Presidente do conselho de administração da Lojas Renner, que tem mais 22 mil funcionários e somou em receita líquida mais de R$ 13 bilhões em 2022, José Galló considera que os empresários têm pouca voz ativa e inferior ao desejável. Para ele, a polarização do País inibe os líderes de terem uma participação mais propositiva em relação ao poder público. “(O diálogo de empresários com o governo) deve ser com uma posição construtiva, nem de agressão, nem de omissão. O Brasil tem muita omissão”, afirma Galló em entrevista ao Estadão/Broadcast.
Na visão do empresário, líderes polarizadores escutam apenas os “amigos do rei” e o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) carrega ânimos tão exaltados quanto o anterior, de Jair Bolsonaro (PL). “O ambiente continua o mesmo, com certeza”.
Galló chegou à Renner em 1991, quando a empresa tinha oito lojas e R$ 1 milhão em valor de mercado. Hoje, a rede tem mais de 650 lojas, contando as marcas Camicado e Youcom, e valor de mercado de cerca de R$ 16 bilhões. A empresa chegou a valer mais de R$ 40 bilhões em 2019, antes da pandemia, quando Galló deixou o posto de CEO e assumiu o conselho de administração. Os desafios macroeconômicos recentes provocaram, entretanto, queda de 75,6% no lucro da varejista no primeiro trimestre de 2023. Foram fechadas 20 lojas em um processo de revisão de portfólio no mesmo período.
A Renner foi patrocinadora do Fórum da Liberdade, realizado pelo Instituto de Estudos Empresariais em abril. No evento, em que se discutiu nuances da política brasileira, com ênfase na busca de liberdade econômica e de expressão, Galló afirmou que o País e o mundo passam por um período de mudanças, com um ambiente difícil de navegar. “Notou-se que a forma mais contundente de conquistar pessoas era através do medo e do ódio”, diz Galló, sobre o uso de algoritmos das redes sociais na formação de opinião.
A seguir os principais pontos da entrevista.
O senhor disse recentemente que vivemos um momento intenso de mudanças. Quais mudanças são essas?
A pandemia reposicionou formas, pensamentos e comportamentos. Isso coincidiu com um momento importante da digitalização, que é outra mudança relevante. Com os smartphones, o consumidor se digitalizou mais rapidamente do que as companhias. Surgiram empresas nativas digitais, que já se formaram com essa tecnologia, o que possibilita o início de negócios com menos recursos. As empresas normais, por sua vez, passaram a ter uma dificuldade bem maior. Fazer uma transformação digital é muito difícil. Como se não bastasse, o mundo passou a ter uma situação econômica de redução de negócios e juros altos. Houve transformações geopolíticas com a guerra da Ucrânia, por exemplo. O ambiente ainda mudou politicamente, com radicalismo e líderes mais fortes. Olha a complicação disso tudo!
Quais os principais desafios para as empresas no uso da tecnologia?
Junto com as novas tecnologias, redes sociais e aplicativos de mensagens, veio a existir um novo tipo de comunicação, que passa a pertencer aos indivíduos. Hoje um indivíduo comunica-se com vários outros de forma fácil e que não existia no passado. Nesse contexto, os algoritmos passaram a ser utilizados por empresas de segmentação de mercados e pesquisas relacionadas a ‘que produtos vender’. Só que alguém, de repente, percebeu que esses algoritmos poderiam ser usados na política. Percebeu-se que isso poderia ser usado em eleições e em situações como o Brexit, no Reino Unido. Notou-se que a forma mais contundente de conquistar pessoas era através do medo e do ódio. Pesquisas mostraram que era seis vezes mais fácil alguém aceitar uma fake news do que uma verdade (Estudo do MIT, de 2018). Isso foi usado na eleição de Donald Trump, no Brexit, nas eleições da Itália, na Hungria e aqui no Brasil também.
Nesse contexto, como deve se dar o diálogo dos empresários com o poder público?
O melhor diálogo é o de propor soluções. Normalmente, no Legislativo, passam tantos projetos pelos parlamentares que é difícil ter uma posição clara sobre os efeitos de todos eles. As entidades, como o Instituto Brasileiro para Desenvolvimento do Varejo (IDV), sempre foram muito construtivas. Dizíamos: ‘Essa proposta tem pontos positivos e negativos. Quem sabe construímos algo que seja bom para ambos os lados?’ Deve ser uma posição construtiva, nem de agressão, nem de omissão. O Brasil tem muita omissão. Em outros países, vemos os líderes dando mais opiniões e participando mais. Esses ambientes polarizados prejudicam que os líderes deixem suas posições claras através da mídia e da imprensa.
Se um empresário tem algo a contribuir com determinado governo, pensa antes de fazê-lo, pois isso pode gerar uma crise?
Exatamente. Como está polarizado, é difícil agradar a todo mundo. Você pode causar uma crise. Isso é muito ruim para a democracia. A democracia é livre manifestação que aceita o contraditório. Uma democracia na qual você expõe uma ideia e volta um confronto é muito complicada. Isso inibe as pessoas. Hoje, se olharmos os jornais, não vemos mais fontes importantes que dão posições fortes e firmes. A polarização restringe o número de pessoas próximas ao líder polarizador. Fica algo parecido com “os amigos do rei” e isso é um problema sério. O polarizador geralmente consulta a poucos.
O senhor sente isso tanto no governo passado quanto no atual?
Certamente. Dá para ver isso nas publicações de jornais. Continua o mesmo ambiente, com certeza.
Como as empresas devem se posicionar diante disso?
No caso da digitalização, ela chega de forma mandatória, que deve ser feita. Os conselhos de administração agora têm especialistas nisso para ajudar no processo. Tem de estimular e orientar, mas no fim, o que ganha o jogo é a execução. É preciso ver se a diretoria da companhia se sensibilizou e mudou sua mentalidade para se tornar competitiva. Com relação às fake news, elas podem gerar crises em uma empresa. Hoje, uma empresa tem de ter um comitê de crise antes da crise. É preciso haver um manual que indique a conduta para cada tipo de situação.
Quando se fala de mais liberdade econômica, o que os empresários buscam?
Menos regras e mais segurança jurídica e de contratos. Por exemplo, há toda uma configuração sobre o saneamento e, depois, se diz que não é bem assim. Os grandes investimentos são feitos para o longo prazo: coloca-se o recurso para ter retorno em 10 ou 20 anos. A segurança jurídica, de legislação e de continuidade são importantes. Além de termos tantos impostos, eles são complexos. O Brasil é um país de oportunidades, um mercado interessante, que tem recursos naturais incríveis e facilidades do ponto de vista de energia. Mas somos o país da esperança e do futuro que nunca chega.
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