Uma das maiores empresas de investimentos em imóveis do mundo, com US$ 272 bilhões em ativos sob gestão, a canadense Brookfield, está animada com o Brasil. A expectativa é de aportes crescentes no setor nos próximos anos, segundo o líder de negócios imobiliários da multinacional, Roberto Perroni. “Nossa visão é positiva em relação ao momento da economia brasileira principalmente em função da queda dos juros”, afirma. Perroni destaca que os investimentos estão migrando - de forma relevante - para o desenvolvimento de novos projetos. “Começam a caminhar para ‘os tijolos’.”
A carteira imobiliária da Brookfield no Brasil totaliza R$ 26 bilhões. Na sua tacada mais recente, o grupo investiu R$ 7,7 bilhões na compra de 16 torres de escritórios em plena pandemia, quando essa classe de ativos estava em baixa. A aposta foi no aumento gradual dos aluguéis à medida em que a economia se recuperasse. Até aqui, tem dado certo, diz Perroni. Nos prédios da Faria Lima, a locação subiu de R$ 165/m2 em 2021 para até R$ 250/m2 em 2023 devido à maior procura por espaços na região. “Foi um crescimento muito rápido, porque é uma região muito desejada, com a vacância baixíssima, sem espaços disponíveis”, explica.
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Nos próximos anos, a Brookfield pretende crescer em prédios residenciais para locação e em galpões logísticos. Essas teses de investimento buscam acompanhar mudanças importantes no comportamento da população - como o desapego dos millennials pela casa própria, além da consolidação do hábito de fazer compras via comércio eletrônico.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida para o Broadcast.
Quais as perspectivas da Brookfield para a economia brasileira?
Nossa visão é positiva em relação ao momento da economia brasileira principalmente em função da queda dos juros, que sempre esteve muito relacionada com o crescimento do mercado de real estate. No momento em que você deixa de fazer uma simples aplicação financeira [porque os juros estão caindo], toda a população começa a ter um olhar especial para o setor imobiliário. É um momento em que os investimentos começam a caminhar para o sentido do tijolo. Além disso, quase semanalmente temos notícias positivas e mais crescimento do PIB. Isso dá um otimismo maior, e nós conseguimos fazer novos investimentos. Vamos viver um bom momento nos próximos anos.
Vocês fizeram um investimento de R$ 7,7 bilhões na compra de 16 prédios de escritórios entre 2021 e 2022, o que colocou a Brookfield como a maior dona de prédios corporativos do Brasil. Essa tese se mostrou acertada?
O balanço é muito positivo. Nossa tese era a seguinte: os aluguéis ficaram estagnados por quase dez anos. Nunca aconteceu algo assim no mercado imobiliário no Brasil. A inflação tinha sido alta, e os aluguéis estavam defasados. Um dos motivos dessa estagnação foram os anos difíceis da economia, com PIBs negativos, mudanças de governo e a pandemia. Então, vimos a oportunidade de investir em um segmento que tinha uma tendência de crescimento.
Foi a estratégia clássica de comprar na baixa para lucrar na alta?
Foi comprado na baixa, mas não vamos vender na alta, necessariamente. A relação não é tão direta assim. Temos uma visão de longo prazo. Ao comprarmos um ativo imobiliário, normalmente pensamos em 10 anos. Estamos aqui no Brasil há mais de cem anos. Nos momentos em que poucos investidores estrangeiros estão vindo para o Brasil, nós nos mantemos presentes e conseguimos antever oportunidades interessantes.
Qual o nível de ocupação dos prédios que foram adquiridos?
Os prédios estavam com pouca ocupação por causa do home office. Na Syn estava em 90%, mas na BR Properties, ia de 65% a 70%. As pessoas não estavam indo ao escritório ainda. A população nesses imóveis estava em torno de 50% em relação a 2019 [antes da pandemia]. Apostamos que esse pessoal ia acabar voltando para o escritório, seja no sistema híbrido ou não. Também apostamos em uma retomada da economia do País, o que faria com que as empresas precisassem expandir e alugar mais espaço de escritório.
Como evoluiu a ocupação dos escritórios adquiridos?
Uma parte da nossa tese vem se comprovando mais rapidamente do que o esperado. Primeiro: a população está voltando para os escritórios. Naquela época, [a ocupação] era de 50%. Em maio deste ano, foi para 60%, e em agosto, batemos em 80% em relação ao período pré-pandemia. Esse nível de 80% é a média da semana. De terça, quarta e quinta, a população já é de 110% a 115%. No sistema híbrido, a maioria dos funcionários fica em casa na segunda e na sexta. Nos demais dias, claramente as empresas já estão precisando de mais espaço.
E o que aconteceu com os valores dos aluguéis?
Nós projetávamos um crescimento de aluguel para os próximos cinco anos em função da estagnação do passado. A taxa de vacância da Faria Lima já era baixa, de 10%, e caiu para em torno de 5%. Então, o que aconteceu? O aluguel do portfólio comprado era R$ 165 por metro quadrado, em média, na Faria Lima, e hoje já está em R$ 250. Ou seja, subiu muito mais rapidamente do que a gente imaginava do final de 2021 para hoje. É uma região muito desejada, com a vacância baixíssima, sem espaços disponíveis.
Isso é preço pedido ou fechado de fato?
É o preço fechado. A ocupação vem crescendo em todos os trimestres. Neste trimestre, já assinamos mais ou menos 15 mil metros quadrados [de contratos de locação] e temos mais uns 20 mil metros quadrados em discussão de minutas contratuais. Dá uns 35 mil metros quadrados que, com certeza, vamos fechar. E eu tenho outros 40 mil metros quadrados em negociação. É uma questão de detalhes comerciais para fechar ao menos uma boa parte disso. Se somar tudo, dá uns 80 mil metros quadrados. Então, nesse trimestre mudou um pouco a velocidade, e estamos bastante otimistas. Mudou completamente o humor desse mercado.
Além de escritórios, em quais outros segmentos imobiliários vocês estão investindo?
Temos investimentos fortes em multifamily [prédios residenciais para locação] e galpões de logística. Estamos muito animados com essa estratégia de multifamily. Nosso foco é o público de classe média e classe média baixa, com aluguéis que vão de R$ 1.500 a R$ 2.500 por mês. As pessoas aí têm renda em torno de R$ 8.000. Esse modelo é um pouco diferente do aluguel comum, porque somos o dono do prédio como um todo. E oferecemos não só o “hardware”, mas também o “software”. Meu inquilino pode escolher apartamento mobiliado ou não, com sistema de locação feito pela internet, crédito aprovado em 30 segundos, e não precisa de fiador. Ele vai ter uma série de serviços que normalmente não encontra em nenhum outro tipo de empreendimento. Tem piscina, academia de ginástica, coworking no térreo, serviço de locação de carro e bicicleta.
Quantos apartamentos vocês já têm no portfólio e quantos planejam ter no curto a médio prazo?
Temos uma parceria com a Luggo, empresa da MRV. Estamos comprando 5 mil unidades que serão entregues ao longo dos próximos anos. Hoje, são 1.200 apartamentos em operação. Vamos crescer rapidamente nos próximos três anos para 4 mil em operação. Ao todo, são quase 8 mil no pipeline para desenvolvimento. Queremos crescer muito. E não só em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas olhamos o Brasil todo. Achamos que tem aí pelo menos 30 cidades com a chance de desenvolver esse tipo de produto.
O que vocês viram de interessante na locação residencial?
Os nossos contratos são de 30 meses, e a inadimplência é muito baixa, em torno de 2%. Já sobre o valor do aluguel, temos uma curva de aprendizado porque é um mercado que ainda não existia. Quando comparamos com um prédio comum, conseguimos ter aluguéis de 20% a 25% acima, porque está tendo até uma fila de espera. Eu acho que tem um potencial de crescimento grande porque oferecemos algo que o mercado não oferece.
Qual tipo de público vai para esses apartamentos?
O aluguel atende muita gente que não tem a poupança o suficiente para fazer o início do pagamento do apartamento próprio. E também tem a nova geração dos millennials que, não, necessariamente, querem comprar uma moradia. Eles sabem que podem mudar de empresa com o passar do tempo e vão querer morar em outro lugar. Então, não querem ter um vínculo forte com um único endereço. É uma mudança de cultura importante para o mercado de locação.
Quais são os gargalos para crescer na locação residencial?
O gargalo é ter empreendimentos suficientes para desenvolver. Ao comprar um terreno, há uma disputa com as incorporadoras tradicionais que constroem imóveis para vendas. Mas temos muita oferta de incorporadoras que querem fazer alguma parceria para empreendimentos desse tipo multifamily conosco. Então, eu não vejo nenhuma barreira para o nosso crescimento por enquanto. Neste momento são 5 mil unidades já contratadas com a Luggo e outras 3 mil com outras empresas. Já fechamos três prédios com a TPA, que faz imóveis no centro de São Paulo, e quatro empreendimentos com a Lavvi, que também é bastante tradicional. Temos outros em negociação. O foco é o segmento de renda mais baixo, já que outros empresas de locação estão em públicos de mais alta renda.
E no setor de logística, quais os planos de vocês?
Logística é um mercado que continua muito forte. Quando acabou a pandemia, o pessoal ficou preocupado como ficaria o setor, porque foi o comércio eletrônico que cresceu muito e absorveu esses imóveis nesse período. Mas, hoje, a absorção é diversificada. Tem desde indústrias e transportadoras, além do comércio eletrônico ainda atuante. O que mudou foi a euforia. Antes, as empresas alugavam o imóvel um ano e meio antes de a obra ficar pronta. Hoje, isso acontece quando o galpão está prestes a ser entregue ou logo depois da entrega. Ainda assim, continuamos tendo uma absorção muito forte. Alugamos 50 mil metros quadrados nesse trimestre. O que estava prestes a ser entregue está com demanda muito forte e vamos continuar alugando.
E como estão os valores de aluguéis aí?
Os galpões também ficaram por um bom tempo com os aluguéis estagnados, mas nesse ano começaram a crescer os valores. Até porque construir um galpão, hoje, é muito mais caro do que era há cinco anos. A inflação da construção foi alta. Na região de Guarulhos, por exemplo, o aluguel ficou estagnado em R$ 25 por metro quadrado, chegando a cair para R$ 22. Hoje, já estamos alugando por mais de R$ 30.
A crise de grandes grupos varejistas preocupa?
A pior fase dos varejistas talvez já passou, e não afetou o mercado de galpões. Vemos que há espaço para aquecimento porque a infraestrutura de logística no Brasil ainda é muito pequena. Quando comparamos o mercado local com outros países, a diferença é muito grande. Falta muito galpão de qualidade.
E como vocês vão crescer em logística? A ideia é construir um portfólio de galpões ou ir às compras?
No caso de galpões, optamos por comprar os terrenos. Temos um time de desenvolvimento, com uma empresa construtora contratada. Já fizemos aquisições de galpões prontos no passado, mas hoje esses ativos têm uma demanda muito forte por parte dos fundos imobiliários. Não temos apetite para competir na compra.
Nos últimos anos, a Brookfield vendeu seus shoppings, restando apenas três no portfólio: Pátio Paulista e Higienópolis, em São Paulo, e o RioSul, no Rio. Qual a é a perspectiva para esses empreendimentos? Vão seguir no processo de vendas?
Os shoppings estão indo muito bem. Foi uma surpresa positiva ver como eles se recuperaram bem neste ano. O NOI [indicador de receita líquida] e o volume de vendas dos nossos shoppings em 2023 estão 27% acima do que era em 2019. Eles não só superaram os números anteriores da pandemia, como já passaram de longe. Então os shoppings estão indo muito bem. Existiu a ideia de venda no passado? Sim, existiu. Mas hoje nós não temos [a venda] no radar, nem pressa. Os juros ainda estão altos, e isso influencia o valor dos imóveis. No momento em que a queda dos juros acontecer com certeza, a gente pode voltar a por [a venda] na agenda. Por enquanto, estamos felizes e satisfeitos com os resultados do shopping e achamos que tem potencial para crescer ainda mais.
De onde viria esse crescimento nos shoppings?
Temos vendas 27% acima de 2019, mas seguimos com 15% a 20% a menos de tráfego. Para as pessoas voltarem aos shoppings, ainda falta elas voltarem completamente aos escritórios, porque esse circuito fica próximo. Isso faz diferença. E os cinemas estavam com dificuldade de atrair o público. Essa safra recente de filmes [com blockbusters como Barbie e Oppenheimer] ajudou no movimento, e os cinemas quase voltaram aos níveis pré-pandemia.
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