BRASÍLIA - Relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, o senador Confúcio Moura (MDB-RO) avalia que só será possível atingir a meta de déficit zero nas contas públicas, estabelecida pelo governo para o ano que vem, com corte de gastos. O parlamentar prevê, contudo, que essa revisão ficará limitada a contingenciamentos no Orçamento e pente-fino em benefícios sociais, como o Bolsa Família e o seguro-defeso (para pescadores artesanais), além da redução de despesas de custeio dos ministérios.
Após aumentar a desconfiança do mercado financeiro em relação ao compromisso do governo Lula com o cumprimento do arcabouço fiscal, a equipe econômica passou a falar em revisão de despesas. Até então, o foco era aumentar a arrecadação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, já descartou algumas medidas, como a desvinculação de benefícios previdenciários da valorização real (acima da inflação) do salário mínimo.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Confúcio Moura disse que é preciso observar que Lula voltou atrás em algumas falas. “(O presidente) sinalizou positivamente para o mercado devido à evasão de investimento na Bolsa de Valores e ao aumento do dólar. Tudo isso faz com que o governo tome uma atitude de rever até algumas falas. Isso é prudente, só os ignorantes não mudam”, afirmou.
O senador sinalizou que deve atualizar as projeções de taxa de juros, inflação e câmbio que embasam a LDO, mas espera uma sinalização do governo. O projeto, que serve como parâmetro para a Lei Orçamentária Anual (LOA), só deve ser votado a partir de agosto.
O relator também defendeu uma reforma do Orçamento para aumentar a margem de atuação do Executivo, citou os três “Ds” do ex-ministro da Economia Paulo Guedes (desvincular, desindexar e desobrigar), descartou tornar as emendas de comissão impositivas e se posicionou contra um calendário fixo para pagamento desses recursos, como proposto na LDO de 2024.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
O governo tem sinalizado uma revisão de gastos. O detalhamento estará na Lei Orçamentária Anual (LOA). Mas algo já pode ser feito na LDO?
Creio que essa revisão de gastos eles devem fazer através do atributo do contingenciamento de recursos. Aprova o Orçamento e contingencia 10%, 15% do que é possível, principalmente as despesas de custeio, da máquina dos ministérios, corte de viagens, diárias. E alguns programas também. Pode cortar e segurar esse gasto para o segundo semestre do ano que vem. E também o corte é através de revisão dos benefícios, fazer uma revisão no Bolsa Família, auxílio-defeso e, por exemplo, aposentadoria rural. Faz um pente-fino para poder reduzir despesas ou concessões indevidas a pessoas que já não precisam mais ou não se enquadram. Pode fazer um cruzamento e identificar esses gastos desnecessários.
É isso que estaria dentro dos R$ 25,9 bilhões que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está sinalizando cortar? Haddad chegou a colocar para o sr. como exatamente essa cifra seria alcançada?
Eu estive com o ministro Fernando Haddad, conversando com ele. Fui lá saber se estava tudo bem, se a mensagem enviada na LDO mantém como está. Porque, inicialmente, eles projetavam os gastos e as receitas em cima de uma taxa de juros de 9% no final de 2025 (a previsão está em 9,5% agora, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central). Alguns outros indicadores também não estão como projetado inicialmente. Eu perguntei para eles se dá para fazer alguma revisão. Eu acredito que, se tiver, eles ainda vão me chamar para fazer um ajuste.
Haddad sinalizou alguma revisão específica das projeções na LDO?
De imediato, não. Na conversa que tivemos, falamos em manter como está e aguardar um pouco mais. Devido a que não teremos a aprovação da LDO neste mês de julho, daria tempo de verificar o comportamento da economia do País, em 30 ou 60 dias, para poder se projetar alguma alteração.
Voltando à revisão de benefícios, Haddad falou quais pontos ele está planejando rever?
A proposta inicial de revisão de benefícios foi feita pela própria ministra (do Planejamento) Simone Tebet. Mas o presidente falou: “Eu não farei nenhum ajuste fiscal em cima da pobreza”. Ela falou uma coisa como técnica, mas tem que ser combinado com o homem político, que é o presidente que foi eleito e que tem esses compromissos em cima desses temas que para ele são caros. Mas agora ele voltou atrás em muitas das conversas. Na última entrevista, ele sinalizou positivamente para o mercado devido à evasão de investimento na Bolsa de Valores e ao aumento do dólar. Tudo isso faz com que o governo tome uma atitude de rever até algumas falas. Isso é prudente, só os ignorantes não mudam. A pessoa tem que realmente rever posições tomadas preliminarmente para poder a coisa fluir.
Mexer no Proagro não é fácil. A Frente Parlamentar da Agropecuária é poderosa e multipartidária, com senadores e deputados.
E a revisão do Proagro, que já está prevista na LDO enviada pela equipe econômica? Os valores economizados serão direcionados para resultado primário ou realocados dentro do Ministério da Agricultura, como deseja a pasta?
O Proagro é um dos pontos colocados para revisão. Mas mexer no Proagro não é fácil. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é poderosa e multipartidária, com senadores e deputados. Acho difícil mexer, embora seja necessário, como a ministra Simone (Tebet, do Planejamento) falou.
O sr. mencionou que Lula reviu algumas falas. Mas em relação à desvinculação, isso realmente não foi revisto. Dá para dizer que é um debate interditado dentro do governo?
As desvinculações quase todas são constitucionais. Para mudar qualquer programa desse tem que alterar a Constituição e sabemos que não é fácil. Eu tenho falado que a margem de liberdade de Orçamento hoje para um presidente é muito pequena. (No futuro) ou vai lançar créditos extraordinários e endividar o País ou vai fazer a reforma do Orçamento. É impossível governar com o Orçamento engessado.
Quais seriam as medidas para desengessar o Orçamento?
O Paulo Guedes, lá atrás, tinha falado dos três “Ds” (desvincular, desindexar e desobrigar). Ele já profetizava isso.
Tem alguma coisa que é possível fazer, politicamente, agora? O sr. levou sugestões ao ministro Haddad? Algo que não precise de PEC?
O que o presidente pode fazer e vai ser recomendado pelo ministro Fernando Haddad e pela ministra Simone Tebet vai ser mesmo o contingenciamento de recursos, conter os gastos meio na marra, porque o contingenciamento é uma medida extrema. Todos os ministros têm seu dinheirinho, com o qual já estão contando e aí chega o presidente e fala: “Vamos contingenciar 15% ou 20% do Orçamento”. Daí o Renan Filho (ministro dos Transportes e correligionário do relator da LDO) tem programas de asfaltamento, obras feitas, ele vai ter de segurar, cortar. Ele fica chateado, os governadores que seriam beneficiados já vêm para cá (Congresso), tem contestação, repercussão política, mas é a única medida que o governo dispõe.
E na parte de gastos tributários?
Isso pode ser feito, são os incentivos, as concessões. Tem a repercussão forte dos beneficiados. Vocês viram a questão da desoneração da folha de salário, não teve jeito, até o presidente mandou, mas não passou pelo Congresso. É o lobby poderoso. Quem tem benefício, nem que seja por um ano, não quer abrir mão, usa todas as forças, vai no senador, vai no deputado, pessoalmente.
O senhor avalia, então, que ano que vem o mais provável é que essa revisão de gastos seja uma combinação de contingenciamento com pente-fino nos benefícios?
É só isso mesmo. E austeridade, pedir para os ministros segurarem o gasto de custeio, que é aparentemente pequeno, mas eu defendo que tem de começar das pequenas coisas.
A apreciação da LDO tem ficado em segundo plano devido às votações da reforma tributária. É viável aprovar a lei em agosto?
É possível.
No ano passado, a LDO foi marcada por mudanças no arcabouço fiscal e alterações em procedimentos ligados a emendas. Qual a marca que o sr. quer imprimir à lei de 2025?
Não quero que tenha marca nenhuma, quero que seja o mais tranquilo possível. O que pode acontecer é apenas essa revisão dos índices. Por exemplo: juros e câmbio.
O governo terá de fazer contingenciamentos, ir soltando a rédea da carroça devagarzinho e vendo o comportamento da economia.
Com essas atualizações que terão de ser feitas, o sr. acredita que será possível alcançar o déficit zero em 2025?
A meta zero implica cortar gastos. Só que, se a margem de dinheiro livre já é pouca, como é que vai cortar? Basicamente é não fazer quase nada, né? Então, para isso, o governo terá de fazer contingenciamentos, ir soltando a rédea da carroça devagarzinho e vendo o comportamento da economia.
O sr. tem pontuado a questão do engessamento cada vez maior do Orçamento. As emendas parlamentares não contribuem para isso? Haverá alguma alteração referente às emendas na lei de 2025?
As emendas são definidas com base na receita corrente líquida (RCL), o limite é 2% da RCL (para as individuais). Se a receita diminui, as emendas são menores. Se a receita aumenta, elas são maiores.
Se colocar mais emenda de comissão como obrigatória a gente acaba de arrebentar o Orçamento brasileiro
Mas isso vale apenas para as emendas individuais. As de comissão, por exemplo, não seguem essa regra.
Eu sou contra a impositividade para as emendas de comissão. Se colocar mais emenda de comissão como obrigatória a gente acaba de arrebentar o Orçamento brasileiro.
Na LDO de 2024, cogitou-se criar um novo tipo de emenda: a de liderança. Isso está descartado?
Da minha parte, está descartadíssimo.
E calendário para pagamento das emendas?
O calendário de pagamento é com base nas receitas, né? Você não pode pagar todas as emendas no mês de abril, por exemplo. Tem que ser pago gradualmente. No primeiro trimestre, paga um porcentual. No segundo, paga outro porcentual. E uma parte fica para o final do ano. Lá atrás, no governo Fernando Henrique, quando eu era deputado, as emendas, mesmo as individuais, só eram pagas nos últimos dias de dezembro. Parece que era de propósito. E naquele tempo as emendas não eram positivas, então, se o deputado votasse contra (o governo), não recebia. Ficava de castigo.
Esse, inclusive, é o argumento do Congresso para tornar esses pagamentos cada vez mais impositivos, né?
Exatamente. Falamos: vamos nos libertar. A oposição, naquela época, não recebia emenda coisa nenhuma. Não recebia nada. Se uma pessoa, até mesmo da base, fazia um discurso contra o governo, não era nem recebido na Casa Civil. Eu vivi essa fase. Tirava a liberdade até da pessoa ficar desgostosa com o governo.
O sr. vem conversando com diversos ministérios antes de fechar o relatório final da LDO. Quais demandas foram apresentadas?
Alguns ministérios propuseram ajustes. A ministra (do Meio Ambiente) Marina Silva, por exemplo, pediu para a gente observar o dinheiro do Fundo Amazônia, que são R$ 3 bilhões. O orçamento dela é de R$ 2 bilhões. Quando ela aprova um projeto do Fundo Amazônia, ela tem de deduzir do Orçamento dela. Ela falou: “Isso não é justo”. Eu levei esse assunto ao (ministro da Fazenda Fernando) Haddad. Já o ministro da Educação questionou o porquê da pasta pagar os hospitais universitários, que são gastos de saúde. São R$ 17 bilhões. Mas ninguém aceita mexer nisso.
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