‘A floresta em pé tem que valer mais do que soja e gado’, diz Suzana Pádua; leia entrevista

Educadora ambiental afirma que ‘biodiversidade é um tesouro’ que País não poderá recuperar caso seja perdido

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Entrevista comSuzana PáduaDoutora em desenvolvimento sustentável e criadora do Instituto Ipê

Mergulhada, há tempos, na defesa do meio ambiente, e sabendo que nesse combate a educação é fundamental, a doutora em desenvolvimento sustentável Suzana Pádua elege como vitais para o País um plano para já – com a virada de governo – e outro no médio prazo. ”Vamos ter que, de algum jeito, reconstruir nossos órgãos ambientais.” E, mais à frente, “teremos de fazer com que a floresta em pé passe a valer mais do que a soja e o gado”.

Por trás dessa síntese há três décadas de luta em defesa da natureza – que incluiu a criação do Instituto Ipê e da Escola Superior de Educação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), onde se oferecem cursos curtos, mestrado e MBA.

“Queremos de algum jeito contagiar com essa nossa paixão pela natureza o profissional, seja de que área for”, ressalta Suzana nesta conversa com Cenários. E faz uma advertência: “O conhecimento é a base da mudança” – e é preciso ”ter uma visão sistêmica para fazer a compensação da natureza”.

Isso passa por aproximar a academia dos fazendeiros, na defesa das matas e das espécies. Em setembro passado, o Ipê recebeu, em parceria com a Biofílica Ambipar Environment, o Prêmio Environmental Finance, pelo projeto AR Corredores de Vida – ações de reflorestamento na área do Paranapanema, no interior paulista.

Suzana Pádua, que se dedica há três décadas na luta pela defesa da natureza. Foto: Tiago Queiroz/Estadão Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A seguir, os principais trechos da conversa.

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O que fez o Instituto Ipê para ganhar esse prêmio?

Nosso foco é tratar a biodiversidade como o maior valor do Brasil. Somos um país único, com uma riqueza que ninguém mais tem, e precisamos salvá-lo de qualquer maneira. Uma de nossas tarefas é mitigar as ações humanas em ambientes degradados. No Pontal do Paranapanema, onde nascemos, o que sobrou do desmatamento foi o Parque do Morro do Diabo – e nosso empenho foi salvar ali o mico-leão-preto, considerado extinto há 70 anos. Meu marido Cláudio fazia doutorado e focou no mico. Eu entrei na missão com a parte educacional e questões sociais. A meta era criar áreas florestais para conectar espécies isoladas – sem o que surgem problemas de consanguinidade.

Na prática, em que consiste esse trabalho?

Em plantio de árvores em larga escala. Hoje, a gente está plantando um milhão de pés por ano. Trabalhamos muito com os fazendeiros e com os assentados no Pontal. Eles plantam espécies nativas e nós as compramos. Os assentados melhoram de vida e o verde agradece.

Nesse tema, os fazendeiros são vistos, por muita gente, como destruidores. Como é esse relacionamento?

Em tudo o que é novo, há uma certa resistência. O histórico do Paranapanema é dramático, até agente laranja foi usado – o mesmo desfolhante usado no Vietnã – num lugar onde convivem o mico-leão-preto, onças, borboletas... Sim, às vezes, é difícil abrir diálogo. Mas houve uma mudança significativa, hoje os fazendeiros estão participando, legalizando as terras, córregos e matas. E o crédito de carbono não vai para eles, vai para a empresa que nos fornece os recursos para restaurar. É um processo em que entram advogados do Ipê, da Biofílica Ambipar e também os dos fazendeiros. O nosso papel é mostrar que todos os lados ganham nesse jogo. Como educadora ambiental, aviso que precisamos instituir novos valores nesse diálogo.

Promover a educação, né?

Isso é a base. Você lida com muitas complexidades, no caso do Ipê, para fazer essa compensação com a natureza. E tem que ter uma visão sistêmica. Somos parte de uma teia de vida. Dados recentes mostram que, desde os anos 1970, praticamente 70% das espécies existentes no planeta estão sendo impactadas pelo meio ambiente. E quem está fazendo isso? Somos nós. Então é urgente dar toda ênfase à educação ambiental, na sustentabilidade. E não se pode esperar muito, estamos no tipping point, o ponto de não retorno. Isso quer dizer: precisamos de uma mudança de atitude.

Mudança de que forma?

Tratar a biodiversidade como um real valor. Reconstruir, de algum jeito, todos os nossos órgãos ambientais, que sofreram um desmonte. E fiscalizar.

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Como fiscalizar um País tão grande?

Isso já vem acontecendo. Temos organismos como Map-Biomas e o Imazon, que podem ajudar. Dispomos de muitos dados na mão. Então é questão de vontade política.

A educação é importante mas nossa inteligência está migrando para fora. Como saímos dessa?

Acho que alguns ambientalistas só não migram porque sabem que a riqueza ambiental está aqui. Veja, qual é o sonho para a Amazônia? É construir um conhecimento real sobre a biodiversidade, para poder competir com a invasão da soja e do gado. A floresta em pé tem que valer mais do que soja e gado.

Pensa numa estratégia para chegar a essa conquista?

Acredito que você tem de ter três fatores juntos – pesquisa, investimentos e empresas. Acredito muito no conhecimento aplicado, adoraria ver conjuntos de especialistas de diferentes áreas, com base em dados, traçando o Brasil de amanhã. E é preciso tratar o País na sua integridade. Sabendo que a biodiversidade é um tesouro e que se o perdermos não há como recuperá-lo.

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