‘Arcabouço fiscal precisará ser rediscutido já em 2025 ou 2026′, diz Solange Srour

Economista-chefe do Credit Suisse no Brasil avalia que, no médio prazo, será preciso buscar uma estabilização da dívida via reforma nos gastos

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Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Entrevista comSolange SrourEconomista-chefe do Credit Suisse no Brasil

A economista-chefe do banco Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, avalia que o arcabouço fiscal - aprovado na Câmara dos Deputados na terça-feira, 23 - não vai ser capaz de estabilizar a dívida do Brasil e pode ter um prazo curto de validade.

“Eu vejo um problema para 2025, que pode levar ao redesenho do arcabouço, assim como foi no teto de gastos, quando o Auxílio Emergencial não cabia mais nele. Essa é a minha grande preocupação”, afirma.

Solange vê como pressões para o funcionamento do arcabouço fiscal uma possível nova regra para o salário mínimo, o crescimento dos gastos com saúde e educação, que voltam a ser atrelados ao desempenho da arrecadação, e a criação de um piso para os investimentos.

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“Ninguém no mercado está acreditando que este arcabouço veio para ficar para os próximos governos”, diz. A grande maioria acha que no final de 2025 e 2026 será preciso rediscutir e, de fato, tentar uma estabilização da dívida via reforma nos gastos, porque via arrecadação ninguém acredita que vai ser feito o ajuste.”

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Arcabouço fiscal não vai ser capaz de controlar o crescimento da dívida, afirma Solange Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

O texto aprovado buscou reduzir brecha que permitia o governo gastar mais em 2024. Há alguma mudança no cenário?

Na verdade, não está explícito como no projeto anterior, na primeira versão, mas o crescimento de 2,5% (limite superior de gastos) real da despesa em 2024 ainda me parece ser um cenário mais provável. A inovação também é que vai haver um ajuste em 2025 caso a receita estimada em 2024 não se torne verdade. Dito isso, qual é a grande diferença? Em vez de estar explicitamente na lei os 2,5% de crescimento real, arrumou-se uma maneira de conseguir chegar nos 2,5% mesmo assim. Na prática, não vai mudar nada nas nossas contas.

E traz alguma mudança para 2025?

Não dá para chegar num número (fechado), porque vai depender muito do que o governo vai estimar de receita e o que vai efetivamente se realizar em 2024. Mas a gente não vai mudar. A nossa expectativa é a de que o gasto cresça 2,2% em 2025, muito próximo de 2,5%.

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Dado que pouca coisa mudou, como avalia o arcabouço?

Eu acho que existem duas visões, uma de curto prazo e outra de médio prazo. No curto prazo, existe, pelo menos, um limite de despesa. Essa é a visão que está prevalecendo no mercado, que tem recebido muito bem o arcabouço. A gente pode discutir que 2,5% de crescimento real (das despesas) não é o ideal, mas é melhor do que era no passado, antes de existir o teto. Eu acho que é uma avaliação muito curto-prazista. Não é a que eu mais me apego.

E qual é a visão de médio prazo?

No fim das contas, quando você desenha uma regra fiscal, o que você almeja? Você almeja que a dívida estabilize no médio prazo. E nesse quesito, eu acho que essa regra não cumpre o seu objetivo. Nas nossas contas, a dívida não vai estabilizar. Ele vai crescer ano após ano durante os próximos quatro anos. Não tem uma estabilização. É, claro, que isso depende do crescimento potencial, do juro de equilíbrio na economia. Mas, mais do que isso. Além de ela não estabilizar e não cumprir este requisito importante, eu tenho muito medo de que o arcabouço não se mostrar factível em 2025.

O que poderia levar a esse cenário?

A gente vai ter uma regra de salário mínimo sendo aprovada muito provavelmente este ano. Dependendo do aumento do salário mínimo para 2025, não vai ser factível, na minha opinião, o gasto crescer 70% ou 50% da receita. O gasto vinculado ao salário-mínimo é enorme. Todo este gasto vai crescer muito acima da arrecadação. Tem também o crescimento (da despesa) da educação e da saúde atrelado à arrecadação e ainda um piso para o investimento. Independentemente de não cumprir a meta de primário e acionar os gatilhos, essa proporção do gasto relacionado com a receita pode não se mostrar factível. Eu vejo um problema para 2025, que pode levar ao redesenho do arcabouço, assim como foi no teto de gastos, quando o Auxílio Emergencial não cabia mais nele. Essa é a minha grande preocupação.

Mercado não acredita nos números de resultados primários apontados pelo governo, afirma solange Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Faz sentido o mercado ter recebido tão bem o arcabouço?

Esse otimismo está muito relacionado em como o mercado estava precificando o cenário em dezembro, janeiro e fevereiro. É complicado analisar a percepção do mercado para o arcabouço pela alta da Bolsa, queda dos juros, cotação do câmbio. O ponto de partida era muito depreciado. A gente estava precificando um cenário bem negativo antes da apresentação do arcabouço. Havia muita dúvida se o governo - como um todo - iria abraçar o arcabouço. Ele estava sendo planejado apenas dentro do Ministério da Fazenda. Dá para entender essa animação quando se parte de um ponto de ativos muito depreciado. Eu entendo isso como um alívio, mas eu também acho que ninguém no mercado está acreditando que este arcabouço veio para ficar para os próximos governos. A grande maioria acha que no final de 2025 e 2026 será preciso rediscutir e, de fato, tentar uma estabilização da dívida via reforma nos gastos, porque via arrecadação ninguém acredita que vai ser feito o ajuste.

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Um dos pontos importantes do arcabouço é a melhora da arrecadação. Ele não virá?

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Ninguém acredita que virá com força, ninguém acredita nos números de primários que estão sendo colocados. Pode ser até que não fique tão longe, porque, no curto prazo, é sempre possível achar uma receita não recorrente, via Justiça ou via negociação com empresas, como a Petrobras. No curto prazo, o mercado até vê que tem algum jeito de não trazer primários tão negativos.

É possível fazer reforma via gasto?

Uma reforma administrativa, se ela fosse bem propagandeada como uma reforma que não iria atingir os atuais servidores, só as próximas gerações, não teria um custo tão grande (para aprovação). Não seria absurdo porque estamos falando de pessoas que nem entraram no serviço público. E isso traria um controle de gasto em 10 anos, 20 anos, que o mercado compra como muito positivo. Na época em que foi aprovada a reforma previdenciária, ninguém imaginava que a economia no curto prazo seria a que foi gerada. O mercado recebeu bem a reforma, o juro real caiu bastante, porque todo mundo imaginava que haveria uma economia muito grande nas próximas décadas. Eu acho que uma reforma administrativa nesses moldes, para os próximos servidores, diminuindo bastante o gasto para frente, traria um conforto de que haveria uma expectativa de que a dívida possa se estabilizar no futuro.

E qual a consequência de uma regra fiscal que não resolve o problema?

Isso vai implicar que o juro real da economia não vai cair. Hoje, a gente acha que está em torno de 5,5%. Antes da pandemia, estava torno de 4%. A gente não vai conseguir voltar para uma situação pré-pandêmica. Era um momento em que o teto de gastos tinha alguma credibilidade. Todo mundo até imaginava que ele poderia ser afrouxado, mas não da maneira como acabou acontecendo durante o fim do mandato anterior e com a PEC de Transição. A implicação é que o juro real neutro sobe. Isso significa que a economia vai crescer menos. E a outra questão importante é em relação à inflação. No curto prazo, a gente tem gastos elevados na economia. É muito difícil argumentar que não existe inflação de demanda e que o Banco Central está sendo excessivamente conservador. Eu acho que essa inflação gerada pelo expansionismo fiscal também está atrapalhando a convergência das expectativas longas para a meta. Não é só a discussão da meta (de inflação) em si, mas o fato de que a política fiscal é percebida pelos agentes como expansionista nos próximos anos.

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