto, o ministro declarou que a estatal de aeroportos terá um novo papel, focado na operação de terminais regionais e menos lucrativos. “Nós estamos satisfeitos com esse formato em que aeroportos lucrativos possam ser gerenciados por empresas privadas”, disse em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.
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Com a expectativa de a Advocacia-Geral da União (AGU) divulgar a minuta das novas regras para uso de precatórios em breve, o ministro avaliou que, se os títulos não forem aceitos pelo governo, a tendência é que as empresas da sétima rodada tenham de fazer o depósito em dinheiro para terem seus contratos efetivados. França voltou a criticar a solução da fiança bancária, apresentada pelos consórcios para garantir a adimplência num cenário de recusa dos precatórios.
O ministro levantou ainda a possibilidade de a AGU criar um modelo de transição no regramento dos precatórios que contemple a sétima rodada. Admitiu, por sua vez, o risco de o leilão parar na Justiça, caso haja uma negativa do governo sobre os títulos.
“(Assim como) Existe o risco de quem não entrou na concorrência entrar na Justiça, entendendo que, se soubesse que (poderia pagar) com precatório, teria entrado no leilão”, disse.
França também reconheceu haver espaço para melhorar o diálogo com o setor privado, mas afirmou não ser “verdade” que o governo não tenha um relacionamento com o mercado. Segundo ele, há expectativa de três operadores entrarem na concorrência pelo Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), que ocorre nesta sexta-feira, 19.
Confira os principais trechos da entrevista:
O ministério vai leiloar o Aeroporto de São Gonçalo nesta semana, mas há muita insegurança do mercado com as sinalizações que a pasta dá sobre a 7ª rodada. A Socicam, que arrematou o Bloco Norte, conseguiu ter os precatórios aprovados e a ordem de serviço assinada. Aena e XP ficaram sem. Há alguma garantia para as operadoras de que os contratos vão, de fato, ser efetivados?
É a primeira vez que está se usando precatório, natural que tenha uma certa insegurança para quem se dispõe a fazer assinatura. No nosso caso, quem dá o parecer jurídico é a AGU. Eles já tinham me dito que não estavam satisfeitos com o formato de aceitação pleno do precatório. O dinheiro arrecadado com a concessão de aeroportos vai para o Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac). Como eu faço para repor (o precatório) no Fnac? Isso não estava disciplinado na regra. Do ponto de vista jurídico, não teve nada que impedisse o leilão, que justifique qualquer outra paralisação. Mas nós só podemos fazer com que a transição comece no instante em que tivermos a segurança de que as três empresas estejam adimplentes.
Mas não gera uma assimetria, já que a Socicam teve um precatório aceito, com a ordem de serviço do Bloco Norte já assinada?
A Socicam tinha entrado com um único precatório, que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) avaliou mais de pressa porque era um só. E a PGFN disse que esse precatório ia entrar este ano e ia repor o valor para o fundo (...) Nesse interregno entre apreciação da Socicam e das outras, houve a portaria a cargo da AGU (que determinou a suspensão das análises dos precatórios até a nova regra). De nossa parte, somos a ponta final de decisão da AGU e da Fazenda. Se disserem: “Eu sei como repartir esse recurso aqui, a parte que for do Fnac, eu vou devolver para o Fnac”, de nossa parte, está resolvido.
Há uma discussão considerada meritória sobre o precatório. Mas, no setor, também há um entendimento de que isso foi usado como desculpa para o governo não assinar os contratos e manter os aeroportos com a Infraero. O senhor, por exemplo, pôs em dúvida a solução da fiança bancária. Como responde a avaliação que o governo quer manter os aeroportos com a Infraero?
Primeiro, a Infraero assumiu quase 20 novos aeroportos só neste período que eu estou lá. E nós vamos construir ou adaptar 100 novos. A nova função da Infraero não é mais gerenciar aeroportos que sejam superavitários, autossuficientes. Nós, do governo, devemos contratá-la para gerenciar esses aeroportos em lugares que nem sempre vai ter passageiro e nem sempre vai ter fluxo. Então, é zero preocupação com o financeiro da Infraero. Nesse caso específico (da 7ª rodada), o que se deu foi a novidade dos precatórios. E, sobre a fiança, ela não é equivalente a dinheiro. Dei entrevista antes da assinatura (dos contratos) e disse que, se eu fosse do jurídico das empresas, eu faria o depósito em dinheiro e teria juntado os precatórios. As empresas resolveram fazer do jeito que elas acharam.
E se os precatórios de Aena e XP não forem aceitos, aí vai ser uma segunda etapa para ver se a fiança bancária será, correto? E se não for aceita, vocês vão sugerir algo?
A fiança eu tenho certeza que não tem nenhum sentido. Se, por acaso, não forem aceitos alguns precatórios, eles têm que substituir o precatório por dinheiro.
Então a fiança não é uma solução que o governo vai aceitar?
Eu não sou a pessoa adequada para decidir isso, quem precisa decidir é a AGU. Mas o que eu digo é: vamos supor que a AGU entenda que um precatório não é líquido. A empresa vai ser notificada, eu suponho, a substituir por dinheiro.
Nesse caso, se os precatórios forem negados, a tendência é que o governo só assine a ordem de serviço se as operadoras mudarem o meio de pagamento e oferecer em dinheiro mesmo. Seria a última solução para que elas consigam a ordem de serviço?
Isso. Mas pode ser que a AGU diga o seguinte: chegamos à conclusão de que daqui para frente será assim, e a sétima rodada, como ficou para trás, será assado. Por exemplo, daqui para frente, nós aceitaremos até 20%, até 50% (em precatório), e para trás, o que ficou feito, ficou feito.
Então o senhor acha que pode ser criado algum modelo de transição para a sétima rodada, para não gerar mais confusão?
Acho que sim. Eu não creio que tenha dificuldade para eles. Que 15 dias ou 20 dias de diferença possam causar grande problema para quem vai pretender ter uma relação conosco de 30 anos, 35 anos. É melhor que eles tenham a tranquilidade de fazer a coisa correta.
Ou seja, o senhor entende que não há uma resistência sua, da pasta, em transferir esses aeroportos à iniciativa privada? Não existe então essa orientação?
Não existe. Existe a orientação de respeitar os contratos, respeitar os atos jurídicos perfeitos. O que não quer dizer que mudamos de opinião. Não achamos que é correta a ideia de que as estatais são sempre mal gerenciadas e são incompetentes. A Infraero deveria ter tido a chance de poder competir com as outras empresas, porque ela tem um know-how. E o objetivo (das concessões) era deixar o Estado sem estatais, seguindo a lógica de que estatal é algo custoso e antiquado.
Mas a concessão dos aeroportos começou no governo de Dilma Rousseff (PT).
É verdade. E essa visão não é nova, é uma visão dos anos 80. Isso não é culpa do Bolsonaro. Toda a sociedade foi empurrada para esse entendimento de que as estatais não servem. Hoje nós temos 70 aeroportos concedidos. Nós temos que fazer uma fiscalização mais rigorosa nessas concessões. Com o sistema de leilão “filé com osso”, nós temos vários lugares onde os aeroportos que são teoricamente o osso não estão sendo administrados com o mesmo rigor dos aeroportos muito lucrativos. E quem é que tem que fazer essa fiscalização? Inicialmente, a Anac. Agora, com a criação do ministério, estamos criando mecanismos de nós fiscalizarmos, concomitantemente. Portos e aeroportos. Pretendo publicar relatório sobre um a um dos aeroportos concedidos.
Mas é uma fiscalização do ministério sobre a Anac e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq)?
Não, sobre as concessões. Nós queremos fazer a fiscalização junto com a Anac. Ela faz a dela, nós fazemos a nossa. Hoje, não tem uma pessoa a cada instante olhando cada um desses aeroportos.
Serão duas fiscalizações acontecendo, uma regra nova no meio do jogo. Isso não pode gerar ainda mais ruído com o mercado?
Eu acho que não. Para os bons privados, não vai haver nenhuma interferência, porque há muitas concessões muito boas, muito bem gerenciadas.
Para fechar a questão da sétima rodada. O fato é que existe hoje um clima de desconfiança, de desânimo entre os investidores. O que o senhor diria sobre essa desconfiança que existe sobre os rumos da pasta?
Eu tenho conversado com muitos grupos grandes. É claro que não pode prever antecipadamente e muito menos comentar, mas pelo menos três diferentes disseram que vão participar. E, na mudança que teve com os precatórios, é natural que haja uma certa novidade a ser interpretada. Mas o conceito do governo com relação à Infraero é que ela terá um novo papel no Brasil. E servirá sempre como uma empresa que tem capacidade para, numa eventualidade de algum caos, poder administrar (um aeroporto). Mas nós estamos satisfeitos com esse formato de que aeroportos que são lucrativos possam ser gerenciados por empresas privadas.
Então há uma expectativa de três players disputarem São Gonçalo?
A verdade é que a gente só precisa de um. Até porque Congonhas foi vendido para um só também.
Para quando o senhor prevê uma conclusão dessa questão da sétima rodada, contando que a AGU deu prazo de 15 dias para divulgar a minuta da nova portaria, que ainda passará por consulta pública e tem sua publicação estimada só para junho?
Eu acho que é isso. Assim que AGU publicar, ela é a norteadora das nossas decisões. Na medida em que a AGU firmar posição, acabou a discussão interna no governo. Aí, o que pode acontecer é uma discussão fora, que não tem a ver com a gente, tem a ver com o Justiça.
Caso os precatórios não sejam aceitos ou a própria fiança não for aceita, vocês não veem o risco de as empresas entrarem na Justiça?
Acho que o risco existe dos dois lados. Existe o risco de, eventualmente, não sendo aceito o precatório, eles entrarem na Justiça. E existe o risco de quem não entrou na concorrência entrar na Justiça, entendendo que, se ele soubesse que seria com precatório, ele teria entrado no leilão.
Mas há risco de AGU não aceitar nenhum tipo de precatório? Porque a Constituição fala expressamente sobre possibilidade de pagamento de outorga para delegação de serviço público.
Olha, a expressão que eles usaram: é facultado ao interessado ofertar. É obrigatório ao credor receber? A discussão é exatamente essa. Eu sou obrigado a aceitar isso? E eu sou obrigado a aceitar em qualquer circunstância? Hoje, não se discute a concorrência, o que se discute é o uso de precatório. E algumas concessionárias estão nos propondo antecipar (o pagamento da outorga anual), porque eles podem antecipar e pagar tudo com precatório e ainda ganharem um desconto de 5%. A pergunta é: pode? É uma decisão que o governo tem que tomar (...) E digamos que a regra fale que pode precatório e pode para tudo. Então vamos permitir, inclusive, que pague a outorga variável do ano a ano também.
Sobre Galeão, a Changi indica que só vai ficar se tiver o contrato equilibrado e a outorga reduzida. Como vão resolver o impasse?
A última conversa que tive com a Changi foi lá na Fierj, há uma semana e pouco, quando eles me pediram até o fim do mês de maio (para decidir se querem ficar ou não na operação do Galeão). Parece que não há muita certeza. E na consulta (feita ao TCU sobre a possibilidade de revogar uma relicitação) esperamos que o tribunal possa também nos orientar se, ao desistir da relicitação, é possível haver algum grau de reequilíbrio. Não no número final, porque não tenho como mexer nele. Mas talvez mexer na rampa de crescimento. Quer dizer, você diminui no começo e aumenta no final.
Uma redistribuição.
Sim. Dos valores das outorgas. E o governo também está atento à discussão do uso das outorgas. Tivemos discussões internas com a Casa Civil, em especial, sobre a possibilidade de que as outorgas possam ser compensadas com novas obras, ou com obras ou serviços que as próprias concessionárias possam ter.
Diante desse início conturbado pela questão da sétima rodada, há espaço para melhorar o diálogo com a iniciativa privada?
Acho que tem. O presidente Lula já foi presidente por oito anos e a relação dele com o mercado foi uma relação superpositiva. O que querem que ele mude de visão de vida, isso ele não vai mudar nunca, mas ele sempre respeitou contratos (...) Não é verdade que não temos relacionamento com mercado.
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