‘Não há como dizer que credibilidade do Banco Central está intacta’, diz Solange Srour

Para a diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, expectativas de inflação devem continuar subindo, o que pode colocar em debate o fim do ciclo de corte de juros já na próxima reunião do Copom

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Foto: Ricardo Borges
Entrevista comSolange SrourDiretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management

Uma semana após o racha no Comitê de Política Monetária (Copom) suscitar dúvidas sobre o compromisso na condução da inflação em direção à meta, a diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, avalia que a credibilidade do Banco Central (BC) não está mais intacta.

A prova disso, observa, é a piora nas expectativas de inflação após a última reunião do Copom, na quarta-feira passada, quando os quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva votaram a favor de juros mais baixos.

“Se estivesse intacta, as expectativas não teriam desancorado mais”, comenta.

Para ela, as expectativas de inflação devem continuar subindo, o que pode colocar em debate o fim do ciclo de corte de juros já na próxima reunião do Copom.

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Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

A ata divulgada nesta terça desfaz o mal-estar provocado no mercado pela divisão nos votos da última reunião do Copom?

Houve certamente um mal-estar muito grande porque o comunicado não trouxe explicações sobre a divergência, que chamou a atenção do mercado porque foi de quatro diretores novos. Mas, entre o comunicado e a ata, matérias publicadas na imprensa anteciparam um pouco que o dissenso estaria em torno do compromisso com o guidance. A ata não trouxe, assim, grandes surpresas. Não considero que a explicação sobre o custo de abandono do forward guidance vai, de fato, convencer o mercado de que os dois grupos têm a mesma avaliação sobre a taxa Selic terminal. O mercado não está convencido de que a mudança nas expectativas de inflação é avaliada pelos grupos da mesma forma. Vai existir uma dúvida em relação ao peso que esses dois grupos dão às expectativas de inflação.

Para Solange Srour, porta está aberta para, inclusive, uma alta de juros, caso seja confirmado que o mercado de trabalho está pressionando a inflação de serviços Foto: Wilton Junior/Estadão

É razoável a preocupação sobre o custo reputacional de não seguir o guidance se o próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já tinha de certa forma assumido esse custo quando disse, em Washington, que a sinalização poderia não ser confirmada?

O mercado já estava na expectativa de corte de 25 pontos-base (0,25 ponto porcentual) na última reunião do Copom. Não considero que o custo de quebrar o guidance seria alto. Na verdade, penso justamente o contrário, no custo de se comprometer com o guidance quando o mercado já não acreditava mais nele. O compromisso maior com o guidance, numa mudança de cenário, atrapalhou as expectativas. Vimos, nesta semana, as médias das expectativas de 2025, 2026, 2027, subirem bem, ainda que as medianas de 2026 e 2027 não tenham sido alteradas. A elevação das médias dá uma indicação de que a tendência é de as medianas subirem.

A preocupação do mercado quanto ao risco de politização nos votos do Copom é justificável?

O mercado já estava esperando uma dissidência, mas o placar apertado adicionou incerteza a respeito da avaliação deste Copom sobre o peso que se dá às expectativas e ao fato de o mercado de trabalho estar mais aquecido do que o próprio Copom imaginava. Sobre o risco de politização, o mercado sempre vai tentar testar um BC novo, mesmo que os votos sejam unânimes. É claro que a votação não unânime aumenta o grau de incerteza em relação ao próximo Banco Central. Mas o mercado iria testar um novo Banco Central.

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Há possibilidade de o BC parar o ciclo de cortes?

Pelo que foi escrito na ata hoje (terça), alguns membros entendem que o balanço de risco está desfavorável — e pelo roadmap que o Roberto Campos Neto passou em Washington, mudança no balanço de risco pode significar pausa no ciclo. O Copom deve ter alguns membros pensando em pausar. De forma unânime, o discurso é de que a política monetária vai ser guiada não só para trazer a inflação à meta, mas para reancorar as expectativas. Então, a barra está muito alta para avançar e cortar mais. O teste talvez seja na próxima reunião (nos dias 18 e 19 de junho). Será que o Banco Central vai votar de forma unânime para pausar ou não? As expectativas estão mostrando uma tendência de desancoragem. Até a próxima reunião, pode haver uma mudança na mediana das expectativas para 2025.

Então, o ciclo está chegando ao fim. Mas se o Copom se tornar mais ‘dovish’ quando tiver a maioria dos membros indicada pelo governo, haverá condições para o ciclo de cortes ser reaberto no ano que vem?

É muito difícil dizer que vai fechar neste ano e trancar a porta porque a política monetária depende de dados. Tudo vai depender de como vai evoluir, principalmente, o cenário externo. Aqui no Brasil, há dúvidas sobre o hiato do produto e sobre a resiliência da inflação de serviços. Quanto maior for a atividade, maior será a pressão no mercado de trabalho, nos salários e nos preços. Na verdade, a porta está aberta para, inclusive, uma alta de juros, caso seja confirmado que o mercado de trabalho está pressionando a inflação de serviços. O que dificulta o Banco Central voltar a cortar juros no ano que vem é o fato de as expectativas de inflação estarem desancoradas. A porta não está trancada nem para cortar nem para subir os juros.

O que mais está contribuindo para a tendência de alta nas expectativas de inflação?

Alguns fatores não têm a ver com o Banco Central. Existe incerteza sobre o próximo Banco Central, mas existe também incerteza em relação ao cenário externo. Há muita dúvida não só de quando o Federal Reserve vai começar a cortar os juros, mas também sobre até aonde vai chegar. Isso acaba afetando as expectativas porque reprecifica o diferencial dos juros entre Brasil e EUA. A política fiscal no Brasil também ficou muito mais incerta. A mudança da meta do resultado primário de 2025 trouxe ruídos porque não está claro como será atingida.

A tendência é de a Selic seguir em dois dígitos, ou seja, de a taxa não cair para menos de 10%?

A barra para o Banco Central continuar cortando está bastante elevada, se o objetivo for mesmo reancorar as expectativas. É muito difícil que as expectativas voltem a cair em direção à meta de 3%, lembrando que elas não estão em 3% há muito tempo. Agora, estamos vendo as médias subindo para 2026. O mercado deve continuar precificando uma Selic terminal de dois dígitos. Para chegar a um dígito, o cenário terá que mudar completamente, haver uma incerteza muito menor em relação ao externo. Pode acontecer se as próximas três medições da inflação americana forem melhores do que as três anteriores, se o Fed conseguir cortar mais os juros do que o mercado precifica hoje.

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A sra. acredita que as expectativas de inflação caminham mais para 4%?

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Entendo que sim. As expectativas ainda têm um pouco mais para andar, até porque demora para o mercado digerir a comunicação do Banco Central. Mesmo que a comunicação hoje tenha vindo em linha com o que estava sendo especulado, ainda tem que digerir mais um pouco o dissenso na votação da última semana e a explicação a respeito do guidance. O mercado já antecipava que a dissidência foi motivada pelo grau de compromisso com o guidance, mas não quer dizer que o mercado todo acredita que a explicação seja super convincente. Grande parte do mercado acredita que o cenário de fato mudou e que a política monetária não poderá reagir da maneira como vinha reagindo antes.

Como fica a credibilidade do Banco Central após esse episódio?

A credibilidade deve ser medida pelas expectativas de inflação. Afinal, a meta de inflação é o principal objetivo do Banco Central. Como disse aqui, as expectativas podem ter sido afetadas por fatores que estão fora do alcance do Banco Central. E acho que foram. Mas em parte também são, sim, afetadas pelo trabalho deste Banco Central e por dúvidas em relação ao futuro. Não há como dizer que a credibilidade está intacta. Se estivesse, as expectativas não teriam desancorado mais. Não quero dizer que desancoraram só por conta das mudanças que vão ocorrer no Banco Central, porque houve também anúncios fiscais que não foram bem recebidos. Foi um misto de mudanças do cenário externo, incerteza sobre o Banco Central e incerteza fiscal. Mas o próprio Banco Central coloca a sua atuação como uma dúvida nas atas, não nesta de hoje, mas em outras. Ele mesmo coloca que as expectativas podem estar se movendo devido à avaliação do mercado sobre a atuação do Banco Central. Entendo que o próprio Banco Central tem trazido a discussão de que a credibilidade não está totalmente intacta ou ancorada.