BRASÍLIA- O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, avalia que o nível de competição das operações do rotativo do cartão de crédito é muito baixo. Essa é uma das razões dos juros altos nesse mercado no Brasil.
Em entrevista ao Broadcast/Estadão, ele explica como funciona o subsídio cruzado e dá indicações de como o governo pretende encaminhar a solução do problema para estimular um processo de queda de juros no rotativo. A solução não passa, garante Barbosa Pinto, pela limitação das taxas ou pelo fim do parcelado sem juros, muito utilizado no comércio no Brasil.
O diretor do BC Renato Gomes falou que o BC e o governo estão estudando mecanismos para dar mais transparência ao rotativo do cartão de crédito, como a fatura ter mais transparência da taxa e a melhorar a portabilidade. É suficiente?
O que mais me preocupa e acho que preocupa também o BC são os juros elevados do rotativo. Segundo dados do BC, são juros maiores que 400% ao ano. Temos estudado junto com o BC e o mercado uma solução para esse problema, mas não é um problema simples. Existem tarifas sendo cobradas em toda essa cadeia. Se mexer em um lado só da cadeia, pode mexer no equilíbrio do mercado como um todo.
A questão é que o problema está no que é cobrado de quem não está pagando juros?
Olha, o que parece haver é um subsídio cruzado entre o pagamento do cartão à vista e o pagamento do cartão de forma parcelada. É menos claro o impacto que isso tem nos juros do rotativo. Mas o sistema como um todo é formado por tarifas que se equilibram. O que temos que fazer no longo prazo é tornar essas tarifas e cobranças visíveis para a população, para que a competição possa se dar de forma transparente para o consumidor.
Pode explicar melhor o que seria esse subsídio cruzado?
Quando você faz uma compra no parcelado sem juros, pelo simples fato do prazo que aquela fatura fica em aberto, o risco do emissor do cartão é maior, porque o risco de inadimplência é maior. E, por outro lado, o banco não está cobrando juros naquela fatura. E quando ele cobra à vista, ele recebe o valor equivalente, correndo menos risco. Então, muitas vezes acontece que a inadimplência é maior nas parcelas alongadas do que nas parcelas mais curtas ou à vista. E se cria o subsídio cruzado. O resultado é que hoje já tem um sistema no Brasil com muita inadimplência e os juros do rotativo também estão muito elevados. Acredito que existe uma oportunidade muito grande de a gente reduzir esses juros com medidas adequadas.
São medidas adicionais ao que o diretor do BC Renato Gomes falou?
Não vamos resolver o problema com uma medida só. Vai ser um conjunto de medidas visando atacar o problema sem desequilibrar o sistema.
O parcelado tem mais risco para o banco e o à vista, menos risco; mas o custo da venda é a mesma. É isso?
Exatamente. Em geral, os juros serviriam para remunerar diferentes níveis de risco. Mas, como não está cobrando juros, não está fazendo diferenciação entre os riscos entre as duas operações.
Mas o problema é o parcelado sem juros? Por que há informações de que os bancos gostariam de limitar o parcelado sem juros, mas tem o problema do varejo…
Então, mas não é só isso. O parcelado sem juros tem outra questão que é muito importante. Ninguém proíbe os bancos de cobrarem juros, nem obriga que o parcelado sem juros ocorra. É algo que é resultado das forças de mercado. Pode ser que, por força disso, tenha se instalado um subsídio cruzado, mas não foi o governo que levou a essa situação, não foi ninguém, foi a própria dinâmica do mercado que levou a essa situação. Não nos parece que o problema seja o parcelado sem juros, mas os juros elevadíssimos do cartão de crédito do rotativo.
Mas é elevado por quê?
É resultado do sistema. Outra coisa que é muito verdadeira e que precisa ser dita é que o nível de competição do rotativo é muito baixo. Isso é um ponto importante. Porque, uma vez que houve a inadimplência, nenhum banco vai querer financiar aquela dívida do rotativo. Não há mais competição naquele momento em que houve inadimplência. O cliente fica sujeito aos juros que são cobrados pelo emissor do cartão. E o cliente não percebe ex-ante, no momento em que pega o cartão, qual vai ser os juros do rotativo depois. Esse é um problema relevante.
A portabilidade ajuda nisso?
Pode ajudar, na medida em que você pode transferir o saldo do cartão de um banco para o outro. Mas a gente precisa saber também que a portabilidade não vai resolver o problema, porque, se o cliente já inadimpliu a fatura, é de risco alto, então vai ser difícil arranjar um banco que esteja interessado em receber o crédito dele e que não queira cobrar taxas bastante elevadas também.
Mas a ideia não é proibir o parcelado?
Não é essa a ideia.
Nem tabelar os juros do rotativo?
Não pensamos em limitar o parcelado sem juros nem em tabelar os juros do cartão.
Nem acabar com o rotativo?
Não quero especular sobre outras medidas, não. Porque acho que a gente tem que sentar na mesa, discutir a fundo os problemas. Existe uma pressão legítima da sociedade com relação a esse nível de juros.
Quando o sr. fala de transparência, seria ter as tarifas bem discriminadas na fatura?
Acho que essa é uma das direções. Mas acho importante dar não só mecanismos tradicionais de informação. Fatura ninguém usa mais. Temos que fazer hoje o digital e uma comunicação clara, que destaque para a população não só o valor nominal desse juro, mas também o impacto que pode ter na vida das pessoas. É importante se comunicar com a população de uma maneira correta, de modo que possa entender que esses juros de 400% ao ano podem inviabilizar toda a situação econômica de uma família. Precisamos comunicar o problema de forma clara.
Essa é uma preocupação do ministro Haddad?
É uma preocupação de todo o governo.
O que entra nesse jogo quando o pagamento é à vista? Já tem um juro embutido? Quando se paga à vista, se está pagando a inadimplência dos outros?
Isso é outro subsídio que existe. Quem financia o parcelado sem juros, na verdade, é o lojista, porque ele só recebe na medida em que cada parcela vai sendo paga. O risco de crédito é do banco, mas os recursos são do lojista. Ele só vai receber na medida em que forem vencendo as parcelas. É claro que o lojista tem custo financeiro com isso. Em tese, poderia oferecer preço mais baixo para quem paga à vista, mas, na prática, isso não acontece. Isso incentiva as pessoas que, a princípio, comprariam à vista, a comprarem a prazo.
Se não fosse o subsídio cruzado, poderia ter a pechincha, o desconto à vista?
O desconto à vista é permitido hoje na legislação. É um pouco difícil no processo de venda dos varejistas encaixar esse desconto à vista. Eles preferem simplificar esse processo de venda e fazer um preço único. Mas eles podem hoje diferenciar preço. Isso tem acontecido mais. Com o Pix, por exemplo, que não tem os mesmos custos do arranjo de pagamentos do cartão, os lojistas, muito frequentemente, oferecem descontos à vista.
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