Há dois anos na presidência do Santander Brasil, terceiro maior banco privado do Brasil, Mario Leão, de 48 anos, afirma acreditar que as instituições financeiras tradicionais precisam agir mais rápido do que nunca para manter a fidelidade dos clientes. Os consumidores, na visão dele, mudaram de comportamento, e o setor precisa se adaptar para reverter essa tendência a seu favor.
A transformação não pode ser apenas na estrutura de atendimento, hoje muito mais digital que no passado, mas passa inclusive pela estrutura hierárquica do banco e pelo perfil dos funcionários.
“Não quero ter uma organização fria e, por ser engenheiro, posso falar, uma organização de engenheiros, em que tudo seja quadradinho. Quero ter processos bons, mas quero ter pessoas melhores”, afirma, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast na última sexta-feira, 3, na sede do banco.
Engenheiro de Produção formado pela Escola Politécnica da USP (a Poli), Leão diz acreditar que os bancos têm de ser menos “fábricas de produto” e, em vez disso, entender exatamente o que o cliente quer. De olho no longo prazo, ele afirma que quer construir no Santander um conglomerado menos dependente do crédito para gerar resultados, e ao mesmo tempo, de entendimento simples para o cliente, com quem tem de estar em contato constantemente.
“Queremos estar em todas as classes sociais, e atuamos de formas diferentes em vários pedaços da pirâmide. Estar no Brasil significa estar na baixa renda, não é um dilema. O dilema é fazer de forma rentável, sustentável e que seja boa para o cliente, senão, ele não te paga”, diz o executivo.
Para ele, os bancos não desaprenderam a lidar com a baixa renda nos últimos anos, mas o contexto mudou muito rápido após a pandemia, “numa tempestade perfeita de a renda disponível despencar e o cliente estar super alavancado”. “Os bancos vão ser mais cautelosos, porque aprenderam da forma mais dura que a capacidade de pagamento da baixa renda é limitada”, afirma.
O novo desenho levou o banco a colocar nas ruas os especialistas de pequenas e médias empresas e os do segmento de média renda, o Van Gogh. Também reorientou o formato das agências e a aceleração em linhas de crédito mais garantidas. Os resultados da transformação começaram a surgir: no primeiro trimestre, o Santander teve o maior lucro em um ano e meio, de R$ 3 bilhões, uma alta de 41% em um ano que fez as ações decolarem na B3.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Nos anos 1990 e 2000, grandes bancos internacionais tentaram disputar o varejo no Brasil. De todos, só ficou o Santander. O que esperar daqui para a frente? Quais os planos para o País?
O Grupo Santander olha para o Brasil como um caso de sucesso, não só de ser o único grande estrangeiro, mas de ter criado um dos maiores bancos do Brasil, há muitos anos como o terceiro maior banco privado e um dos cinco maiores do Brasil. O sucesso do grupo depende bastante da nossa geografia. Chegamos a ser 30% do resultado do grupo. Hoje é um pouco menos, porque na Espanha estamos tendo anos muito bons, um pouco por conta do movimento dos juros lá fora, mas é bem provável que, em poucos anos, voltemos a ser de 25% a 30%. Queremos crescer mais ainda no Brasil, organicamente.
O movimento via aquisições acabou?
Não podemos dizer que acabou, mas não é através de movimentos inorgânicos relevantes que queremos continuar executando nossa estratégia no Brasil. O que não quer dizer que não vamos fazer nada e que não possa haver um passo maior.
A ideia de levar a operação para outro patamar significa ganhar posições entre os cinco maiores bancos?
Não definimos meta de ultrapassar A, B ou C. Cada um está fazendo o seu trabalho de transformação e respeitamos muito a todos. Mais e mais queremos ganhar clientes ativos, que transacionem conosco, e que nos escolham como principal plataforma bancária.
O maior desafio é concorrer com os bancos tradicionais ou com as fintechs? Para onde o cliente está indo?
São os dois. O Brasil talvez seja onde a concorrência e a disrupção aconteceram de forma mais rápida. Tem três elementos de disrupção que fazem com que os bancos tenham de se mover mais rápido do que jamais fizeram. O primeiro é do lado regulatório. Temos o Pix, que muda a dinâmica de pagamentos, o tipo de jornada e os produtos que eu tenho de oferecer, a dinâmica de precificação e a infraestrutura de forma brutal. No Open Finance, o escopo é ainda mais amplo. Os bancos digitais, com a pandemia, têm uma aceleração tão grande de adoção que trazem um elemento concorrencial grande. O terceiro é que o cliente decidiu se relacionar de uma forma diferente com o sistema financeiro. Isso faz com que tenhamos de abraçar a vontade de nos transformarmos em uma plataforma muito mais moderna, simples, muito mais dinâmica e mais próxima do cliente. É a transformação de uma operação grande, com 55 mil funcionários, 65 milhões de clientes, 42 anos de Brasil, 166 anos de Grupo Santander. E contra qual concorrência? Todos. A toda hora estou olhando para os dois lados. Tiro lições e me desafio dos dois lados: tento tirar o melhor do que as fintechs podem trazer, e o melhor do que os tradicionais, incumbentes, podem trazer também.
Sergio Rial, seu antecessor, tinha uma gestão bastante personalista, e quando te passou o bastão, falou até em uma questão geracional, de um olhar fresco, por você ser mais novo. Para o longo prazo, como você acha que enxergarão sua gestão? Que marca você vai deixar no banco?
Acredito em uma empresa com um nível de autonomia de gestão muito maior do que nós ― e possivelmente outras grandes empresas ― tivemos no passado. Confiar, e ao confiar, delegar; e ao delegar, aceitar que as decisões serão tomadas por um grupo muito maior de pessoas, e que isso trará um nível de oxigenação na gestão, que vai trazer um dinamismo totalmente diferente para a empresa. Junto da autonomia, acredito muito em horizontalidade. Bancos em especial sempre foram organizações muito hierárquicas, rígidas e tradicionais. Aqui, tínhamos oito ou nove camadas diferentes. Por um lado era bom, porque havia vários degraus para subir e isso motivava, mas, por outro lado, criava camadas de gestão inúmeras, e não necessariamente trazia benefícios para a fluidez e a autonomia. Desde o ano passado, temos quatro camadas.
Você está descrevendo uma empresa quase nativa digital.
Continuamos sendo banco, o Santander, mas o modo de pensar do ponto de vista organizacional precisa modernizar. Acredito em uma empresa que é muito mais obcecada pelo cliente. Sempre fomos, como toda a indústria financeira, grandes fábricas de produtos, e não necessariamente a noção cliente estava bem capturada. Existia o cliente cativo e não existia essa noção da principalidade. O legado que quero deixar é o de uma empresa absolutamente agarrada na ideia de ser a plataforma financeira mais ativa na vida dos clientes. Outro valor em que acredito muito é o da comunicação. Quero que o cliente sinta que está o tempo inteiro conversando conosco, e para isso, tenho de ter uma construção de canais impecável, não só individualmente, mas que a integração entre canais seja impecável. Do lado de portfólio, quero construir um banco maior, mas ao mesmo tempo muito mais diversificado, menos dependente de alguns pedaços em que nos amparamos no nosso último ciclo de crescimento.
Por que havia essa dependência?
Nada de errado, crescemos, batemos recordes, mas estávamos investidos em uma tese principal bastante pró-cíclica: juros caindo, inflação baixa, inadimplência baixa, renda disponível supostamente alta. Só que depois de seis anos, acabou não funcionando mais para nós e para o mercado todo. Não trabalhamos em paralelo em desenvolver o negócio de captações de terceiros, por exemplo. Não focamos tanto em diversificar mais ainda nosso negócio de comissões. Mesmo em crédito, investimos menos em diversificar esse portfólio do que poderíamos, e estamos fazendo isso. É uma visão de gestão, de que preciso ter um portfólio mais diversificado porque ele deixa de ser tão pró-cíclico.
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Você pretende fazer essa mudança com pessoas de dentro do banco ou vindas de fora? Está trazendo pessoas novas?
Acredito na oxigenação que vem quando se traz gente de fora, mas acredito mais ainda em dar chance de forma meritocrática a pessoas de dentro. A cada 20 posições de liderança que movimentei nos últimos 20 ou 18 meses, provavelmente 19 foram com pessoas de dentro. Para mim, é o desenho ideal, mas com alguma oxigenação, trazendo pessoas de fora quando não há ninguém pronto ou quase pronto, ou quando concluímos que seria bom ter alguém vindo de fora para trazer um olhar novo ou fazer uma mudança mais ampla.
Ao olhar para uma liderança, o que você procura?
As pessoas que eu quero ter aqui têm de ter um alinhamento cultural. Busco ética, é óbvio, mas temos alguns elementos bastante particulares. Só dá para praticar autonomia e horizontalidade se você tiver pessoas com vontade de praticar protagonismo. Em um nível mais sênior, de sócios, que de fato tenham vontade de ser protagonistas, e que ao receber o protagonismo, saibam tomar decisão, refletir e tomar decisões a partir das reflexões, e não fazer as coisas no automático. Temos uma agenda muito cheia, como em toda grande organização, mas estimulo muito as lideranças a encontrarem um tempo reflexivo. Quero gente ambiciosa, mas não que vá praticar a ambição em detrimento do crescimento dos outros. E também quero que tenham energia alta, o que aqui chamamos de chama. Não quero ter uma organização fria e, por ser engenheiro, posso falar, uma organização de engenheiros, em que tudo seja quadradinho, um processo impecável e o poder das pessoas é pequeno. Quero ter processos bons, mas quero ter pessoas melhores.
Como vocês chegaram ao novo formato da rede de varejo? Quanto tempo levou para se chegar a ele, e quais efeitos vocês já veem?
A loja (agência) é um canal importante de contato, mas tem de ser parte de uma oferta multicanal e contínua. O cliente que ainda quer ir à loja não pode achar que vai ter uma conversa que é diferente do aplicativo, do chat ou de quando ligou para a nossa central. As lojas, quando bem escolhidas, no local certo e no tamanho certo e com a equipe certa, são um grande diferencial em relação à concorrência que vem dos digitais. A demanda por lojas cai, o que nos tem levado a fazer a redução do parque aos poucos. Vimos a oportunidade de redefinir o que esperamos dessa loja. O gerente era o dono de uma base de clientes, e o resultado daquela base era da loja. Pagávamos incentivos por um consumo que havia sido feito no digital e não dependia mais daquela loja. Quando a loja deixa de ter a gestão da carteira, sai de cena o elemento de dinheiro garantido. Tirando os clientes das lojas, eles podem mais livremente do que nunca ir a qualquer loja, e a sobrevivência daquela loja no parque está correlacionada a apenas duas coisas: o quanto consegue vender no dia e no mês, e quão bom é o atendimento, mesmo sem venda. Uma loja que vende muito e atende mal não vai ganhar remuneração.
E como ficou o atendimento especializado?
Tínhamos duas figuras dentro da loja até o ano passado, os especialistas de pequenas empresas e os de média renda, que chamamos de Van Gogh. O de pequenas empresas acabava ajudando com o fluxo, não dava tempo para visitar clientes. Tiramos esses especialistas da loja, e além disso, contratamos mais centenas de novos, mais de mil pessoas. Criamos o conceito de células virtuais. Eles passam o dia na rua visitando clientes. Para gerenciar essas células, criamos uma estrutura de governança que não existia. Queremos ser, ao longo dos anos, uma das grandes referências no negócio de pequenas e médias empresas no Brasil. Também colocamos os de média renda fisicamente nas plataformas Van Gogh. Como estão fora do fluxo, eles passam as oito horas do dia falando com o cliente.
No varejo, o Santander quer ter na base a pirâmide social brasileira, a baixa, a média ou a alta renda? Qual o posicionamento do banco hoje?
Queremos estar em todas as classes sociais, e atuamos de formas diferentes em vários pedaços da pirâmide. Estar no Brasil significa estar na baixa renda, não é um dilema. O dilema é fazer de forma rentável, sustentável e que seja boa para o cliente, senão, ele não te paga. Tenho falado com transparência que nos últimos dois anos, a baixa renda não tem sido um segmento positivo para nós. Precisávamos de uma resposta contundente para isso, mas não quer dizer que o Santander se voltou às rendas massivas e que a média e a alta renda não importam. Estou falando de um banco que deixa de oferecer tudo para todos e passa a oferecer exatamente o que a pessoa quer, no momento em que ela está precisando e da forma mais simples possível.
Os bancos desaprenderam a lidar com o baixa renda? O que mudou?
Os clientes passaram a ter a capacidade de ter muitas contas abertas ao mesmo tempo, quase todas com cartão de crédito disponível, e limites que, somados, eram muito mais do que tinham antes. A disponibilidade de contas, cartões e limites cresceu muito em 2020 e, principalmente, em 2021. O segundo fator foi que, por conta de a pandemia em 2020 não ter sido tão dura para os bancos em geral, (as instituições financeiras) acharam que poderiam conceder crédito aos clientes. Não acho que os bancos desaprenderam, mas o contexto mudou muito rápido, numa tempestade perfeita de a renda disponível despencar e o cliente estar super alavancado. Isso ficou claro para nós no final de 2021. Freamos no final de 2021, começo de 2022, e tivemos de digerir esse portfólio. Três anos depois, vamos fazer melhor. A renda disponível está aumentando e a inflação está controlada, mas essa oferta elástica de crédito para a baixa renda não volta mais. Os bancos vão ser mais cautelosos, porque aprenderam da forma mais dura que a capacidade de pagamento da baixa renda é limitada.
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