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Cenário econômico nos EUA reduz perspectiva de crescimento no Brasil, afirma Sergio Vale

De acordo com economista-chefe da MB Associados, manutenção de juros americanos em patamar elevado dificulta queda da taxa no Brasil e faz com que PIB dificilmente cresça mais de 2,5% neste ano

Foto do author Luciana Dyniewicz
Foto: Gabriela Biló/Estadão
Entrevista comSergio ValeEconomista-chefe da MB Associados

O cenário econômico americano, que inclui uma atividade forte e uma inflação resistente, pode não ser favorável para o Brasil, de acordo com Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Essa situação da economia americana levou o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos), a decidir, nesta quarta-feira pela manutenção das principais taxas de juros da economia do país pela sexta vez consecutiva.

Vale explica que, com a manutenção dos juros dos EUA em patamar elevado, fica mais difícil para o Banco Central brasileiro reduzir a taxa daqui. E, com o juro brasileiro também alto, o crescimento da economia local perde força. “Diminui a possibilidade de o Brasil crescer um pouco mais e chegar a 3% e fica mais provável uma alta no PIB entre 2% e 2,5%”, diz.

O economista destaca também que a manutenção dos juros americanos prejudica a candidatura à reeleição do presidente Joe Biden, dado o desconforto da população no país com o preço do crédito. “Com o Biden enfraquecido, apesar da situação jurídica de Trump não ajudar, o Trump sai favorecido. E o Trump voltando, pode haver um movimento disruptivo para a política e a economia mundial.”

Confira, a seguir, trechos da entrevista:

Como avalia a decisão do Fed?

Era esperada, dados os últimos dados de atividade e inflação. A atividade americana, especialmente o trabalho, continua forte. Isso faz o Fed sinalizar corretamente que vai levar tempo para os juros começarem a cair. O Fed tem sinalizado que quer um caminho de inflação chegando a 2% e tendo certa tendência desse número ficar em 2%. E o país está muito longe disso. O CPI (índice de preço ao consumidor) nos últimos três meses acelerou (de 0,2% em novembro e dezembro para 0,3% em janeiro e 0,4% em fevereiro e março; no acumulado de 12 meses até março, é de 3,5%). São números preocupantes para o Fed, e a possibilidade é a de que o Fed continue com esse patamar de juros por bastante tempo. Isso só vai mudar se houver uma recessão na economia americana e a inflação começar a convergir para a meta. Sempre fui desconfiado da tese de que haveria um pouso suave. Talvez seja preciso uma desaceleração econômica mais dura.

O que a decisão significa para a economia global?

É preocupante pela implicação política. Suponha que não haja recessão, mas a taxa de inflação continue preocupante e o Fed tem de manter o juro elevado por muito tempo. A sociedade americana tem mostrado descontentamento com a taxa nesse patamar. O crédito e o endividamento estão mais caros. Com o juro nesse patamar, é difícil para Joe Biden se reeleger no fim do ano. Agora, se houver recessão, é ainda pior para ele. Isso quase o impossibilita de ser reeleito. Com o Biden enfraquecido, apesar da situação jurídica de Trump não ajudar, o Trump sai favorecido. E o Trump voltando, pode haver um movimento disruptivo para a política e a economia mundial. A volta dele seria muito prejudicial. A política protecionista seria mais agressiva, não só em relação à China, mas a outros países. Há risco de ser um governo ainda mais intervencionista e protecionista, sem falar que ele pode reverter as políticas ambientais dos últimos anos. Seria um choque negativo nessa área.

Vale: 'Sempre fui desconfiado da tese de que haveria um pouso suave na economia americana. Talvez seja preciso uma desaceleração econômica mais dura' Foto: Gabriela Biló/Estadão

E qual o impacto da decisão na economia brasileira?

O impacto que temos é um câmbio mais pressionado. Sai de R$ 5 e fica entre R$ 5,10 e R$ 5,20. Também temos uma taxa de juros que não se consegue baixar muito mais. Se antes podíamos ter uma Selic (a taxa básica de juros da economia brasileira) a 8%, isso agora é mais difícil. Aí também entra a situação fiscal brasileira, que é um agravante. A taxa de juros do fim do ciclo de reduções está caminhando para ser entre 9,5% e 10%. Agora, se houver recessão nos EUA, podemos eventualmente ter uma taxa de câmbio mais depreciada no curto prazo.

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Esse cenário significa necessariamente uma atividade mais fraca no Brasil?

O crescimento da atividade econômica, que parecia ser forte, pode não ser tanto neste ano. Os três primeiros meses foram fortes. Isso ajuda a ter um PIB de pelo menos 2%. Agora, a situação externa e a questão fiscal são um risco para o crescimento do fim do ano. Diminui a possibilidade de crescer um pouco mais e chegar a 3% e fica mais provável uma alta no PIB entre 2% e 2,5%.

A decisão da Moody’s de melhorar a perspectiva da classificação de risco do Brasil pode ter um impacto positivo na economia, contrabalanceando as consequências da alta do juro nos EUA?

Não impacta diretamente. Só vai haver um impacto quando o País voltar a ter nota de investimento. Aí, com essa chancela, o investimento fica muito mais barato. Essa decisão da Moody’s é positiva, mas marginal.

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