‘A barra subiu. Hoje investidor quer empresas mais sólidas e resilientes’, diz presidente do Citi

Marcelo Marangon diz que patamar atual da Selic preocupa, mas espera que novo arcabouço fiscal abra espaço para o corte dos juros

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Entrevista comMarcelo MarangonPresidente do Citi Brasil

O presidente do banco americano Citi no Brasil, Marcelo Marangon, diz que, passada a fase de farta liquidez no mercado global, o investidor está mais seletivo para alocar os seus recursos. “Hoje, ele procura companhias mais sólidas, mais resilientes, que têm um maior previsibilidade”, afirma.

Em 2022, o banco registrou o melhor resultado da história no País. O Citi reportou lucro líquido de R$ 2,6 bilhões, o que representou um crescimento de 53% em relação ao ano anterior. Com o resultado, a franquia brasileira se tornou a quinta maior do mundo, entre os 95 mercados em que a companhia está presente - em 2021, o banco traçou um plano de crescer 50% até 2024.

Marangon diz que uma das suas principais preocupações é o atual patamar da taxa de juros no País - a Selic está em 13,75% ao ano -, mas ele espera que o novo arcabouço fiscal, prometido pelo Ministério da Fazenda para ser apresentado em março, abra espaço para um afrouxamento monetária no País. “Isso, de fato, é uma preocupação, porque tem um impacto grande em crescimento, em reperfilamento de dívida”, diz.

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Presidente do Citi no Brasil diz que investidor está mais seletivo Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

O resultado do banco foi recorde. O que explica esse desempenho?

A nossa ambição não é sermos um banco que oferece tudo a todos. É ser um banco completo para um número limitado de clientes. Para esse grupo de clientes, a gente tenta ser um banco completo: focar bastante, conhecer bem a operação e os acionistas, os membros do conselho, o comitê executivo, a direção da empresa para que a gente possa entender todas as necessidades. Hoje, nós temos um banco completo. Não há nenhum produto que nós não fazemos para atender os nossos clientes.

No ano passado, a carteira de crédito cresceu 5%. Quanto ela representa da receita do banco?

Eu diria que ao redor de 30% mais ou menos do nosso resultado. Temos um portfólio bastante pulverizado, bastante diversificado. Temos receita de crédito, receita de serviço recorrente, receita de serviço que é episódica. E isso com oferta de produtos local e internacional.

Olhando para os clientes, o que é preponderante para o banco?

São as grandes empresas. É onde a gente concentra a maior exposição. A grande concentração hoje, mais de 90% da nossa exposição, está em empresas.

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Como a carteira de crédito tem um peso importante, qual foi o impacto do episódio das Lojas Americanas? Houve alguma mudança?

Não mudou. Nós temos uma estratégia bastante resiliente com os nossos clientes. Nós não mudamos em nada a nossa estratégia de crédito. Não tínhamos exposição em Americanas. Temos uma atuação forte em produtos de financiamentos do ciclo produtivo. E a gente continua. Esse é um pilar importante da nossa estratégia, porque é o dia a dia dos clientes.

Essa questão mais geral do crédito não preocupa? Não há um temor de uma crise de crédito no País?

A gente não mudou em nada a nossa estratégia para 2023 e 2024. A nossa carteira está bastante saudável. A nossa provisão para perda associada à crédito se manteve no mesmo nível de 2021. Então, apesar da deterioração do ambiente, a gente manteve o mesmo nível de provisionamento. A gente tem uma disciplina muito sólida, muito rigorosa de crédito. Essa carteira está se comportando muito bem e isso nos dá um alicerce importante para continuar crescendo, por isso nós não mexemos no nosso plano de crescimento maior.

Crise envolvendo Lojas Americanas não mudou estratégia de crédito do banco, diz Marangon  Foto: WERTHER SANTANA

Mas houve uma demanda maior nesse cenário em que outros bancos estão segurando crédito?

A gente vê demandas em alguns setores, mas nada que seja nesse grupo de clientes que nos traga algum tipo de alerta. Obviamente, quando há restrição em algum setor, como o varejo está passando agora, a gente vê uma demanda maior e tenta suportar esses clientes com os quais atuamos de maneira próxima. Mas não nos preocupa. O que nos preocupa é a taxa de juros. Isso, de fato, é uma preocupação, porque tem um impacto grande em crescimento, em reperfilamento de dívida. Não temos preocupação no nosso segmento, mas, no mercado como um todo, as micro e pequenas empresas ficam suscetíveis a essa situação de taxa de juros.

E qual é o cenário do banco para a taxa de juros?

O nosso cenário é de 12,25% para 2023 e 9% para 2024. Agora, a gente viu o IPCA-15 (de fevereiro) maior do que de janeiro, a inflação de 12 meses chegando próximo dos 6%. Temos uma preocupação com inflação e uma grande preocupação com a taxa de juros. É importante que esse novo arcabouço fiscal seja anunciado com rigor, com controle de despesa. Isso vai ser muito importante para as expectativas de mercados e, com certeza, vai facilitar esse processo de controle de inflação e redução da taxa de juros.

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Houve muito ruído nesse início de governo com juros e metas de inflação. Como avalia os dois primeiros meses?

Início de governo é sempre desafiador. Mas a gente vê um interesse legítimo, principalmente do Ministério da Fazenda, de se comunicar com o mercado, de passar os objetivos macro desse novo governo com responsabilidade fiscal. A gente tem uma expectativa bastante grande em relação a esse novo plano fiscal que deve ser anunciado ainda em março.

Mas o banco está otimista?

Nós estamos no início de governo. Eu acho que é natural uma série de ruídos, uma série de ansiedades, etc. A gente tem de definir as nossas estratégias com base em fatos. Tem muita narrativa. O que vai ser divulgado é o que vai ser base para nossa interpretação e, por isso, existe uma expectativa grande em relação ao anúncio desse arcabouço fiscal. E se ele for bem estruturado - e a gente tem a expectativa de que seja -, eu acho que vai ser um bom ponto de mudança na expectativa de mercado.

Se esse arcabouço não for crível, quais podem ser as consequências?

A gente espera que isso não aconteça, mas eu acho que a primeira e principal consequência vai ser essa permanência da taxa de juros num nível bastante elevado por mais tempo. E isso, infelizmente, cria uma série de consequências. Você tem inflação alta, baixo crescimento, baixo investimento, uma dinâmica de emprego que talvez seja afetada.

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Essa onda de recuperação judicial e de falências deve perdurar neste ano?

A gente não acha que é um ano perdido. Pelo contrário. A gente acha que muitas empresas estão bem posicionadas, fizeram a lição de casa, reestruturam os seus balanços, fortaleceram a sua estrutura de capital para não só enfrentar a diversidades, mas para continuar crescendo. A gente vê uma atividade grande em M&A (fusões e aquisições). Estamos vendo consolidação em algumas indústrias, vendo private equity voltando a se posicionar em algumas oportunidades. A gente vê bastante discussão de financiamento de aquisição e até, em alguns setores, investimento de expansão produtiva.

Quando essas negociações de fusões e aquisições ganham força e passam a ser anunciadas?

Eu acho que a gente deve ver anúncios ainda neste primeiro semestre.

Mas serão grandes?

Eu acho que serão grandes transações ainda neste primeiro semestre. E a gente deve ver um segundo semestre ainda mais ativo. Este início de ano ainda foi um pouquinho mais lento do que a gente esperava. Acho que, agora, a dinâmica da taxa de juros cria um novo cenário para a tomada de decisão. Então, o que vale mais a pena: fazer uma emissão no mercado externo, por um prazo mais longo, mas, ao mesmo tempo, fixar uma taxa um pouquinho acima da desejada ou fazer uma emissão no mercado local, em que você começa a ver um pouquinho de restrição de crédito dependendo do setor? Tem uma série de decisões para tomar com base nesse novo cenário de taxa de juros (alta) que está se prolongando mais do que o esperado.

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Dá para dizer qual é a preferência?

Depende muito da situação. Tem empresas que estão indo ao mercado pela primeira vez, tem empresas que vão com frequência ao mercado local e internacional. É muito a questão de como foi definida a estratégia de captação da empresa.

No caso de IPO, qual é a expectativa?

Temos um caso de IPO (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) registrado na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que é a CTG, da qual o Citibank é o coordenador líder. O mercado começou, de fato, um pouco mais lento do que a gente imaginava. A gente acha que ele deve se aquecer um pouquinho no final deste primeiro semestre e no segundo semestre. A gente tem a leitura de que vão ocorrer ofertas subsequentes, de follow-ons, seja para reforço de capital, seja para reestruturação de dívida, de balanço, ou para financiamento de aquisições.

Vivemos anos de farta liquidez. Esse cenário acabou?

Eu acho que a diretriz estratégica do investidor mudou. Hoje, o investidor procura companhias mais sólidas, mais resilientes, que têm uma maior previsibilidade, que tem um bom posicionamento dos seus respectivos mercados. Com o mercado que nós tínhamos nesses últimos anos, com o excesso grande de liquidez, o apetite do investidor era diferente para novos negócios, novas consolidações, novos mercados.

Marangon diz que investidor busca liquidez na sua tomada de decisão Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Os investidores estão mais seletivos?

Sem dúvida nenhuma estão mais seletivos. Nós vemos, por exemplo, uma preocupação grande do investidor de que as transações tenham liquidez no mercado secundário. Nós vimos muitos IPOs de tamanhos relativamente pequenos. E quanto menor o IPO, menor a probabilidade de você ter um secundário bastante ativo. O investidor gosta de ter a oportunidade de entrar e sair com base na sua decisão e não ser limitado por falta de liquidez.

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Isso significa excluir as startups que estão próximas de se tornarem unicórnios?

Eu não diria excluir, mas diria que a barra subiu. Então, aquele apetite do investidor para novas soluções, novos produtos e novos mercados permanece nas situações em que você tem escala, relevância e execução. A barra subiu. Vamos ver startups e fintechs indo para o mercado, mas eu acho que os requerimentos para elas terem o apoio do investidor ficaram maiores.

Isso no mundo todo?

No mundo todo.

E quando o investidor estrangeiro olha para o Brasil, qual é a percepção que ele tem?

O negócio do investidor é tomar risco. Então, para ele é muito importante ver estabilidade, previsibilidade e oportunidade de poder movimentar os seus portfólios na medida em que ele vai mudando as suas decisões. Quando a gente olha o Brasil de maneira relativa, nós somos, de fato, um grande mercado que tem se diferenciado na América Latina. Temos um tamanho geográfico continental, 220 milhões de consumidores, um setor financeiro bastante sofisticado, temos vários segmentos que são líderes globais, como agronegócio e pecuária, temos tecnologia. Temos tudo para atrair esse investimento, e a gente tem atraído. O investimento direto estrangeiro tem sido bastante forte. Na base relativa, nós estamos bem posicionados, mas é muito importante que a gente enderece os pontos que comentei. A previsibilidade gera confiança. E essa confiança vem com o quê? Justamente com o arcabouço fiscal.

Diante de todo esse cenário, qual é a aposta do Citi para 2023?

A gente quer chegar perto (de um crescimento) de 10%. A gente vem de um crescimento grande em 2022. Como eu disse, nós não mudamos a nossa estratégia. A previsão é de crescimento da nossa carteira de crédito, de aumento de volume de transações recorrentes. Nós permanecemos como o maior banco em câmbio do Brasil, o banco número um em custódia de investidores estrangeiro, somos o maior banco de multinacionais. A gente prevê crescimento em todos os segmentos, em todos os produtos, obviamente, se o mercado permitir. Considerando que as previsões de PIB para este ano são de estabilidade ou de baixo crescimento, se a gente chegar aos próximo dos dígitos, vamos ficar bastante satisfeitos.

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