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Reforma tributária: ‘Estamos em um período de proliferação de jabutis’, diz Mendonça de Barros

Ex-secretário de Política Econômica diz que projeto é o ‘único transformador’ em discussão hoje no País, mas diz temer que, no Senado, ‘haja uma alcateia de lobbies, cada um tentando arrancar um pedacinho para si’

Foto do author Cleide Silva
Foto: Evelson de Freitas/Estadão
Entrevista comJosé Roberto Mendonça de BarrosEconomista e sócio da consultoria MB Associados

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Considerada como “único projeto transformador” em discussão no País, a reforma tributária deve trazer ganhos às empresas como redução de custos e aumento de produtividade, o que ajudará no crescimento da economia brasileira no longo prazo, avalia o economista e sócio da consultoria MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros.

Sua preocupação, no momento, é com a votação no Senado, onde ele teme a inclusão de mais jabutis, “seria lamentável, mas estamos num período em que há proliferação de jabutis em todas as áreas”, diz. Em sua opinião, o papel dos senadores seria apenas o de, se necessário, aprimorar o texto. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Como o sr. avalia o projeto que regulamenta a reforma tributária?

Vejo como essencialmente positivo, cumpriu a primeira parte que foi passar pela Câmara e ainda tem um longo caminho pelo Senado. Acho que o conjunto da reforma é favorável. Às vezes analistas e críticos ficam se apegando a uma questão específica e acabam perdendo a visão de conjunto. Focar demais num determinado ponto pode obscurecer a importância dos ganhos que o País vai ter. Ela é o único projeto transformador que está sendo colocado neste momento. Obviamente não resolve a questão fiscal, mas ajuda a encaminhar melhores condições para o crescimento, para melhorar a eficiência. O valor disso é inestimável num país que precisa aumentar a produtividade.

Quais os pontos mais positivos?

O primeiro, evidentemente, é a redução da complexidade ao juntar vários tributos em um só, alguns dos quais são objetos de enormes contenciosos judiciais. Se a regulação for bem feita, a redução de complexidade permitirá um ganho enorme para as empresas e reduzirá especialmente o custo de compliance. O princípio geral do valor adicional, do imposto não cumulativo e do destino final também ajuda a melhorar a questão da tributação indevida na exportação. O segundo é a redução das distorções alocativas em razão de incentivos fiscais. Uma das piores coisas do sistema produtivo brasileiro é ter empresas com estruturas que só existem por causa de incentivo fiscal. Por exemplo, vejo como grande distorção as empresas importarem produtos via Santa Catarina, colocar em um caminhão e trazer para São Paulo porque tem vantagem de ICMS. É um Estado desenvolvido, com indústria importante e não precisa disso. Sem o incentivo fiscal, muitas empresas vão refazer seus sistemas logísticos. O terceiro é a ideia do split payment (sistema automático que permitirá a quitação e distribuição automática dos impostos entre União, Estados e municípios). Vai acabar o acúmulo de créditos, que gera enorme ineficiência. Hoje o crédito retido leva meses ou anos para ser devolvido e atrapalha o capital de giro das empresas. O quarto é que a mudança não será rápida, mas por etapas, começando com uma fase experimental, pois se for rápido demais o sistema pode travar. O último ponto, na verdade, é uma esperança de que a redação final dê menos margem para a judicialização.

E os negativos?

O que é negativo é o volume de exceções, algumas casuístas introduzidas de última hora por setores pouco importantes. Elas não alteram a visão geral da reforma, mas deixam a percepção de que esses processos, no Congresso, estão muito sujeitos à força de lobbies específicos. Por exemplo, a proposta de desonerar a produção de sêmens, embriões e matrizes de animais. É algo muito pontual e não faz sentido estar na reforma. Outra coisa negativa é tirar armas e munições da lista do imposto seletivo. No meu entender, se há algo que precisa ser mais tributável, pois de algum jeito faz mal à sociedade, é arma. Claro que não é a opinião da bancada da bala. Outra coisa que ficou inconsistente é a inclusão de veículos elétricos no imposto seletivo porque, na verdade, acaba sendo um protecionismo e, aparentemente, é para matar o veículo elétrico. Agora fumos, bebidas alcoólicas, açucarados e jogos fazem sentido.

Como o sr. vê a discussão sobre a carne na cesta básica?

De fato não tem como separar, por exemplo, o acém do filé mignon. Ou coloca todos ou nenhum. Mas tenho dúvidas se vale a pena a inclusão. Conceitualmente, acredito que a solução do cashback é melhor, ou seja, devolver uma estimativa de gastos (com esse produto) para as pessoas que têm renda mais baixa do que fazer a abertura do setor como um todo. Não seria difícil, pois temos um sistema bem-sucedido de Bolsa Família, de Cadastro Único. Mas não acho que isso comprometa o conjunto da reforma.

Sessão de votação da regulamentação da reforma tributária, na Câmara dos Deputados Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

Há muitos setores reclamando que terão perdas.

Tem discussões técnicas, por exemplo, na forma de tributar os imóveis. O compromisso era manter a carga tributária média e o sistema que saiu, aparentemente, reduz a carga tributária para imóveis baratos e aumenta um pouco para os mais caros, e isso está gerando controvérsias. Evidentemente os incorporadores que se especializaram nos imóveis mais caros estão dizendo que a carga vai aumentar, mas aí é uma questão de entendimento. O Ministério da Fazenda argumenta que a média não aumenta, mas na distribuição dessa média algumas cargas caem e outras aumentam. É preciso desenvolver uma metodologia que todo mundo ache razoável, pois é legítimo cada segmento defender o seu caso e, de fato, quem trabalha com imóveis de alto padrão tem um produto diferente daquele que trabalha com o Minha Casa Minha Vida, ou algo desse tipo.

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O sr. acredita que a alíquota média prevista inicialmente para o IVA, de 26,5% a 27%, será mantida após as mudanças no texto?

Não tenho dados ou simulações para responder a essa questão, mas tenho impressão de que sim. O setor de carne, por exemplo, não é tão grande e é cada vez mais exportador e exportar não paga imposto. Aparentemente cabe (essa mudança), mas é para isso que vai ter dois anos para rodar o sistema de forma experimental, para ver como vai funcionar. O problema é que a alíquota ficou cheia e minha preocupação é o Senado piorar mais. Tenho receio de que, no Senado, haja uma alcateia de lobbies, cada um tentando arrancar um pedacinho para si. Se ocorrer isso, aí sim pode ficar ruim, o que seria lamentável.

Já há um grupo de deputados dizendo que vai pressionar o Senado por mais incentivos à Zona Franca de Manaus.

Eu acho que a questão da Zona Franca não deveria estar na reforma. O projeto da ZF ficou maduro, mas não produz nada adicional e relevante da região amazônica. O que teria de ter sido feito com o pessoal da região é ver o que tem de novo e positivo em termos de descarbonização, economia verde e pensar em um projeto que, ao longo do tempo, ajudasse a região a se desenvolver. Do jeito que está hoje, não traz maior desenvolvimento para a Amazônia. Ao contrário, o que cresce em larga medida é o dinheiro ilegal, como o do garimpo. Há uma oportunidade fenomenal ligada ao meio ambiente, à preservação, ter um projeto economicamente factível de descarbonização, de bioeconomia. Isso me parece ser de interesse da região e puxaria o crescimento, e não tentar manter uma estrutura que já era ruim há 50 anos quando começou a Zona Franca. A região está estagnada. Ela tem o que sempre teve de importante, que é a Vale/Carajás, as fábricas de duas rodas (motocicletas), mas não vai para frente. E o que a reforma tributária faz é manter a ideia muito bravamente defendida pela política local de que a Zona Franca tem de continuar como é. E isso não vai adicionar nada de especial à região. A Zona Franca é um negócio que não tem mais sentido econômico. O Centro Oeste, ao inverso, é o último que entrou nas estruturas regionais e é onde está hoje o maior crescimento do PIB, do valor adicionado, da renda per capita.

Há previsão de que mais mudanças ocorram no Senado?

Quero crer que seja mantido o que já está aprovado, mas tem de ficar muito esperto porque haverá tentativa de lobbies e vai depender do encaminhamento da liderança do governo. Espero que o Senado vote mais ou menos do jeito que está ou que o aprimore, porque sempre pode aprimorar. Mas meu receio é que comece a entrar mais jabutis, pois estamos num período em que há proliferação de jabutis em todas as áreas.

A reforma vai trazer crescimento econômico?

Acho que sim. Vai demorar certo tempo, mas o corte de custos que as empresas terão nos departamentos de compliance com a regra fiscal, e nos departamentos jurídicos com a redução de contenciosos jurídicos vai tirar um peso enorme das despesas. Isso vai aliviar o capital de giro, vai melhorar os resultados e haverá mais recursos para investimentos e ganho de produtividade.

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