A partir de estudos e consultas feitos com entidades e lideranças industriais de todo o País, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborou um Plano de Retomada da Indústria, no qual são apresentadas diversas propostas com vistas a reverter o acelerado processo de desindustrialização em curso no País. O documento inclui propostas para subsidiar as ações dos primeiros 100 dias do novo governo nessa área. Nesta entrevista, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, aponta os principais entraves ao desenvolvimento industrial no Brasil e dá uma visão geral das medidas consideradas fundamentais para a reindustrialização do País.
Que fatores explicam o processo de desindustrialização do Brasil?
As causas da perda de competitividade da indústria nacional são muitas. Destacam-se, entre elas, os elevados custos sistêmicos, conhecidos como Custo Brasil, que, de acordo com estudo recente, consome 1,5 trilhão de reais anualmente das empresas instaladas no País. Esse rombo é resultado de diversos problemas, tais como: sistema tributário complexo, oneroso e cumulativo; infraestrutura deficiente; financiamento escasso e caro; baixa qualidade da educação; ambiente macroeconômico instável; e insegurança jurídica.
O que precisa ser feito para reverter esse quadro?
Uma prioridade urgente seria promover uma reforma da tributação sobre o consumo, nos moldes do que prevê a PEC 110, em trâmite no Congresso. Outra medida essencial é o aumento dos investimentos em infraestrutura, sobretudo nas áreas de transportes, energia, saneamento e telecomunicações. É imperativo, também, que o Brasil invista na adoção de uma política industrial moderna, como tem ocorrido nos Estados Unidos, no Japão, na China, na Coreia do Sul, na Alemanha e demais integrantes da União Europeia. Estima-se que, juntos, esses países investirão em torno de 5 trilhões de dólares, nos próximos anos, em políticas de apoio às suas respectivas indústrias, para alcançar objetivos estratégicos, como digitalização e descarbonização da economia.
Quais premissas a CNI defende para uma política industrial no Brasil?
No Plano de Retomada da Indústria, que estamos encaminhando ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, defendemos que o novo governo coloque como uma de suas prioridades a adoção de uma política industrial alinhada às melhores práticas internacionais, que priorize o desenvolvimento científico e tecnológico, colocando a inovação como principal fonte de ganhos de produtividade. Outro pressuposto é que, dada a sua importância estratégica, tal política seja estruturada com a garantia de recursos orçamentários e tenha como um de seus principais pilares o financiamento direcionado, com juros competitivos, para inovação, exportação e economia de baixo carbono. A premissa básica é a seguinte: não existe país forte e desenvolvido sem uma indústria competitiva e integrada ao mercado global.
Artigo
Caminhos para a reindustrialização
A contribuição da indústria para o avanço tecnológico favorece o crescimento da produtividade geral da economia e o acesso da sociedade a novos bens e serviços. O setor também arrecada impostos em proporção superior à sua expressão no PIB, seja por sua formalidade ou pelo elevado valor agregado dos seus produtos e dos serviços embutidos. Precisamos que a indústria nacional retome a trilha do crescimento, mas, para isso, existem quatro condições essenciais: tranquilidade institucional, equilíbrio macroeconômico, combate à desigualdade social e sustentabilidade ambiental.
Ajustadas essas condições essenciais, temos de avançar na agenda de competitividade da indústria, o que requer um conjunto de medidas, com prioridade para a realização de uma reforma tributária focada na unificação dos impostos incidentes sobre o consumo de bens e serviços; a implementação de uma reforma administrativa focada na melhoria da prestação dos serviços ao público, na digitalização e na desburocratização; no aprofundamento da reforma trabalhista; e na redução paulatina da insegurança jurídica.
Outro ponto relevante é o fomento eficiente à realização de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com a imediata revisão da Lei do Bem, e o não contingenciamento de recursos públicos destinados ao setor. É crucial, também, que haja uma expansão acelerada da infraestrutura, a partir de concessões em setores como saneamento, estradas, ferrovias, portos, aeroportos e conectividade. Finalmente, e não menos importante, é preciso que se busque uma maior integração do Brasil com o mundo, por meio de acordos comerciais graduais, e o ingresso efetivo do Brasil na OCDE.
Uma série de desacertos explica o processo de desindustrialização e a redução da velocidade do crescimento do País. A boa notícia é que é possível retomar o passo, com a implementação de uma agenda que contemple todas as questões elencadas, que se some a um planejamento estratégico. A única razão para não obtermos sucesso será nossa incapacidade de transformar potencialidades e recursos em resultados.
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