Um dos nomes mais respeitados da indústria brasileira, Pedro Wongtschowski tem se envolvido no debate sobre meio ambiente e economia verde por meio da Concertação pela Amazônia — uma rede formada por pessoas e empresas para promover a conservação e o desenvolvimento sustentável da região. Ex-presidente do conselho de administração e ex-CEO do Grupo Ultra, o executivo tem trabalhado para alavancar a ciência e a inovação na Amazônia.
“Tenho focado na questão de ciência, tecnologia e inovação, porque qualquer tipo de política pública que faça sentido precisa de dados, informações e conhecimento. Mas o sistema de ciência, tecnologia e inovação da Amazônia não está dimensionado ainda para dar essas respostas todas”, diz ele, que é presidente do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Na análise de Wongtschowski, o País precisa acelerar a adoção de políticas que promovam atividades econômicas verdes — como o crédito de carbono — se quiser ser um protagonista global na área. “A gente deveria estar fazendo mais e mais rápido para ter certeza de que essas novas iniciativas estarão disponíveis para a COP-30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que deverá ocorrer em novembro de 2025 em Belém)”, diz.
Sobre o trabalho do governo Lula para preparar o Brasil para a COP, o executivo destaca ser preciso uma maior articulação entre Itamaraty, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Fazenda e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). “Os esforços do governo brasileiro ainda estão um pouco dispersos.”
A seguir, trechos da entrevista:
Com uma matriz energética limpa, o Brasil tem potencial para ser protagonista em um mundo que busca reduzir as emissões de gases poluentes. A COP-30 é uma chance de o Brasil mostrar para mundo esse potencial. O País está se preparando para isso?
Talvez não com a intensidade necessária. Temos uma grande oportunidade derivada da nossa matriz energética favorável e do fato de a maior parte das emissões de carbono do Brasil provirem da agropecuária, onde algumas soluções — especialmente o combate ao desmatamento ― representariam ganhos enormes de redução das emissões. Temos também um volume muito grande de áreas degradadas disponíveis para um reflorestamento que vai absorver CO₂ da atmosfera. Então, de fato, temos grandes oportunidades e podemos usar a COP-30 para organizá-las melhor e iniciar efetivamente a implantação dessas novas posturas.
Mas o País está se preparando para aproveitar a oportunidade?
Meu sentimento é que está um pouco lento. A gente deveria estar fazendo mais e mais rápido para ter certeza de que essas novas iniciativas estarão disponíveis para a COP-30. Por exemplo, a regulação do mercado de carbono. Esse projeto de lei ainda não foi aprovado. Sofreu modificações na tramitação, e não tenho certeza se o que vai ser aprovado é o mais adequado para o momento brasileiro. Em todo caso, alguma regulamentação é melhor do que nenhuma. A expectativa é que se resolva isso num prazo curto para que a sociedade possa se organizar. Tem outras questões mal resolvidas. Por exemplo, a regularização fundiária. A posse da terra no Brasil não corresponde necessariamente à propriedade legal da terra. A regularização fundiária, via um processo generalizado de georreferenciamento, via modernização de todos os cartórios de registros de imóveis, é uma medida importantíssima que daria segurança jurídica para empresas comprarem terras para projetos de reflorestamento ou de plantio de agrofloresta sustentável. Há expectativa de que, neste período (até a COP), o governo possa avançar num processo de regularização fundiária, especialmente das áreas da Amazônia Legal.
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O que precisa ser feito para o Brasil fazer bonito na COP?
O Brasil está se preparando para a COP-30, mas acho que os esforços do governo brasileiro ainda estão um pouco dispersos. É preciso juntar o interesse da posição do Itamaraty, que tem toda a condição de liderar esse processo, o trabalho do Ministério do Meio Ambiente, mas também o trabalho do Ministério da Fazenda e do Mdic. É preciso um pouco mais de articulação do governo para explicitar melhor os objetivos do Brasil junto à COP-30.
O sr. tem participado de várias conversas e eventos sobre desenvolvimento econômico sustentável. O empresariado tem dialogado também com o governo para que, na prática, essa seja realmente uma agenda prioritária do País?
Existem muitas iniciativas, talvez não inteiramente organizadas. A Fiesp está mobilizada. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) também, no sentido de levar propostas concretas para o governo federal aproveitando justamente a COP-30, de levar medidas que definam um plano de transição ecológica viável para a economia brasileira. Isso passa por oportunidades de negócio. A própria produção de SAF (combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês) no Brasil depende da solução de algumas questões tecnológicas, mas também do aspecto regulatório que está contido em um projeto de lei que tramita lentamente no Congresso Nacional.
Como o sr. tem se envolvido nessas discussões?
Tenho focado na questão de ciência, tecnologia e inovação para a Amazônia, porque qualquer tipo de política pública que faça sentido precisa de dados, informações e conhecimento. Mas o sistema de ciência, tecnologia e inovação da Amazônia não está dimensionado ainda para dar essas respostas todas. Estamos falando de flora e fauna, de peixes, de economia, de pessoas, de conhecimento do regime de águas, de etnografia. Existem muitas informações precárias e insuficientes que dificultam a formulação de políticas públicas sólidas para a Amazônia Legal. Esse esforço tem que ser liderado pelos professores, pelos cientistas e pelas comunidades da região, mas tem que haver um direcionamento do governo federal. Estamos trabalhando para fazer o governo criar essa infraestrutura apropriada e incentivando instituições privadas a participar do processo.
Por meio da Fiesp?
Por meio de organizações como a Concertação pela Amazônia e instituições a ela ligadas.
Como vocês têm avançado?
Já existe uma série de formulações feitas por algumas ONGs ligadas à Concertação. Isso nunca se resolve de uma vez. São avanços que vão sendo feitos aos poucos. Por exemplo, há a convicção hoje de que um aspecto central é fortalecer as instituições de pesquisa e desenvolvimento da Amazônia, que são frágeis, não têm pessoas suficientes. Então é preciso mais recursos e gente. É preciso montar um esquema de atração e fixação de pesquisadores, cientistas e alunos para a Amazônia, que trabalhem lá e se integrem à comunidade local. Muitas dessas propostas têm tentado organizar melhor essa agenda para apresentá-la como contribuição aos diversos órgãos do governo federal e de governos locais. Tem propostas sendo feitas e planos pilotos que provavelmente vão ser implementados por ONGs da Amazônia. Por exemplo, com o Instituto Arapyaú e o Instituto Agni, estamos ajudando a formular essas propostas para favorecer a fixação de pessoas na Amazônia nesta área de ciência, tecnologia e inovação.
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Do lado do governo, o que precisa ser feito e como avalia o que vem sendo feito?
Vejo o governo interessado nisso, especialmente no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O Ministério da Educação está interessado em fortalecer as atividades das universidades da Amazônia. O Ministério de Ciência está trabalhando para fortalecer instituições como o Museu Goeldi e o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Existe uma organização social muito ativa na região que é o Instituto Mamirauá. São instituições que já existem, mas precisam de mais recursos, precisam ser fortalecidas, atrair mais pessoas e melhorar suas instalações. Acredito que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) pode ser uma fonte importante de recursos. O FNDCT recebe cerca de R$ 12 bilhões por ano e pode financiar projetos dessa natureza. Diria que o problema no momento não é a falta de recursos. No momento, o problema é a falta de projetos viáveis para absorver esses recursos. Temos também o Fundo Amazônia e o Fundo Clima. O que precisa é organizar melhor as estruturas para receber esses fundos e preparar projetos.
Qual é a responsabilidade do setor privado para tornar o País um protagonista neste mundo de baixo carbono? Acha que as empresas têm assumido seu papel?
A política necessariamente é de governo, que define o arcabouço regulatório e as metas de redução de emissões. Isso, por sua vez, leva a uma mudanças na estrutura industrial e a mudanças na geração de energia. Elas (as empresas) são induzidas por normas do governo e por decisão interna. Muitas vezes as companhias autodefinem metas de redução de emissões, de sustentabilidade, de redução do consumo de água, de redução de resíduos, de redução de consumo de energia. As grandes empresas hoje definem suas metas de sustentabilidade, mas, para a economia como um todo, é importante também o papel do governo. Tradicionalmente as COPs têm uma figura privada que ocupa um cargo chamado Climate Change High-level Champion. Normalmente, ele é escolhido pelos governos 24 meses antes da realização da COP. O “champion” brasileiro ainda não foi escolhido. Então são medidas que atrasam a ação também do setor privado na COP e que poderiam ser resolvidas em um prazo curto.
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